A ultima paragem
“Algures nos arredores do país do ferro…”
A neve caía lenta e melancólica sobre o chão nevado e suave, ao som do silêncio uma vaga mecânica abria caminho sobre o solo profanando tal perfeição branca. Ao som do vapor e do aço um aglomerado de carruagens avançava a alta velocidade pela neve, ao longe avistava-se a montanha que dava o nome ao país do ferro, a cada chio o comboio afastava-se sobre o fumo negro do carvão que queimava.
Numa das carruagens estava sentada Tali, encostada sobre a janela tocada pela humidade da respiração das pessoas, sobre os seus olhos tinha os óculos escuros que escondiam o seu ar adormecido, sobre as suas pernas estava a sua katana guardada sobre um emaranhado de ligaduras, visto que armas tinham de ir na carruagem das cargas e nem por nada ela iria deixar a sua lâmina, forjada por ela mesma.
Num instante o comboio começou a chiar, as rodas de aço soltaram faíscas incandescentes sobre o ar gélido do exterior, para surpresa sua Tali acordou. Odiava ser acordada sobre qualquer circunstancia, tirou os oculos da sua cara e levantou-se do lugar para tentar perceber o que se estava a passar, mas quando olhou para o seu lado direito viu que era uma paragem. O seu corpo voltou a assentar no banco, cruzando as pernas e deixando cair os óculos sobre a sua cara.
-Uma pessoa não pode ter uma viagem descansada…Putz…
O comboio voltou a avançar nos carris, no inicio muito vagarosamente mas depois atingindo a velocidade cruzeiro anterior. O silencio voltou a cair sobre a carruagem, até uns passos se aproximarem da lugar onde Tali estava e uma mão assentar sobre o seu ombro.
-Mas que merda! Uma pessoa já não pode dormir em paz!
Acabou por gritar furiosa, olhando para o homem que estava parado na sua frente com uma cara de medo.
-Só queria, picar o seu bilhete menina.
Nesse momento Masamune sentiu-se uma idiota pedindo desculpa ao revisor, uma data de desculpas que o revisor acabou por aceitar também ele embaraçado.
“Tenho de começar a controlar o meu temperamento, enfim…”
-Desculpa, posso-me sentar aqui?
Soou uma voz ao lado de Tali. Esta virou-se para contemplar um rapaz não muito mais velho do que ela, usava uns óculos redondos e cabelo negro liso, e as suas roupas também não eram nada do outro mundo, simples e confortáveis. Com um gesto Tali retirou a sua katana do banco do lado, dando avalo a pergunta do rapaz. Este era simpático e estava sempre com um ligeiro sorriso nos lábios, tentou por diversas vezes por conversa com Tali, perguntando o que estava nas ligaduras, de onde ela era, para onde ia, o que fazia, mas todas as respostas foram ignoradas, porque naquele momento o sono dominava o seu corpo e sinceramente não tinha vontade nenhuma de conversar.
O tempo passou, assim como o caminho, mas o mais irritante e que o rapaz não se calava, até que a jovem levou a sua mão a cabeça tentando ignorar o chato do rapaz, que de todas as maneiras continuava a falar de coisas que não interessavam a ninguém, ou pelo menos a ela. E no fim com a maior das seriedades dirigiu a palavra ao rapaz.
-Queres calar a porcaria da tua boca, já estou farta de te ouvir.
Aquilo chocou o rapaz, mas teve efeito visto que este se calou, pelo menos até falar novamente depois de verificar o seu relógio.
-Esta na hora, desejo-lhe as melhores felicidades.
Disse levantando-se e dirigindo um ultimo sorriso a Tali quando se dirigia para a parte de trás do comboio.
“Finalmente sossego”
Os olhos da samurai voltaram a fechar-se sobre o peso do sono que era grande e quando finalmente adormeceu uma enorme explosão ocorreu na parte anterior do comboio enviando uma enorme onda de choque as restantes carruagens e atirando Tali ao chão fazendo os seus óculos saltar.
O pânico instalou-se no comboio, pessoas feridas corriam de um lado para o outro, sangue escorria de cabeças partidas, farpas de madeira enterradas na pele, membros pulverizados e Tali a gatinhar por toda aquela confusão em busca dos seus óculos escuros, que no fim tinham perdido uma lente, aquilo inflamou a ira dela. Esta pós a katana sobre o ombro e dirigiu-se para o lado onde ocorrera a explosão, levando na frente qualquer pessoa que por ela passa-se, levava os óculos na outra mão apertando-os com toda a sua força, de dentes cerrados abriu a ultima porta, o ar frio fez a sua respiração condensar e o vento os seus cabelos dançar, mais de três carruagens tinham sido pulverizadas e todas elas eram de carga.
Na sua frente estavam três vultos cinza e do centro deles ecoava uma voz ao som do vento, algo não audível devido ao barulho do comboio. Mas Tali e fazer com que a sua voz fosse audivel.
-EI! TU AÍ? QUAL É A TUA CENA! UMA PESSOA A TENTAR DORMIR E TU A FAZER UMA CENA DESTAS! EI!!! É MÁ EDUCAÇÃO NÃO OLHARES QUANDO AS PESSOAS FALAM CONTIGO!!!
Os três vultos mexeram-se, nenhum deles tinha aspecto humano e todos exalaram uma vaga de vapor quando se viraram para ela. Eram feitos completamente de metal e na sua barriga quatro ranhuras exibiam uma cor alaranjada.
