Riqueza
~ O deslocamento de um pobre ~
Ainda antes de descer da carruagem, Ayame distraiu-se a apreciar a beleza do local. Um jardim verdejante, repleto das mais belas flores, um sumptuoso lago com água cristalina e dois imponentes edifícios cor de marfim e telhados negros, que brilhavam subtilmente sob a luz do sol. O brilho intrigou-a acima de tudo, pois não acreditava que aquilo fosse tinta. Será que teriam sido utilizadas folhas de ouro na finalização? Seria o mais provável, pensou ela; tanta ostentação inútil.
Uma senhora, cujo rosto simples e dignificado mostrava confiança, aproximou-se dos dois irmãos, oferecendo os seus serviços para os acompanhar aos seus quartos. Um dos mordomos rapidamente pegou nas malas dos dois e manteve-se atrás deles como forma de educação.
Ayame olhou para Kazuma, visivelmente embaraçada. Não estava habituada a ter tanta atenção. Um pequeno gesto com a cabeça foi o suficiente para a acalmar. Se ele pudesse, tê-la-ia abraçado naquele mesmo instante.
- A menina deseja que leve a sua caixa? – perguntou a empregada, acordando a jovem distraída, que se tinha inclusive esquecido do obento que levava nas mãos.
- Não é preciso, obrigada. Eu levo – disse ela rapidamente, corando um pouco.
- Certamente – anuiu a empregada com uma vénia, recompondo-se em segundos. - Façam o favor de me seguir. Já foram preparados os quartos para vos receber.
As duas grandes portas de madeira talhada abriram-se quando se aproximaram e o interior da casa não poderia deslumbrar mais a jovem kunoichi. Um palácio em tons de branco e bege, em harmonia com a arquitetura Edo dos edifícios, com móveis de madeira escura, divinamente decorada como se tivessem esculpido cada uma daquelas peças decorativas unicamente para aquele local. Poderia perder horas a tentar ver todos os detalhes, pelo que simplesmente seguiu a empregada até ao segundo andar do edifício e entrou pela porta branca que lhe abriram.
A grande cama no centro do quarto roubava todas as atenções do resto do mobiliário. Uma secretária branca encontrava-se num dos cantos, com as respectivas prateleiras cheias de livros. Depois de absorver toda a informação, Ayame reparou na chaise-longue ao fundo da cama e duas grandes janelas, uma com acesso à varanda comum e outra com um sofá. Dois pequenos detalhes que ela apreciou para passar tempo no quarto.
Quando olhou para trás, os empregados já a tinham deixado sozinha e a mala estava pousada junto da porta. Aproximou-se da janela com sofá e sentou-se enquanto observava o exterior. O jardim era realmente magnífico. Mas, só de imaginar quanto dinheiro deveria ter sido gasto a fazer e a manter aquilo, o seu coração apertava. Tanto dinheiro ali concentrado e tantas pessoas a precisarem de algum para poderem sobreviver. Foi novamente interrompida por um bater na porta.
- Peço desculpa por a incomodar, menina, mas os senhores Sakuragi pediram para a chamar – disse a senhora, um pouco embaraçada por sentir que tinha interrompido algo.
- Hum… Certo. Obrigada. Pode-me guiar até lá, por favor? – pediu a kunoichi, levantando-se. Perante o olhar surpreendido da senhora, acrescentou com um tom divertido: - Não conheço nada da casa. É a minha primeira vez cá e tenho receio de me perder.
A empregada esboçou um sorriso de compreensão:
- Siga-me então, por favor.
Atravessaram todo o corredor e desceram a grande escadaria até ao rés-do-chão. Havia uma divisão directamente à esquerda da porta de entrada, semelhante a uma sala de espera, onde a empregada a deixou para anunciar a sua presença. Quando obteve autorização, afastou-se e fez um sinal educado à jovem Midori para que entrasse. Uma vez mais, a sumptuosidade do espaço deixou-a surpreendida. Embora parecesse uma decoração minimalista, tudo tinha sido pensado ao mínimo detalhe. Só depois de absorver aquela informação é que efectivamente reparou nas pessoas que a observavam.
