A fila era extensa, tal como todos os dias, e nela podiam ver-se homens de diversos géneros. Altos, baixos, gordos, magros, felizes e carrancudos; todos ocupavam o seu lugar como semelhantes naquela retilínea, longa e ordeira fila. Todos aguardavam, alguns ansiosamente, outros angustiadamente, pela sua vez de registarem entrada e poderem começar um dia de trabalho.
Era uma manhã normal, como qualquer outra desde há muitos anos atrás. O Sol erguia-se aos poucos com o seu abraço de luminosidade e calor com algumas nuvens brancas que o acompanhavam. Os pássaros também despertavam, ou acordavam outros seres vivos, cantando pequenas melodias agradáveis para uma manhã tão natural como era costume naquele sítio.
- Nome? – Perguntou o guarda que se escondia atrás da sua lista, uma pequena folha que continha o nome de todos os homens que desejavam trabalhar na mina, tendo sempre um espaço ou outro vazio para novos pares de braços. Era aquela lista que permitia um bom controlo do lucro que o dono daquela mina obtinha da exploração dos mineradores.
- Vlad... – Respondeu o homem alto, musculado e de cabelos grisalhos à frente do guarda numa voz indiferente.
O homem registou na lista a entrada do minerador e deixou de dar-lhe atenção com um sonoro “Próximo!”. Vlad olhou para o resto da fila, todas as manhãs eram assim: sempre a mesma pergunta feita, sempre a mesma resposta respondida, sempre os mesmos nomes registados, sempre as mesmas pessoas à espera de entrarem na mesma mina de sempre. Por momentos, lembrou-se das montanhas de neve, de como adorava toda aquela neve e de como os dias não eram uma monótona rotina...
- Sai da frente! – Uma voz e um empurrão grossos interromperam as suas memórias quando um minerador abriu caminho para a mina à força, levando Vlad à frente pelo processo. A sua sorte era que Vlad não dava importância a este tipo de futilidades; fora criado fora dos padrões normais de sociedade, pelo que o relacionamento com os outros, quer positivo, quer negativo, era-lhe totalmente indiferente. A sua vida sempre fora ocupada com o trabalho e assim sempre foi e será planeada.
Entrou na mina e depressa sentiu a diferença dela com o ambiente exterior. Era totalmente artificial, planeada e concebida de forma tosca, porém suficientemente consistente para trazer considerável lucro para os seus donos. Fazia frio naquelas horas da manhã, mas tal temperatura era menosprezada visto que uns minutos a extrair minerais aquecia qualquer um. Toda ela era essencialmente constituída por rocha: o teto era totalmente desprovido de ornamentos, as paredes limitavam-se a uma aleatória distribuição de tochas e o chão apenas apresentava algumas rochas e os trilhos dos carris, estes cuidadosamente organizados!
Vlad seguiu pelo corredor mais à direita, como sempre seguia. À quinta tocha, virou outra vez à direita, como sempre fazia, e seguiu pelo corredor parcialmente escuro. À medida que caminhava, passava ocasionalmente por outros mineradores ou carris que viajavam rigidamente sobre os carris, não olhando para nenhuns destes. Por fim, à quarta tocha, chegou a outra bifurcação, na qual seguiu em frente. No novo corredor, caminhou até à segunda tocha e então parou, olhando à sua volta. Um local isolado, totalmente desprovido de vida, só seu... Agarrou na sua picareta e olhou as rochas na parede, trabalhadas apenas e só por ele... Sentia-se em casa ali, um local que lhe pertencia e que lhe era exclusivo...
Bateu com a picareta nas rochas e o tempo perdeu-se. Minutos contavam-se e a picareta batia com mais intensidade a cada pancada, minerais caiam sobre o solo que eram pegos e colocados dentro de um balde. Horas se passaram e gargalhadas ou conversas alheias ouviam-se ao longe, mas Vlad era imune a tudo aquilo enquanto trabalhavam. Mais cobre caiu, rapidamente apanhado e enfiado no balde. O suor escorreu pela face do trabalhador que nunca, em longas quatro horas, parou de trabalhar e extrair o máximo de cobre que conseguia. O trabalho era intenso e tão apaixonante; tão apaixonante que Vlad imergia tanto nele que se afogava por prazer nele, afastando-se gradualmente da superfície da consciência.
"O QUE É ISTO?"
