O Yukikaze singrava pelo mar do norte, cortando as águas em grande velocidade com ajuda de suas velas recém-reparadas. Sentindo o cheiro da maresia, Daisuke ainda se lembrava - e se preocupava - com as palavras ditas pela cigana há alguns dias. -
O que ela tentou me dizer? - Sussurrava, coçando a cabeça esforçando-se para enquadrar o que foi dito em sua rotina atual. Recostado na beirada da proa, ele aproveitava o breve intervalo de seus afazeres, enquanto enchia seus pulmões de ar para esperar o próximo balanço da embarcação cujo choque das ondas em seu casco criava uma fina cortina de água salgada que banhava seu rosto e cabelos. Ao longe ele já podia ver o próximo destino dos piratas. Segundo seus companheiros de viagem, era um pequeno arquipélago com um pingado de ilhas onde cada uma delas escondia um depósito de mercadorias roubadas. Seriam os novos "baús-do-tesouro". Ao invés de cavar e desenhar um mapa como seus companheiros do século passado, as embarcações bucaneiras pagavam a alguém para manter seus tesouros seguros dos olhos invejosos. Aquilo funcionava bem. Pelo menos quando se depositava a quantia do furto, mas hoje não seria depósito. Os reparos do Yukikase pareciam ter custado muito mais do que esperavam e por isso a visita à ilha fora adiantada em pelo menos dois meses. Não era necessário informar o estado de humor de seu comandante.
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Vamos acelerar as coisas, bando de imundos! - Açoitava Barba-de-Ferro.
A tripulação, temerosa com o humor do capitão, obedecia cegamente aos seus comandos enquanto torciam para chegarem logo ao cofre e terem um pouco de sossego de seu mal humor. Enquanto isso, Lian ainda dormia e se recuperava de sua noitada com as prostitutas de Horan que por causa de sua posição social, grudaram no rapaz como sanguessugas, exigindo uma despedida à altura do filho do dono dos mares do sul. Daisuke ficava surpreso com a energia que ele tinha que mesmo após um dia inteiro de treino ele ainda tinha energia para farrear. Ele sabia que se essa energia gasta fosse direcionada para o treino, logo, logo ele se tornaria tão apto quanto ele. -
Menos mal. Pelo menos já me livre desse pulha. - Falou sozinho ao receber mais uma lufada da brisa úmida do mar. Porém, não demorou muito sua tranquilidade, sendo chamado para ajudar no recolhimento das velas principais. Em pouco tempo a embarcação chegaria e graças a isso seus devaneios teriam que aguardar. Então, juntando as mãos no cordame, ele e mais outros dois piratas içaram a peça de lona, subindo com grande velocidade até chegar ao mastro e conseguir amarrar com firmeza o conjunto de arrasto. Um belo trabalho de equipe. Tirando a parte de massacrar inocentes, a vida pirata até tinha seus benefícios. Pelo menos era isso que acreditava. Então, após alguns minutos de espera, o loiro viu os primeiros barcos-guia que vinham ao encontro do Yukikaze. Juntando as amarras, logo a embarcação deslizava para seu lugar no porto.
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Saru e os outros. Abasteçam a água. O restante venha comigo. - Apontou o imediato.
Descendo os degraus na direção do porão, Hiroshi e os outros indicados agarraram os barris vazios e desceram da embarcação na direção do mais próximo ponto de água doce. Já os outros piratas desceram no lado oposto e se perderam na densa floresta tropical. O nukenin concluiu que em algum lugar existia o bunker, e por causa disso não foi escolhido para realizar o saque. "Ainda não confiam em mim." - Pensou a caminho da fonte que descia das montanhas do centro da ilha. Jogando os barris no lago, eles puxavam com força os recipientes até que em poucos minutos os três estavam completamente cheios. Fazendo fila indiana, ele e os outros caminhavam de volta pela mesma trilha quando começaram a ouvir um ruído de conflito. Estalos e gemidos os assustaram. Daisuke foi o primeiro a deixar o barril de lado e disparar pela trilha até o desembarque. Os ruídos aumentavam de volume à medida que se aproximava da praia quando finalmente o loiro percebeu algo grande vindo em sua direção. Saltando lateralmente, o loiro ainda pôde ver um corpo que fora arremessado mata à dentro, sendo amortecido por uma árvore trepadeira. -
! - Assustou-se ao ver que aquele corpo era de um dos membros da tripulação do Yukikaze. Foi então que ouviu gargalhadas de seu pupilo, forçando-o a sair do esconderijo natural para ficar pasmo com o que acontecia. Lian estava de pé, com dois piratas inconscientes aos pés, enquanto ele esmurrava o outro com ferocidade.