Kazuma estava já sentado em frente de um casal e olhava para a irmã em expectativa, quase como que pedindo para que ela se sentasse ao seu lado. À frente dele estava um casal já idoso, apesar do seu aspecto conservado. A senhora, de cabelos castanhos-escuros num tom ligeiramente acerejado, apanhado num grande puxo, vestia um kimono diário vermelho-vinho com detalhes dourados, um contraste com a sua pele clara. O senhor vestia um roupão verde extremamente trabalhado em dourado (o que fez Ayame perguntar-se se não seria fio de ouro) por cima de um kimono masculino simples. O seu cabelo preto brilhava por entre os já muitos cabelos cinza, conferindo-lhe um aspecto autoritário. Imediatamente a kunoichi entendeu as histórias da sua mãe. Ela nunca vivera verdadeiramente. Teria vivido como os pais queriam e não de acordo com os seus próprios desejos. Cumprimentou-os e sentou-se.
Ainda antes de proferirem alguma palavra, Ayame sentiu o intenso olhar da senhora a analisá-la, o que fez o seu coração acelerar. Por fim, a senhora sorriu ligeiramente.
- Tens a beleza da tua mãe em cada um dos teus traços – disse ela num tom maternal. Não se referiu a Nadeshiko como sendo sua filha, um pormenor que os dois Midori não deixaram de reparar.
- Obrigada… - agradeceu a jovem, um pouco assoberbada com a postura e a linguagem que a situação exigia.
O homem continuou calado, pelo que a senhora continuou.
- O meu nome é Setsuna e este é o meu marido, Kazuhiro – fez uma pequena pausa e reiniciou, desta vez falando para os dois irmãos. – Espero que a viagem tenha sido tranquila e que vos tenham recebido bem. Sei que tu, Kazuma, já conheces os cantos à casa, mas a Ayame nunca cá esteve. Qualquer coisa que precises, fala com algum dos empregados.
Os dois irmãos acenaram educadamente com a cabeça.
- Obrigada. Já o fiz algumas vezes hoje para me orientarem pela casa – disse a kunoichi dos cabelos cor de mel, ainda sem saber o que mais dizer. Esperaria pela iniciativa do irmão ou que a abordassem para garantir que não fazia má figura. Havia algo na presença dos avós que a perturbava, mas não conseguia discernir o quê.
A senhora Setsuna anuiu:
- Fizeste bem – e voltou-se para o marido, que ainda não pronunciara uma palavra: - Podias dizer alguma coisa.
O homem suspirou.
- Estava a admirá-la. Só isso.
Setsuna conteve um pequeno riso a ver que o marido tinha estado a analisar os traços de Nadeshiko na neta.
Pouco depois, os irmãos retiraram-se para os quartos. Ainda era de manhã e aproveitaram para caminhar pela mansão para conhecerem todos os pormenores. Percorreram todo o interior, todos os corredores e as principais divisões, saindo depois para o exterior e para os belos jardins da mansão. Passavam perto da janela do escritório quando ouviram duas vozes exaltadas e esconderam-se de imediato.
- …aquilo não é maneira de uma Sakuragi se vestir. A culpa é daquele miserável e da sua influência. Ele nunca devia ter ido a Cha no Kuni. Assim eles não se teriam conhecido. Conspurcou sangue do nosso sangue!
- Hiro! Ela pode ter sangue misto, mas não deixa de ser nossa neta!
- Ela precisa é de ser educada. Aprender a vestir-se como uma nobre em vez de uma vadia. Talvez assim não nos envergonhe em frente das outras famílias.
- Não nego que ela pode ter mais sofisticação, mas deixa-a ser como ela é! Não podes impor o que tu queres!
- Não posso deixar que aconteça novamente o que aconteceu. Os Sakuragi casam com boas famílias, não com uns miseráveis quaisquer. O rapaz tem juízo e escolheu uma Nara. Podia ser melhor, mas não é mau. Ela não pode cometer o mesmo erro da mãe. Nós iremos escolher o parceiro dela antes que ela manche a nossa reputação.
- Hiro…
Ayame estava demasiado perturbada para continuar a ouvir. Afastou-se rapidamente, sendo seguida pelo irmão, que a abraçou com carinho e compreensão. Queria soltar-se dos braços dele e debateu-se, embora em vão. Acabou por desistir e deixar-se levar pelo momento.