"ÁGUA SUJA? ÁGUA CASTANHA?"
"SERÁ... MERDA? VOCÊS ANDAM À PROCURA DE COBRE E ENCONTRAM MERDA?"
O trabalho era o que lhe dava prazer nestes pequenos momentos. Apesar de rotineiro e monótono, trabalho era trabalho! Mantinha o seu corpo ocupado, lembrava-lhe dos bons momentos que passara naquelas montanhas com neve, fazia-o feliz, fazia-o sorrir!
"CHAMEM OS GUARDAS OU OS SUPERIORES! ALGO ESTRANHO SE PASSA!"
"EI! OUVIRAM ISTO?!"
"O-O QUE É ISTO? QUE SOM FOI ESTE?"
O seu corpo por fim chegara à exaustão e deu um pedido final para que Vlad parasse de minerar, ao qual este acabou por ceder, encostando a sua picareta contra a parede e sentando-se no solo para descansar. Após se sentar, sentiu algo molhado entrar-lhe pelas calças e escorrer pelas pernas. Ergueu-se de sobressalto e, pela primeira vez, sentiu os seus pés igualmente molhados. Olhou à volta e reparou que toda a mina estava com uma quantidade de água inacreditável, a água chegava-lhe até aos tornozelos.
- Mas o que raios se passou aqui? – Perguntou, percebendo nesse momento que mais ninguém estava naquele local a não ser ele. Sabia que trabalhar intensamente o fazia ficar tão focado no que fazia que acabava por esquecer-se do que o rodeava, mas nunca lhe acontecera algo do género... – Ei! Quem é que foi à casa-de-banho e fodeu a sanita?!
O minerador olhou para a água e levantou cada um dos seus pés, enojado por ver que a água em torno deles saía estranhamente castanha. Para seu alívio, não eram excrementos, pois toda aquela água era apenas líquida e o seu cheiro era mais mineral que outra coisa.
- Porra, não está aqui ninguém?
Ninguém respondia, nenhum som se fazia ouvir. Como não era homem de ficar parado, Vlad esqueceu-se momentaneamente do seu trabalho e começou a procurar as outras pessoas.
Caminhou, perdido, pelos corredores e reparou que muitas das tochas haviam sido apagadas, restando apenas pequenas áreas iluminadas e muitas outras totalmente escuras; as quais Vlad não se atrevia a ir. Ao virar uma esquina, o cenário mudou radicalmente para algo que o minerador não estava nada à espera. A água acastanhada aos seus pés depressa mudou para um vermelho intenso e o cheiro a mineral para algo mais grotesco, porém familiar para o nariz de Vlad.
- Morte... – Concluiu, perscrutando o corredor à sua frente até encontrar um corpo mesmo debaixo do manto de fogo criado pela tocha – O que caralho aconteceu aqui...
Aproximou-se a passo apressado do corpo encontrado, abaixando, algo relutante devido ao cheiro que pairava à sua volta, para analisar melhor. Era impossível reconhecer aquilo: a cara estava totalmente estragada e faltavam-lhe bons pedaços enquanto que corpo resumia-se apenas ao tronco. Pelo cheiro enjoativo em torno do cadáver, a sua morte ocorrera há umas longas horas.
Aquilo não era bom sinal! Vlad não tinha a mínima ideia de que horas eram, há quanto tempo está a trabalhar, nem o que aconteceu ali. A mina estava inundada e agora encontrara um cadáver totalmente desfeito, pelo que o minerador se pôs a imaginar se este seria o único... Porém, em meio de pensamentos, ouviu algo estranho; não muito longe, Vlad distinguia o som de água a escorrer como se fosse uma cascata. Na sua mente passavam inúmeras possibilidades do que aquilo podia ser, mas poucas ou nenhumas delas eram coerentes com o que se estava a passar.
Dobrou uma esquina e chegou até ao corredor com uma grande clareira, um dos poucos, fracamente iluminado por uma tocha distante. A parede mais extensa tinha um enorme buraco do qual saíam quantidades incontroláveis de água, um acidente na escavação com certeza. Assim, Vlad conseguiu associar de onde vinha toda a água que inundava o chão e, apesar de tal fenómeno ser incrível por si só, não explicava o cadáver que estava a umas tochas atrás totalmente desfigurado...
Finalmente, no meio de tanto silêncio, algo se fez ouvir...