Desde que cheguei a Suna que de imediato a senti como uma vila entediante. Enquanto para uns era uma vila bela cheia de areia por todo o lado, para mim não passava dessa mesma areia por todo o lado. Tédio...
Encontrei, contudo, a minha diversão à noite. De dia o calor era abrasador e impedia-me de sair de casa (cuja vontade já era mínima), passando assim tardes inteiras a olhar pela janela à procura que algo ou alguém viesse entreter-me. Mas sou nova neste deserto, não conheço ninguém e ninguém me conhece. Foi numa destas noites, fria por sinal, que decidi explorar um pouco da minha nova casa...

Encontrava-me sobre o telhado do prédio do meu apartamento, tudo calmo. Apercebi-me que uma vila em segurança era uma vila sem nada para fazer e perguntei-me o que faziam os ninjas de Suna nos seus tempos livres. Obviamente que treinavam, mas como seria um treino? Tentei vasculhar nas minhas memórias algum treino que tenha feito, em dezassete anos de vida, mas não consegui lembrar-me de nada. O mais impressionante é que eu já sabia um par de técnicas sem, supostamente, as ter praticado previamente... Sendo sincera, nada disso importava.
Arrastei-me até à berma do telhado e olhei para baixo. O vento passou ao de leve, misturado com alguns atrevidos grãos de areia, e fez soar as correntes presas ao meu cabelo. O meu olhar de caçadora distinguiu dois vultos a caminharem calmamente pela rua que eu vigiava. Sorri e pensei de imediato em incontáveis formas de divertir-me... Finalmente, alguma ação!
O seu caminhar dirigia-se pela esquerda, direcionada àquela rua onde se encontravam muitos bares e muito frequentada à noite. Tinha de segui-los, portanto o meu trajeto foi na mesma direção mas em cima do telhado. Passei-os à frente sem dificuldades, devido à sua quietude, mas depressa vi-me obstaculizada pelo limite do telhado. Olhei em frente. O salto para o próximo telhado era demasiado alto e o intervalo algo longo para uma pobre adolescente de corpo franzino como eu. Podia saltar para o beco, que era o tal intervalo, e interceta-los na rua antes de chegarem à próxima, mas queria brincar mais discretamente e sem demasiadas atenções centradas em mim, odeio isso.
Não tinha escolha senão o dito salto. Dei alguns passos para trás de preparação e respirei fundo. Odeio tanto esforço físico e era por isso que não queria tentar tal loucura, à qual nem estava habituada, mas a vida requeria pequenos esforços como estes. Impulsionei-me para a frente, mentalmente a já desistir, e apoie-me mesmo no limite do telhado, desgastando a força concentrada nas pernas para saltar e esticando os braços para tentar atingir o objetivo.
Espero que, à luz do luar, tenha parecido como uma felina a imitar a sombra pois, na realidade, vi o solo a aproximar-se de mim mais rápido que o telhado. Para minha sorte, uma realidade algo distorcida, um toldo que cobria uma janela serviu como um trampolim, amparando a minha queda e impulsionando-me novamente para cair de rabo no chão. Graças a toldo que a queda não foi mortal, mas, mesmo assim, foi o suficiente para me fazer soltar um gemido (demasiado feminino para o meu gosto) e sentir fortes dores nas nádegas, tendo o cabelo vermelho a cobrir-me toda a cara e com as correntes a baterem-me no peito descontroladamente. Levantei-me, a custo, e apercebi-me que já não iria a tempo de brincar com as minhas presas...
Ou não...
Depois da tempestade vem a bonança e eis que as minhas adoráveis presas aparecem acidentalmente onde eu queria, no beco! Provavelmente devem ter ouvido o meu vergonhoso gemido e pensando em ajudar a pobre donzela em apuros. Sorri e abanei com a cabeça para endireitar o cabelo na melhor maneira possível com tal gesto, tilintando com as correntes propositadamente. O som, como esperado, atraiu a atenção de um dos homens que olhou para mim. Refugiei-me de imediato na sombra do toldo meu salvador e mantive as mãos unidas.
- Foste tu que gritaste, pequena? – O seu tom preocupante era comovente, mas o meu desejo por brincar era superior – Precisas de ajuda?
Mantinha-se ocupado comigo enquanto as minhas mãos desenhavam selos a uma velocidade algo lenta, não queria enganar-me nas figuras e causar algum erro, e o meu chakra se moldava. Passando o máximo despercebida aos olhares preocupados dos homens, sussurrei para mim mesma “Magen: Narakumi no Jutsu” e deixei que o Genjutsu surtisse o seu adorável efeito.
