Os braços da noite estavam horrorizados. Uma obscuridade de sons e canções clandestinas envolveram a sua mente. Ele foi levado para onde podia sentir todos os seus medos mantidos afeiçoados.
Noite, noite e nada mais. As trevas enormes fitavam-no. Por momentos ficou perdido, receando, hesitando e sonhando sonhos que ninguém mais havida sonhado. Mas a noite era infinita e a paz maldita e inexistente.
Os sons e as canções clandestinas nada mais eram do que sinais de combate.
A sua visão ficou normal novamente. A explosão não só o tinha lançado para longe, como também lhe tinha tirado este sentido por momentos. Os seus ouvidos ainda lhe doíam, mas conseguia ouvir tudo o que o rodeava. O que tinha sido? Arrepiou-se ao pensar.
Um ataque.Rapidamente levantou-se. Deixou para trás a mala de livros que levava todos os dias para a academia. Pegou nos shurikens que transportava sempre consigo, caso fosse necessário proteger-se. Um pouco mais à sua frente estava a cratera que a explosão tinha criado. Conseguia ouvir o bater de metais vindo do seu lado esquerdo, mesmo por detrás do muro que lá se encontrava. Como não era muito alto, bastou impulsionar-se um pouco para o subir. Aí pode ver o que realmente estava a acontecer.
O seu irmão mais velho estava a amarrar os braços do seu adversário para que este não o atingisse com as suas armas. Enquanto isso, havia outro ninja que estava agora em pleno salto para atacar o seu irmão. Sem saber como, e quase por instinto, Michael atirou um dos shurikens que tinha.
Não tinha acertado no homem que transportava uma hiatate cujo símbolo indicava que era do País da Neve, mas pelo menos este não pode concluir o ataque.
Apavorado, Kaji gritou:
– Foge, Mike!
Ouvindo isto, o adversário que tinha tentado atacar ao bocado virou-se para Michael. Dando um salto, desembainhou a sua espada, pronto para o atacar.
Kaji deu um pontapé forte no outro e saltou também na direcção do seu irmão. A tempo, conseguiu agarrar a perna do seu oponente.
Michael moveu-se para trás, de modo a desviar-se da espada que ainda ia na sua direcção. Tal movimento provocou a sua queda.
– Vai buscar o miúdo!
Michael levantou-se rapidamente. Tentou correr o mais que conseguia na direcção oposta. Não demorou para que fosse parado. Umas linhas prenderam as suas pernas, impedindo-o de continuar. Quando se virou para o seu atacante viu um sorriso que bailava nos lábios deste.
O pequeno jovem da academia viu um vulto aproximar-se. De súbito uma descarga eléctrica atirou o seu oponente para longe. O seu irmão encontrava-se agora à sua frente.
– Já disse para correres, pequeno.
Kaji estava com cortes profundos pelo corpo inteiro, e ainda assim conseguia sorrir para ele numa situação destas.
–
Suiton, Daibakure no Jutsu!Ambos os irmãos ouviram o adversário gritar. Kaji rapidamente virou-se na direcção dele. Executou uma sequência de selos. Uma barreira eléctrica ergueu-se e protegeu ambos da enorme força de água que os investiu.
Kaji voltou a realizar uns selos. Desta vez o seu irmão criou ondas de electricidade que dançavam à sua volta. A cada movimento que fazia, a energia impiedosa destruía o que tocava. O ataque não deve ter durado muito, mas para Michael pareceu uma eternidade. Nunca tinha estado em combate com alguém de uma força bastante superior à sua. Na verdade, o único combate que teve foi na academia, a mando do seu professor, que serviu de treino. A dimensão da diferença de poderes entre ele e o irmão era abismal.
Quando tudo acabou, Kaji deixou-se cair no chão, exausto. Michael levantou-se e juntou-se ao seu irmão. – K, estás bem?
Esboçou um sorriso fraco ao ver que tinha preocupado o seu irmão mais novo. – Eu estou sempre bem.
Infelizmente, Kaji não tinha feito a preocupação desaparecer da cara de Michael. Levantou-se. As dores eram sórdidas. Parecia que cada pedaço do seu corpo tinha recebido um jutsu. No entanto, pelo seu irmão, suportou tudo isso. – Vês, já estou de pé e tudo.
O pequeno não tinha ficado completamente convencido. – O que aconteceu? Porque é que eles nos atacaram?!
Kaji indicou ao seu irmão para começar a andar, desta vez esperando que chegasse mesmo a casa. – Não sei. – Mentiu com simplicidade.
O pequeno soltou um trejeito qualquer que fez Kaji sorrir.
Estavam agora a caminho de casa. Michael não conseguia deixar de pensar no sucedido. Envolto nos seus pensamentos, demorou a perceber o porquê de agora ter a cara e a roupa jorrada de sangue. Em pânico, Michael olhou para o seu irmão. Este estava de joelhos agora, com um objecto estranho espetado no seu peito. Sangue escorria da sua boca e de todas as suas feridas. Michael ficou paralisado com tal visão.
O tal objecto foi por fim retirado do seu corpo. Kaji deixou-se cair no chão com o peso que já não tinha forças para aguentar.
Com um ritmo acelerado, Michael teve a coragem de olhar para o seu lado esquerdo e observar o agressor. No lado direito da cara tinha uma cicatriz que parecia ter sido feita por garras. O sorriso que tinha nos lábios era maquiavélico. E a hiatate era do País da Neve, porém, continha um risco no símbolo, ao contrário dos outros dois shinobis. Michael soube que era agora que a sua vida estava a um passo da morte. O shinobi mais velho sorriu ao ver o pânico deste. – Quanto a ti… encontrar-nos-emos daqui a dez anos. – Virou as costas e antes de dar um salto para desaparecer, acrescentou: – Isto é se ainda tiveres vivo.
Michael olhou para o seu irmão. O sangue tomou-lhe a mente, uma e outra vez, até um corpo ser distinto por entre tanto vermelho. Também ele estava banhado de vermelho, mas aqueles olhos brancos não conseguiram esconder aquele sorriso nos lábios que ainda teimava em dançar para um público inexistente.
Amigos e sonhos, era tudo o que sobrava. Ambos mortais. O seu irmão já tinha ido para um lugar mais obscuro do que a realidade fatal. Mas o pressentimento e a lembrança do flagelo jamais poderiam ser apagados.
Abriu violentamente os olhos. Estava escuro no seu quarto. Novamente aquele sonho que o perseguia há vários anos. Novamente aquela realidade bruta que sentia por todos estes anos. Olhou para o relógio. Pouco passa das quatro da manhã. O vento sussurrou um nome, e o som ecoou pelas lembranças do sonho, pelas lembranças do real. Por vezes chorava de saudades de se lembrar tão bem o que era sentir, mesmo quando fazia doer. Mas desta vez era diferente.
Levantou-se e foi à janela. Estava a suar e precisava de ar fresco. Sabia que esta noite não iria dormir mais. Agora que já tinham passado sete anos, os pesadelos pareciam ser cada vez mais frequentes, ao mesmo tempo que a cara daquele homem se tornava mais nítida.
Só faltam mais três…Abriu a janela e deixou o vento curioso entrar no seu quarto. Por vezes ponderava como seria ser um animal. Ser livre.
Quando deu por si estava a perguntar ao vento o que era real naquele mundo? O porquê de toda a luz tinha de ter a sua sombra. O porquê de toda a felicidade tinha de ter a sua tristeza. O porquê de toda a vida tinha de conhecer a sua morte?
“Porque, infelizmente, nem todo pesadelo acaba quando os olhos se abrem”