-Tu deves ter muita moral para falar de educação.
A voz soou familiar, era irritante e simpática, mas só depois de o capuz que lhe escondia a cara cair é que se apercebeu de quem era, óculos redondos e cabelos negros.
-TU?!
-Sim sou eu, surpreendida, espera eu é que estou surpreendido, o que fazes aqui?
Tali mostrou os seus óculos escuros, levantando-os na frente da sua cara.
-Venho vingar os meus óculos…
Com um movimento rápido retirou as ligaduras da sua katana exibindo uma bainha negra e segundos depois a lamina bem afiada.
-Oh, uma samurai. Que belo teste para as minhas criações.
Apontando para a samurai os pedaços de metal começaram a correr atabalhoadamente para ela.
-Que venham!
O primeiro a aproximar-se foi impedido pela lâmina de Tali, mas ao que ela esperava fazer um corte acabou num impasse, aço contra aço. Um dos outros aproximou-se pelo lado esquerdo levantando as suas enormes mãos que embateram no chão de madeira fazendo um enorme buraco ao que Tali teve apenas tempo de saltar. O autómato que ela bloqueou sucumbiu sobre a proporia força exercida para defender o golpe da samurai e acabou por cair dentro do buraco.
-Nota para mim próprio, deixar os golems mais espertos.
Disse o rapaz ao longe enquanto avançava para onde os outros dois permaneciam.
O que caiu no buraco desfez o resto das carruagens, pois estas passaram sobre ele desfazendo madeira e parando metal.
-Estão á espera de que seus ignorantes, atrás dela.
Gritou o rapaz apontando para a rapariga que estava a subir para o telhado do comboio. Um deles avançou sobre a carruagem partindo tudo na sua frente o outro que mostrava alguma esperteza tentou subir para o sitio onde Tali estava, mas mostrava-se uma tarefa complicada visto que o seu peso não ajudava em nada.
-Que criações tão idiotas.
Disse Tali levando a mão contra a sua cara abanando-a em forma de reprovação. Depois avançou para onde o outro autómato idiota corria. Os seus passos ecoavam com força sobre o chão, mesmo estando num andar superior Tali sentia as ondas de choque sobre aqueles enormes pés de aço. O outro tinha ficado para trás por isso, não seria problemático.
Enquanto corria, ao longe avistou uma construção, devia ser a ultima paragem do comboio, Tali tinha de chegar ao sitio onde o golem estava e para-lo antes da travagem brusca do comboio.
Com toda a sua força e de espada ao ombro a samurai correu, correu sobre a neve, sobre o vento e sobre o frio até parar sobre a carruagem que dava para a locomotiva, onde se encontrava o maquinista que depositava mais carvão na fogueira na esperança de chegar mais depressa ao seu destino. Com um agil salto Tali aterrou nas costas dele assustando-o.
-Calma, estou aqui para ajudar.
O golem apareceu furioso partindo a porta de aço como se aquilo fosse papel e rugiu num som de vapor a sair pelas articulações. Tali olhou para o magnânimo pedaço de aço.
-Como é que eu vou parar esta coisa…
O seu olhar dirigiu-se ao maquinista que também tinha entrado em pânico.
O braço metálico voou na direcção de Tali mas esta usou um rápido sunshin aparecendo sobre o braço deste que exalou uma vaga de vapor. Retirando a sua espada deu um golpe perfurante no sítio das ranhuras, na esperança que ali fosse o seu ponto fraco, mas o golem não pareceu vacilar e apenas moveu a sua espécie de cara na direcção da cara da rapariga atirando o seu vapor.
-Agora isso foi rude…
Quando a espada saiu da barriga do golem esta estava laranja incandescente.
-Fogo?!
Aquilo deu uma ideia a Tali mas foi surpreendida pelo outro braço que a atirou contra a parede da locomotiva. O golem devia funcionar com uma espécie de fornalha, se ela conseguisse sobrecarregar aquilo o golem ia acabar por sucumbir.
O golem voltou a para para exalar vapor, o que deu tempo a rapariga para se por em pé e gritar ordens ao maquinista que estava apavorado.
-Prepara uma pazada de carvão, já!
O maquinista estremeceu, mas fez o que foi pedido carregando uma pá de carvão. Tali pós a sua katana e posição e correu sobre o oponente enterrando a lamina das ranhuras.
-Isto é pelos meus óculos! Ahhhhh!
Usando a lâmina como uma alavanca fez força para um dos lado arrancando a grelha de metal do corpo do golem, expondo a pequena fornalha no sua barriga.
-Atira o carvão agora e não pares!
O maquinista correu para o gigante pondo a pá dentro deste, o golem estremeceu e respirou, e o maquinista não parou enchendo a barriga deste, até ele não conseguir para de expelir vapor. Enquanto isso a estação aproximava-se a alta velocidade, Tali parou o maquinista e disse-lhe para parar o comboio.
Quando este se aproximava num enorme chio, Tali pegou no maquinista e saltou da locomotiva, o golem estava paralisado no meio de uma nuvem de fumo e vapor. Quando os pés da rapariga pousaram no chão, o gigante de metal explodiu levando consigo a locomotiva e depois daquilo ouviu-se uma voz metálica.
-Bem vindos á ultima paragem do país do ferro.