O homem à frente, o que demonstrou maior preocupado, de repente atirou-se de joelhos para o chão, berrando como um insano. O outro assustou-se pelo movimento repentino, não se apercebendo que a culpada era a pobre donzela, que já moldava novas figuras com as mãos e deixava mais da essência azulada transbordar do seu corpo.
- Ei! Estás bem? – O segundo aproximou-se do primeiro com cautela, receando magoar com um simples toque. Ao mesmo tempo, outro Genjutsu já estava pronto.
Cópias negras da minha pessoa começaram a emergir das paredes e solo daquele beco. O segundo ainda não apercebera os novos movimentos, tão focado no seu companheiro, dando tempo para que as minhas cópias ilusórias pudessem fazer um círculo à volta deles. Por fim, este levantou a cabeça e olhou perplexo para o círculo de óleo em posições ameaçadoras.
- Mas que... – Olhou para mim, sem nunca distinguir-me, provavelmente pensado se eu era a culpada. Desviou o olhar, se calhar confiante por alguém tão frágil como eu ser incapaz de os ameaçar, levantando-se e pegando numa espada de tamanho médio, apontando-a para nenhures – Quem está aí?!
Gargalhei de leve, para que ninguém ouvisse, e percebi que ele não desconfiava mesmo de mim. Seria eu assim tão inofensiva para não desconfiarem de mim? Não interessava, queria brincar e até agora estava a conseguir fazê-lo sem nenhum problema. Aproveitei a situação, um tanto inesperada em alguns pormenores, para fazê-lo pensar que alguém nos atacava.
Desenhei ainda mais selos e mais do meu chakra fluí pelo meu corpo. Soltei-o numa rápida descarga, criando ilusórias kunai`s à frente do segundo homem com o Sushii no Genjutsu. Experiente como era, pelo menos segurava a espada confiantemente, tentou repelir os arremessos com cortes , surpreendendo-se tanto pela ineficácia da sua defesa tanto com a do ataque a ele dirigido. Repeti este último Genjutsu, trocando, na sua mente, a imagem da espada pela de uma tábua de madeira.
- Caraças..! – Gritou em susto, deixando a espada cair no solo como se tratasse de uma doença.
Retomou para perto do seu companheiro, mas viu-se barrado pelos meus clones negros (feios o suficiente para ele não os associar a mim). Socou-os e pontapeou-os em vão, fazendo com estes se multiplicassem a cada nova ferida. Gritou em frustração e abriu caminho até ao seu companheiro, visivelmente melhor, e agarrou-o pelo ombro.
Preparava-me para repetir a dose de ilusões, momento mais divertido que acabei por criar, mas o primeiro homem soltou algumas palavras indecifráveis. Tanto eu como o segundo homem paramos os nossos pensamentos só para ouvir o primeiro a repetir as palavras indecifráveis... Repetiu e repetiu... – É ela... – Arregalei os olhos – É ela..! – Já tinha sido descoberta?! – É ela, porra! Os Genjutsus são dela! – Já estava de mente restaurada e demasiado limpa para meu agrado. Percebera muito rapidamente, daí a minha inexperiência, a origem das ilusões e vi, pelo olhar agressivo do segundo homem, que estava na hora de usar a marioneta.
Tacteei as minhas costas, à procura da minha companheira de luta, e mordi o lábio inferior ao perceber que não a trouxe comigo. Repreendi-me pela falta de preparação e de já conhecido cuidado e pensei logo em ir buscá-la.
- Por que fizeste isto, menina? – Perguntou o primeiro homem, levantando-se e não prestando atenção aos clones negros que os rodeavam – Fomos simpáticos para ti... São só ilusões homem! – Gritou para o segundo, que ainda não percebera o óbvio!
Era minha deixa. Focalizei de imediato chakra aos meus pés e saltei para cima da parede, visando correr por ela acima. Todavia, vi-me interrompida por um fluxo de vento que me desequilibrou e fez-me abraçar de novo, e da forma mais violenta, o chão em outra queda. As correntes tilintavam a cada gesto brusco e o meu cabelo agia de forma rebelde, não se contentando com nenhum dos lados da minha face. Ergui o tronco e vi-os a aproximarem-se cautelosamente, ignorando, lamentavelmente, as minhas cópias.