Rapidamente Daisuke se adiantou, agarrando seu braço para interromper o espancamento mortal. -
Pare o que você está fazendo! - Comandou, olhando nos olhos do pupilo que estavam cheios de alegria animalesca. E sem ouvi-lo, Lian largou o pirata e avançou na sua direção como uma besta descontrolada, chutando o vazio para inclinar-se numa grande velocidade e tentar atingir uma joelhada. Daisuke recuou com alguns pequenos saltos quando finalmente percebeu uma já conhecida aura azulada em volta do corpo de seu discípulo. Essa não. Hiroshi soube na mesma hora que de alguma forma Lian havia descoberto seu estoque de drogas, injetando-se sem acompanhamento. Aquele frenesi poderia matar qualquer um que se aproximasse. O jovem parecia não escutá-lo, correndo atrás dele ao desferir vários golpes que o loiro já conhecia, afinal, ele o ensinara. Então, saltando novamente, o mestre girou o corpo e agarrou o braço do outro mais uma vez, usando a força ganha por seu chakra, derrubou o rapaz na areia criando uma grande cratera no chão. Aquilo afastou todos os que assistiam a luta, chamando a atenção dos seguranças que já cercavam o local com suas lanças a postos. -
Desgraçado! Solte-me! Eu vou matar você! - Gritava como um demônio acuado, até que finalmente a droga começou a perder o efeito, deixando-o sonolento e por fim, inconsciente. Até que enfim. Mas, mesmo assim, os homens o olhavam com pavor e logo abriram caminho para a chegada de Barba-de-Ferro.
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Mas que inferno está a acontecer? - Esbravejou o pirata, furioso.
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O garoto enlouqueceu! Estava a nos bater! - Exclamou o imediato.
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Nada. Nada. Só um desentendimen... - Daisuke tentou apaziguar, momentos antes de ser interrompido pela dor excruciante que invadiu seu corpo. Olhando para a origem da enfermidade, ele ainda viu Lian abrir os olhos e sorrir. Sem entender o que acontecia, ele largou o garoto no chão e só então conseguiu ver um inseto parecido com uma vespa gigante presa pelo abdome à sua coxa esquerda. Sentiu o ferrão pulsando em suas veias e uma queimação nunca antes sentida invadia seus músculos inferiores se espalhando até seu tronco e por fim uma fisgada forte na coluna quase o colocou para dormir. O ninja gemia e rangia os dentes, tremendo em pura dor que de tão grande parecia destruir suas terminações nervosas, paralisando-o por inteiro antes mesmo que pudesse imaginar o porquê daquilo ter acontecido. Acidente? Destino? Ele não sabe. Apenas através de seu corpo imóvel pôde ver Lian se levantar e limpar a areia de seu uniforme. O imediato, que até então se assustara com a investida do discípulo, acabava de morrer na lâmina do Barba-de-Ferro que se aproveitou da distração para assassinar o último pirata que discordava com o plano vil. Agora parecia que Daisuke estava entre inimigos, que sorriam baixinho esperando o manipulador que arquitetou o plano começar a falar com grande alegria, apesar de ainda suar pelo esforço despendido ao usar a substância nociva. Realmente uma surpresa desagradável. Buscando no bolso do uniforme, Lian mostrou para seu mestre paralisado a pequena caixa que ele vira na noite anterior.
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Então... Hiroshi Daisuke! Filho de um grande empresário do setor alimentício! Um idiota que virou pirata porque tinha medo de se formar um ninja?! Coitadinho... - Gargalhou, passando a mão no rosto imóvel do loiro. E continuou. -
Sabe. Seus pais gastaram grande quantia para lhe ter de volta. E aproveitando que o meu navio precisou de dinheiro para seus reparos, não vi oportunidade melhor em usá-lo como pagamento da dívida. - Concluiu sob o sorriso desdentado de Barba-de-Ferro e seus asseclas. Agora tudo ficara cristalino como água. Aquela visita que teve em seu quarto. Ele o manipulou e agora não tinha como se defender. -
Muito bem. Estes homens te levarão para casa e receberão a recompensa. Eu espero não te ver nunca mais. Mandarei lembranças suas a meu pai, apesar de querer manter esse o nosso segredo. Afinal, acho que você só conseguirá falar em alguns meses. - Comentou ao se aproximar e retirar o inseto com sua adaga. -
Essa vespa tem o costume de paralisar seus inimigos com uma neurotoxina. Essa toxina age no sistema nervoso e paralisa a vítima tempo suficiente para que ela ponha seus ovos e que seus filhotes comam a carne para então deixarem apenas a carcaça. Acredito que a quantidade de veneno foi suficiente para mantê-lo parado até o término de sua jornada. Até logo meu amigo Daisuke. - Terminou, saindo da frente quando alguns homens estranhos buscaram o corpo do loiro, levando-o embora pela floresta. Daisuke não sentia seu corpo. Mas conseguia perceber tudo.
Nesse momento, seu coração foi invadido pela fúria da vingança...
CONTINUA...