- Aya, eu entendo o que estás a sentir. Eles fizeram uma cena semelhante à minha frente quando cá estive… - confessou ele, afagando-lhe o cabelo basto e sedoso. - Queriam impor-me uma rapariga de uma família com quem eles fazem negócios ou algo semelhante. Comecei a namorar com a Mirai um ou dois anos mais tarde, senão eles tinham ido avante com um casamento arranjado.
- Nii-chan… Eles não podem…
- Não, querida, eles não vão fazer-te nada – disse ele, beijando-lhe a cabeça como fez em todas as vezes que as suas irmãs precisaram de si. - Nós não deixamos. Prometo.
Ela agarrou-se mais a ele, aos braços que conhecera toda a sua vida. Se Kazuma o dizia, ela acreditava. Ele nunca quebrava uma promessa. E os avós estavam errados. Eles eram fruto do amor verdadeiro e nenhuma riqueza do mundo valia mais do que isso. Seishirou e Nadeshiko ainda se amavam como no primeiro dia em que se conheceram. Eles eram o exemplo que os três Midori mais novos seguiam e foram educados pelo amor para acreditar no amor. Nada mais importava.
Kazuma e Ayame voltaram para o quarto dela, onde fizeram companhia um ao outro e conversaram, enquanto esperavam pelo almoço e pela chegada de Hikaru, que prometera ir ter com eles assim que pudesse. Se era “guerra” que os Sakuragi queriam, tê-la-iam e mais valia terem mais um apoio.
Quando foi anunciado o almoço, os irmãos desceram e dirigiram-se à sala de jantar. Possivelmente por já estar à espera, Ayame não ficou surpreendida com a grande mesa em madeira escura, esculpida com detalhes antigos e rebordos em dourado, e com as cadeiras acolchoadas e debruadas com floreados. Não era o estilo Edo que caracterizava o exterior da casa, mas sim algo mais modernizado e que, apesar das suas diferenças, complementava o ambiente.
Sentaram-se um ao lado do outro, com Kazuhiro na cabeceira da mesa e Setsuna do outro lado, e pouco falaram enquanto o almoço foi servido. Durante a sobremesa, a senhora Sakuragi dirigiu-se a Kazuma.
- Como vai o teu relacionamento com a jovem Nara?
- Vai bem, obrigado. Não só é uma grande parceira para missões e treinos, como se tem dado muito bem com todos lá em casa. Todos gostam dela – respondeu ele.
- Hum-hum. É uma jovem bastante talentosa e de boas origens. Já tive a oportunidade de trabalhar com o pai e um dos tios dela inúmeras vezes. Então e tu, Ayame?
A rapariga ficou confusa e as suas faces coraram de embaraço por não ter entendido.
- Eu?
- Ela quer saber dos teus relacionamentos – murmurou Kazuma, sentado ao seu lado. Por o conhecer, notou um certo escárnio na sua voz, o que lhe deu vontade de sorrir. Teve que se controlar para não o denunciar.
- Ah… Não, não tenho. Tenho estado ocupada com os treinos e, para ser sincera, não é algo que me ocupe a mente. Não é uma preocupação.
- A sério? Uma rapariga tão bonita quanto tu? – espantou-se ela. Pousou a colher de sobremesa no prato e olhou para o marido, expectante. Era o que ele queria ouvir, apesar de ela não concordar.
Kazuhiro pigarreou para chamar a atenção para si.
- Acredito que possa ajudar nisso – disse ele, fitando Ayame. - O filho mais novo de um dos conselheiros de Konoha está ainda solteiro e podemos combinar um encontro cá. É um rapaz de boas famílias e assim podemos fortalecer a nossa posição no conselho…
A rapariga deixou de ouvir, apesar do avô continuar a falar. Fortalecer a posição no conselho? Conselheiros de Konoha? Os seus avós eram conselheiros na vila? De repente, tudo fez sentido. O porquê da sua mãe ter fugido, o quererem arranjar-lhe um noivado… Era tudo jogo político. E ela não estava disposta a ser um peão em jogadas políticas.
- Com licença – disse ela, pousando o guardanapo de tecido com alguma violência e saindo pela porta da sala de jantar.
- Spoiler:
Peço desculpa pelo tamanho D: Não era suposto ser tão grande pelos meus planos, mas...