:: Tempestuosa – F/I ::

Cada passo dado nas areias do deserto era entrecortado por uma palavra que ele pronunciara. Ouvia em sua mente como se o líder estivesse caminhando ao seu lado e essa perspectiva lhe afundava mais a alma em determinação e força para dar-lhe uma resposta a altura. Não era um desafio, havia sido lhe dada uma ordem ainda que sob olhares amistosos que ele raramente se mostravam na frente de outras pessoas. O fato é que a relação deles era única, pois a ninguém mais tinha prazer, obrigação ou necessidade de ouvir e se fazer ser compreendida.  

“Já faz muito tempo que você vive aqui e mesmo nos dias idos e mais obscuros eu mesmo tinha aqueles com quem podia contar. Não existem ilhas no deserto Yuki, um grão pode percorrer milhares de quilômetros, jamais encontrar outro e nem por isso deixarão de ser iguais...”

Ainda era cedo e o calor quase não se percebia, a hora mais fresca da manhã permitia que ela avançasse com rapidez rumo ao seu destino. Ávida por sua conquista decidira deixar Sunagakure antes do primeiro raio de sol e o trajeto havia sido feito e refeito, calculado e repensado a fim de cumprir seu intento. Dali até o destino haveria um bom passar de horas e de certo acabaria tendo problemas na volta visto o número de tempestades que corriam pela região naquela época do ano. Passar a noite fora seria provável e neste ponto havia um excesso de tranquilidade que assustaria os mais desavisados.

Tudo por que ela sabia suportar o mais avassalador e fulgente calor como um réptil sobre as areias incandescentes e a noite, quando os blocos de quartzo parecem refletidos no céu, se movia confortavelmente pelas temperaturas abaixo de zero graças a aquilo que ela chamava de “gelo nas veias”.  Apesar de ter que lidar com incessantes piadas sobre sua origem ela aprendera a se aproveitar de uma constante: podia não pretender integralmente a Suna, mas a noite todas aquelas planícies eram suas e não precisava de qualquer abrigo ou vestes especiais para não perecer congelada.

“Não estou dizendo que você deve fazer dezenas de amigos e se tornar popular, afinal, ainda que pelos motivos errados isso você já é. Só digo que a sua jornada será mais branda se tiver com quem contar e partilhar sua história”

Naquele horário a temperatura não havia alcançado nem mesmo 10 Cº e o frescor da brisa fria lhe amainava o espírito, impulsionando-a facilmente para a frente ao parecia na realidade um passeio que a jovem gennin fazia pelo deserto, deixando a vila sumir atrás de si no horizonte.

“Considere uma missão: faça um bom amigo e me apresente em até trinta dias e eu lhe recompensarei. Do contrário pensarei em algo que certamente odiará fazer e será obrigada a cumprir”

Um estalido de língua mostrava o quão contrariada ela ficara ao se lembrar desse trecho da conversa. Dentro da Vila da Areia não havia ninguém a quem ela respeitasse além daquele que fora responsável por sua permissão ali. Era ele A Quinta Sombra do Vento - Kazekage Gaara - o homem que  não tinha  apenas seu apreço mas era também o mais próximo da figura de poder, paterna e de companhia lícita que ela tivera.

Contrariando a lógica e muitas opiniões, Gaara abrigara Yuki quando seus pais não podiam mais se responsabilizar por ela e mesmo sendo muitas vezes brando demais com ela, recentemente ele havia começado a tomar providências – ainda que não tão drásticas – com relação ao comportamento descrito como violento, rebelde, repulsivo e inadmissível da garota. Os conselheiros já haviam sugerido inúmeras vezes punições físicas, expulsão e até havia rumores de que seu assassinato fora sido cogitado pelos radicais que julgavam ser mais fácil resolver enquanto a “cobra não estava totalmente criada”.

Era exatamente por isso que com paciência quase religiosa Gaara buscava inseri-la na sociedade com alguns moldes mais eficazes para evitar verdadeiros desastres. Começara autorizando que ela finalmente vivesse sozinha e não nos limites de sua morada. Essa decisão fez com que a jovem garota fosse morar nos fundos de um bar onde poderia comer, beber e dormir em troca de serviços como atendente neste estabelecimento. As gorjetas, quase nunca dadas, também ficariam como pagamento.

Yuki estava longe de abandonar as confusões, mas vivendo distante dos olhares reprovadores do alto escalão seu temperamento arredio se tornou mais ameno e sem ataques gratuitos. De fato, poderia se considerar que a desordem apenas mudara de lugar, visto que ela ainda permanecia arredia e tempestuosa em diversos momentos com relação aos clientes e o próprio patrão.

Já em seu tempo livre costuma treinar por conta própria uma vez que não tinha qualquer mentor escalado para tal feito. Depois de muitas discussões, brigas e ameaças punitivas Gaara resolvera deixá-la por própria conta até que algum milagre acontecesse, como ele realmente sabia que haveria de ser.

O que pouco se sabe, afinal, é que apesar de parecer totalmente intragável Yukiko chega a ser carinhosa, dedicada e responsável quando se propõe e julga a outra parte digna, o que já ocorreu em algumas ocasiões. Ligeiros e vultuosos envolvimentos com o sexo oposto a afastaram da condição de “moça de respeito” e a mácula não é algo que ela carregue em segredo.

Ela normalmente tende a se envolver com pessoas tão emblemáticas quanto ela própria, ainda que seja algo passageiro, e apesar dos rompimentos muitas vezes desnecessários ou não anunciados carrega uma parcela de sentimento de culpa por seus fracassos. Nenhum deles, entretanto, maior do que a incapacidade de se adequar ao que julgam honroso e correto depois de tantos passos mau dados.

“Você verá Gaara, se eu sou ou não capaz de criar laços mesmo com a menos afetiva das criaturas”

Consciente de que a caminhada apenas começara e logo o sol haveria de castigá-la, Yukiko apertou o passo e se concentrou na rota rumo ao que seria sua mais nova história e quem sabe conquista: a busca por um amigo na Encosta Vermelha.