Treino 4
Manhã
- Genins em dever de enfermagem, podem começar! – gritou a voz, ecoando pelo corredor fundo. E começara. Dia após dia, após dia. Todos os Genins tinham tarefas na médica, todos. A Hikaru calhara-lhe o dever de enfermagem, que era parcialmente desempenhado pelos Genins.
Correu pelo corredor como se não houvesse amanhã. A médica tinha sido desenhada para ninjas, sem dúvida. Os seus corredores eram altos como catedrais e toda a iluminação artificial era feita lateralmente. Isto permitia aos ninjas correr pelo tecto, sem chocar com visitantes ou trabalhadores. Hikaru lançou-se para o tecto e deixou-se aderir com o Kinobiri. Dobrou a esquina velozmente e com um shunshin desviou-se de um par de Genins que passavam em sentido contrário. Chegou à ala de urgência e voltou ao chão, onde um médico já o esperava, em frente a uma maca.
- Pensei que fosse preciso um requerimento – brincou ele – preciso que leves este paciente – apontou para um rapaz novo, alto de cabelos castanhos-escuros. Usa um elevador de serviço, já o esperam lá em cima. Primeiro andar, Cirurgia 4, cama 71.
Hikaru respondeu com um aceno. Os elevadores de serviço só eram usados, normalmente, por Genins experientes e ninjas médicos. Mas a qualquer pessoa que tivesse alguma percepção de chakra não escapava a quantidade grotesca de energia que o rapaz possuía e não demorou mais de uma semana para que lhe fosse permitido o seu uso. Colocou-se atrás da maca e levou-a pelo corredor. A primeira coisa que lhe ensinaram na Médica era que a vida dos seus pacientes era mais importante do que eles próprios. Mesmo que não partilhasse completamente esta ideologia, Hikaru viu-se forçado a admitir que um acidente no serviço hospitalar terminaria a sua carreira como ninja. Assim, fez correr o seu chakra pelo metal transmissor, espalhando-o até às rodas da maca. Usando uma espécie de Kinobiri na maca, descobriu desde cedo que aumentava a adesão ao chão, mesmo circulando mais rápido. Afinal, as macas não era transmissoras de chakra por mero acaso.
Levou o rapaz pelo corredor fora, esquerda, direita, esquerda e chegou ao elevador de serviço. Era um sistema inteligente. Mecanismos daquele tipo eram geralmente sustidos por electricidade ou outro tipo de energia. Aqueles eram elevadores para ninjas. Chamavam “Simpatia” (talvez por ironia) ao sistema. Era bastante simples, como ireis ver. A porta do elevador abriu-se e Hikaru entrou. Aproximou-se então duma parede e encostou as suas mãos a duas marcas. Fez correr o seu chakra pelas mãos, accionando o mecanismo. Contudo, o chakra não era suficiente, era apenas uma forma de diminuir o esforço. A “Simpatia” dizia que objectos similares se ligariam melhor, dois humanos são a ligação perfeita! As marcas onde Hikaru colocara as mãos eram placas de pressão. O chakra que estava constantemente a ser drenado pelo elevador servia apenas para subir a máquina. O ninja teria de fazer pressão suficiente sobre as placas para se suster a si e a quem transportasse. Digamos que é o equivalente a subir um elevador fazendo halterofilismo, com um único alter de 65kg, a julgar pelo aspecto do rapaz. A subida foi lenta e dolorosa e passados poucos segundos, os seus músculos começaram a queixar-se. Que nunca se diga que os médicos têm o trabalho fácil. O suor que escorria por Hikaru era disso a prova viva. Dez segundos e os seus braços estavam doridos como um saco de boxe. Após vinte segundos de viagem o elevador parou e as portas abriram. O Genin retirou as mãos das placas e suspirou. O rapaz fitou-o curioso, não entendendo ao certo o que se passara. Não houve necessidade de explicar. Limitou-se a carregar a maca os dois corredores que faltavam e deixou-o entregue ao ninja que o operaria, em seguida.
Mal entregou o rapaz, sabia que tinha de se dirigir de novo à recepção, no 2º piso subterrâneo, em busca de nova tarefa. Saltou para o tecto mais uma vez, onde se agarrou com o fluxo de chakra e correu até ao elevador. De novo repetiu o processo, libertando o seu chakra sobre as placas de pressão. Desta vez foi mais fácil, embora tivesse de fazer força sobre as placas, era apenas o suficiente para se suster a si mesmo, o equivalente a ficar em posição de prancha apoiado nos braços, digamos.