Ergui-me na maneira mais rápida possível (acabou por ser lenta devido às duplicadas dores no rabo) e fingi ir com a mão ao bolso, focalizando nela algum chakra. Posteriormente levei à frente, fingindo o arremesso de algo enquanto soltava o Sushii no Genjutsu e deixava-os a pensarem que eram estrelas-ninja reais. Apesar de já estarem conscientes que eram só ilusões, os seus reflexos ainda eram enganados e as suas esquivas deram-me o tempo suficiente para refocalizar o chakra nas solas da meias e correr pelo telhado acima.
- Fuuton..! – À pouco estava demasiado distraída, mas desta vez distingui o início do nome da técnica que me apanhara desprevenida. Num último esforço, atirei-me para cima e senti uma rajada de vento a fazer-me cócegas nos pés. Contive a risada e agarrei-me à berma do meu telhado a grande custo. Começava a suar e os meus braços já ameaçavam largar-me – Vai lá apanhá-la! – Gemi e abusei da minha pouca força para conseguir erguer o resto do meu corpo, estatelando-me de barriga para cima sobre a superfície para ver o céu limpo e uma única lua a iluminar a diversão.
Teria ficado mais tempo a apreciar este momento, e a descansar, se segundo homem não tivesse feito tanto barulho a subir a parede na sua perseguição. Levantei-me, desesperada, e corri para a porta que ligava os corredores do meu prédio ao telhado onde, com enorme satisfação, vi a minha marioneta inanimada a fitar o vácuo. Olhei para trás de soslaio e vi o segundo a surgir, de espada na mão novamente, a dar o braço para puxar o corpo do primeiro. Agarrei no meu boneco e liguei-o aos meus dedos com uma concentração de chakra precisa, já estava preparada para lutar contra os dois.
- Pequena, pode ser que, se nos contares o porquê de teres feito aquilo, que não te denunciemos ao Kazekage-sama – O primeiro homem ainda tentava futilmente falar comigo. Ainda bem que o segundo não era tão falador, igual a mim. Dedilhei de leve, para que a marioneta mostrasse as suas duas lâminas escondidas nos braços, demonstrando a minha agressividade ante eles – Não queremos magoar-te, princesa.
Eles podiam parar de tratar-me carinhosamente, só ajudá-los-ia a não magoarem-se tanto... Fiz selos, propositadamente, à frente deles e deixei mais chakra fluir pelo meu corpo. Senti a minha reserva a chegar aos seus limites, mas nesta situação também deveria ser, provavelmente, a última ilusão a ser criada. Mais uma vez, com o Sushii no Genjutsu, criei a ilusão deles estarem rodeados por cinco marionetas, todas elas ligadas por fios de chakra às minhas mãos.
- Mas que..! – Grunhiu o segundo homem de espanto, afastando-se quando viu uma das marionetas a surgir de rompante na sua frente, ameaçando-a com a ponta da espada – Como é que ela fez isso?
- Idiota! São as ilusões, as ilusões! – Genjutsus ou não, a constante idiotice do segundo homem começava a irritar o primeiro e isso já era divertido o suficiente. Iria dormir bem esta noite...
Com um gesto brusco de pulsos, a verdadeira marioneta percorreu o intervalo em segundos, desarmando o segundo homem com uma dupla horizontal das suas armas. Este assustou-se, sustos a mais numa só noite, e tentou ripostar com punhos, sendo facilmente dominado pelos cortes precisos do boneco, instruídos por mim, nas pernas que o fizeram ajoelhar-se. O primeiro gritou o nome do seu companheiro em socorro, disparando outro fluxo de vento ante ao meu boneco, só para ver o seu Ninjutsu a ser facilmente bloqueado por um escudo, outra ação comandada por mim. Em mais um dedilhar, num Kenjutsu e Kugutsu ainda sobre treino, as duas espadas fizeram cortes superficiais nas suas pernas, obrigando o homem a ajoelhar-se.
Recolhi a marioneta para perto de mim, altamente satisfeita com os resultados, e aproximei-me descontraidamente dos homens derrotados.Provavelmente ainda poderiam lutar, mas com a mente tão desgastada de ilusões e as pernas fracas, pouco ou nada poderiam fazer. Decidi terminar com as suas impotências em mais uma descarga de chakra: “Magen: Narakumi no Jutsu”... Seguiram-se gritos insanos até o silêncio total apoderar-se novamente.
E mais uma noite de diversão passou...