Ouviam-se pequenas vozes de dor ao longo da estreita ravina gélida onde nem o vento se atrevia a passar. Sora, lentamente, colocava-se de quatro, olhando ao seu redor enquanto massajava as zonas doridas do seu dorso, provenientes dos impactos contra as paredes do local e o amortecimento dado pela neve, que provou ser a salvação dela e de, provavelmente, o resto da equipa. Não conseguia pensar em nada, levantava-se a grande custo, e, com grande protesto pelas pernas magoadas, mancava até se encostar contra a parede de gelo.

A rapariga tomava um leve susto, arfando e olhando imediatamente para os seus flancos procurando a origem da voz. Não ouvia nada, mas sentia uma presença estranha e ao mesmo tempo… familiar. O vento suspirou pelo local e a Genin pôde ouvir uma pequena lasca de gelo atrás de si a quebrar-se. O seu coração gelou, mas ela manteve-se firme, olhando para trás de soslaio e observando o seu próprio reflexo no gelo a fita-la.

A Mitsuko aproximou-se lentamente do seu reflexo, vendo-o a “imitar” os seus movimentos como é natural. Encostou a palma da mão sobre a fria superfície e assim o reflexou imitou. Começava a pensar que estava a ficar maluca, mas jurara que a sua imagem lhe havia sorrido quando esta não sorrira. Sim, ela podia jura-lo, mas agora ele não fazia nada mais a não ser o que ela fazia. Voltou a convencer-se que estava maluca, ganhando coragem para voltar as costas ao seu reflexo e concentrando-se na procura da sua equipa. E então… a gargalhada.

A adolescente não perdeu tempo em virar-se para trás de novo e fitar o gelo com fúria, vendo a sua imagem a sorrir. Desta vez, a imagem não parou de sorrir, na verdade, até começava a mudar de posição por vontade própria. Inclinava as costas e pulsos, tomando uma posição que lhe dava uma certa forma idosa.
-SORA! – Gritou uma voz por detrás da pequena que a fez saltar mais uma vez de susto e virar-se, pronta para atacar, à retaguarda, vendo Nero de pé a sacudir a neve encrustada às suas roupas – Hmm… pareces-me bem, sim. Está tudo bem? – Perguntou o líder da equipa vendo a sua companheira a tremer ligeiramente, ligando, logicamente, ao frio que a ravina transmitia internamente.
Soratsuhi preferiu não responder, virando-se outra vez para trás e olhando uma última vez para o seu reflexo. Nada. O reflexo simplesmente desaparecera. Na verdade, tomando agora maior atenção, reparava que naquelas paredes nem existiam reflexos! A situação era estranha, mas não o suficiente para impedi-la de se lembrar de Shiori. A imagem da sua melhor amiga, que a tentara salvar, passava frequentemente na sua mente, obrigando às suas pernas de calarem-se com as dores e correrem, sem rumo, à procura da amada.
-Onde vais?! SORA! – Gritava o rapaz vendo a Mitsuko a correr para nenhures sem justa causa e, acima de tudo, sem lhe responder às perguntas – Oh bem, eu queria aquecer-me. Snow, atento, vamos atrás dela… - Pediu o adolescente para a neve abaixo dos seus pés, iniciando de imediato a perseguição à sua amiga.

A ravina estava recheada de bifurcações, tornando-se imediatamente num labirinto gigante e confuso. Sora tinha a certeza que já era a terceira, provavelmente quarta vez, que passara por aquele ramo quebrado e cravado no gelo. Reparava também que as pegadas que deixava na neve começavam a desaparecer, notando também que se sentia sempre vigiada e seguida, não pelo Nero, que optara por ignorar, mas… por algo familiar… O Chunnin atrás dela perseguia-a, soltando ocasionalmente um grito para atrair-lhe a atenção, mas desistira quando se apercebia que estava a ser ignorado…

Afinal a ravina podia não ser tão confusa assim quanto Sora pensava. Após caminhar por algum tempo, sempre convicta em salvar Shiori, parava, por fim, à frente de um clarão. Não parara por ser o único clarão em toda a ravina. Parara por este ser gigante e por conter, no seu interior, filas com inúmeras campas, cada uma destas campas com o respetivo nome do cadáver lá enterrado e as lamentações de famílias e amigos, com três grandes campas no final a centralizarem, transmitindo uma quase imagem de realeza sobre todos os outros mortos.

Sora sentia-se inexplicavelmente atraída pelas três campas finais na extremidade do “cemitério”. Avançava deliberadamente, concentrando-se prioritariamente em chegar perto da campa. Ouvias as gargalhadas, mas pensava ser algo da sua mente. Nero chegava, após alguns segundos, ao local, observando com algum nervosismo o ambiente tenso e sinistro criado pelo cemitério. Ao fundo, via a sua parceira a aproximar-se das três campas, ajoelhando-se à frente delas. Estranhava o comportamento, mas não podia evitar de correr para o seu lado, movido pela curiosidade e preocupação, não se apercebendo que deixara para trás Snow.
O cão desenterrava a cabeça de ligeiro, certificando-se que não havia mesmo um obstáculo à frente. Desenterrou todo o corpo e tentou avançar, mas colidia com algo invisível que impedia a sua passagem. Tentava outra vez, mas sempre recebia uma colisão na cabeça que lhe provocava dores, desatando imediatamente a ladrar. Nero e Sora não ouviam…

-O que estás a fazer? – Perguntou o dono de Snow para Sora que se encontrava ajoelhada em frente da campa do centro, murmurando para si o que lia nela – E o que está a fazer um cemitério aqui?
A Mitsuko demorou a responder, assustando o seu parceiro quando se atirava para trás e depressa mostrava um semblante terrificado a cruzar a campa que acabara de ler. Nero não entendia, nunca vira aquela cara dela, ajoelhando-se para ajuda-la, mas esta só tremia e apontava para o que acabara de ler. Nero permanecia curioso, desviando o olhar para onde ela olhava e lendo, lentamente e com cuidado, o que lá estava escrito.
-Soratsuhi Mitsuko. Que a sua alma descanse em paz, amigos e fa… - O adolescente simplesmente parara de ler, incapaz de acreditar no que acabara de dizer. Abria a boca de espanto e os seus olhos percorriam as mesmas palavras, uma e outra vez, repetindo-se até estar consciente de que aquilo estava ali mesmo escrito – S-sora… - Este olhava lentamente para trás, vendo a Yukinin atrás de si inconsciente, deitada desajeitadamente sobre a neve – S-SORA!

-Eu não queria obriga-la a passar por isto… - Suspirava uma voz feminina e adulta por cima da parede da ravina, olhando para baixo, conseguindo perfeitamente ver o cemitério com Nero a abanar o corpo de Sora – Não será demais para alguém tão novo?
-Ele tem o que é preciso, a avó não lhe fará nada! - Certificava Kaoru aparecendo, num pequeno relâmpago, ao lado da mulher com o corpo de Shiori aos ombros – Agora é só esperarmos, que nervos…