Chegado à ala de recepção, foi-lhe dado um carregamento de material para levar ao quarto andar. Nada mais nada menos que três caixas. Este tipo de serviço era habitual e não tencionava de todo levar aquilo sozinho. Cruzou os dedos num selo e distribuiu o seu chakra em porções, criando dois clones de corvos. Cada um deles agarrou uma caixa, deixando Hikaru com a fundeira. Quase arquejou de dor quando os seus braços já doridos agarraram a caixa. Parecia pesadíssima. Abanou-a de forma subtil enquanto andava e ouviu o metal tilintar. Material pesado, portanto. Olhou os clones, tristemente, as deles não seriam tão pesadas, lestos como estavam ao andar. Os seus músculos começaram a doer de novo.
“Excesso de ácido láctico” , relembrou na voz suave do professor, “Quando os músculos não têm oxigenação suficiente para o esforço que fazem, acumulam ácido láctico. Este não tarde a fazer-se sentir nos nervos sensitivos…” a palestra perdeu-se na sua cabeça, enquanto Hikaru pensava agora na sua respiração. É curioso como não usamos a totalidade dos pulmões para respirar. Acabamos por deixar o fôlego a meio. Idiotice, se pensarem bem, pois a parte inferior dos pulmões é a mais larga e consequentemente a mais eficiente. Hikaru sabia-o, embora nós não o saibamos por vezes. Respirou fundo, esforçando-se por encher os pulmões ao “respirar com a barriga” e expirar lentamente, começando pela parte superior dos pulmões. A dor nos seus braços diminuiu quase de imediato e pôde chegar ao elevador sem problemas.
Deixou um dos seus clones desaparecer e deixou o outro conduzir o elevador. A viagem foi calma e até rápida, até ao segundo andar, onde um Genin entrou apressado. Tinha um ar cansado e doentio, pálido até. O ar de alguém que não tomara as precauções ao tratar um doente, reconheceu Hikaru. Também ele colocou as placas de pressão sobre a parede oposta à do clone, enquanto o Genin loiro permanecia sentado no meio do compartimento. Não se passaram mais do que alguns segundos, até que o clone de Hikaru desapareceu em corvos e estes em fumo, por sua vez! O elevador cambaleou, por um momento, pois o Genin foi forçado a suportar o seu peso e o de Hikaru, bem como o das mercadorias.
- Estás parvo?! Pensei que fosse um Kage Bunshin! – bradou o rapaz, subitamente corado
Hikaru correu para a placa de pressão onde o seu clone tinha estado e encarregou-se de abastecer o elevador com chakra seu, obrigando-o a fluir pela placa.. Visto que cada Genin suportava o seu peso, dividir o peso da caixa por dois era mais fácil. O Genin parecia ter guardado os protestos para o fim da viagem, que parecia prestes a terminar, quando algo anormal aconteceu.
Embora sentisse o seu chakra a fluir para as paredes do elevador, Hikaru sentiu também que as suas próprias reservas de chakra se enchiam, pouco a pouco. Esta sensação foi acompanhada pela tosse rouca do Genin que o acompanhava e quando o olhou, viu como respirava sofregamente, tentando engolir a cada golfada a força que lhe faltava. Desmaiou e, por um segundo, o elevador caiu.
O rapaz loiro agarrou-se à parede como se a sua vida dependesse disso (e assim era!) e empurrou. Os seus músculos já doridos começaram a latejar e o sangue quente nas suas veias parecia borbulhar. Tentar subir seria mais difícil, mas se deixasse cair o elevador, nem que por um momento, não controlaria a sua descida e seria o fim. Empurrou com a força que lhe restava e a “Simpatia” respondeu. Tentou compensar em chakra a força que lhe faltava e o elevador subiu, em pequenos solavancos. Sentiu a sua cara inchar, até que várias coisas aconteceram. O elevador parou, chegado ao quarto andar e o som das portas a abrir foi acompanhado pelo crac de um osso saído do sítio. Hikaru arquejou e agarrou-se ao osso deslocado e apenas teve tempo de ver os médicos correr para dentro do elevador.
“Estou salvo.”