~ Saga Ninja de Mitsukubane Kou ~
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L i n c e
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Capítulo I - Biblioteca Vazia (Segunda Parte)
“Por razões inexplicáveis, Lince me atraia. Não sei dizer ao certo como, mas gostava de observá-la por vezes. Talvez fosse o doce aroma que propagava no ar quando seus cabelos eram atingidos pela brisa da tarde, ou sua forma suave de andar. Fiz várias tentativas de tentar conhecê-la melhor, mas todas em vão. Mantinha-se fechada, para mim e para o mundo. Percebi que já havia entrado em minha rotina as idas aos seus treinos pela manhã ou à biblioteca pela tarde. Lá já levava Tohru e Ayane, mas a segunda não gostava de lugares fechados e o primeiro me pareceu um pouco chateado quando percebeu o real motivo das idas ao lugar. Mesmo assim respeitava seu espaço. Quando a garota sumia, deixava por isso mesmo. Não ia atrás. Ajudei-a empilhando livros duas ou três vezes, não me lembro bem. Até o dia que ela, por conta própria, iniciou uma conversa comigo, três semanas após termos nos conhecido”
– A pequena leva muito jeito com armas, sabia? – comentou, colocando alguns livros e pergaminhos na mesa em que Kou estava sentado e, em seguida, sentando-se junto a ele.
– Ela tem me contado empolgada quantos alvos já tinha conseguido acertar. Yumi tem andado bastante feliz, então... Arigatou. – falou Kou, fechando o livro que estava a ler – Realmente não quer me dizer seu nome? Não gosto da ideia de chamá-la de nada.
– Gosto de Lince. Pode continuar me chamando assim. É voraz. – respondeu a kunoichi. Ela então pegou cuidadosamente um dos pergaminhos e o desenrolou sobre a mesa. Nele havia alguns palavras e ideogramas inscritos. A garota então fez uma rápida sequencia de selos e bateu forte a mão direita sobre o papel, liberando uma nuvenzinha de fumo.
– O que está fazer? – indagou o genin, curioso.
– Te mostrando um segredinho. – disse a garota, em resposta. Quando o fumo se assentou, Kou pode visualizar o que tinha sido invocado. Era a mesma caixa que Lince tinha escondido dele há um tempo. Lá de dentro ela tirou um tabuleiro quadriculado e algumas peças, semelhantes a bonequinhos. – É um jogo muito semelhante ao shogi, inventado por mim. Gosto de jogá-lo quando não tenho nada para fazer ou estou muito pensativa.
– Um jogo...? – o garoto deixou escapar, surpreso.
– É, idiota, um jogo. Sabe, depois de um tempo perde a graça jogar sozinha. – comenta a morena, olhando melancolicamente para o tabuleiro. Em seguida, continuou. – Mas não vai ficando todo animadinho não... Só acho mais prático agora te ter como oponente. Bem, vou montá-lo e você aprende a jogar na prática.
– Hai. Hm... Lince, antes eu já havia vindo inúmeras vezes aqui na biblioteca, mas nunca tinha te visto, o que me leva a crer que você não é daqui, de Kumo. És de onde, então?
– Sou dos seus sonhos, cabeção. – respondeu sorrindo, dando um golpe com o indicador na testa do rapaz. – Pode começar. Essas peças menores são os camponeses. Eles apenas se movimentam uma casa para frente. Não voltam atrás porque, apesar de fracos, são corajosos.
– Hai – afirmou Kou, balançando a cabeça, movimentando um de seus dez camponeses – Bom, se não quer dizer, tudo bem. Mas é que você é um mistério para mim. Sei que antes um senhor tomava conta daqui, mas parecia muito doente. Agora você...
– Concentre-se! – gritou Lince, pegando uma de suas peças e colocando-a no lugar do camponês de Kou – Capturei sua peça com minha cigana, fique atento.
– Mas eu nem sabia que era uma cigana! Muito menos o modo que se movimentava! – retrucou, indignado.
– Agora sabe – respondeu, séria. O primeiro jogo fora um fracasso para Kou, mas pelo menos já sabia como as peças funcionavam. Seguiram jogando e conversando por mais duas ou três horas, e de todas as partidas, nenhuma havia sido vencida pelo genin. Cansada, a morena levantou da mesa e ficou a observar, em pé, a rua pela grande janela que lá havia. Kou pode vê-la fechando os olhos e parecia se concentrar em algo. Viu também a garota fazer um único selo nas mãos e mantê-lo, por alguns minutos. Abriu bruscamente os olhos, assustada, e começou a organizar novamente suas coisas. – Me ajude a colocar esses livros no lugar. Vou fechar mais cedo hoje.
– Por que, o que houve? – indagou o menor, aflito.
– Só estou cansada. Ajude-me e vá para casa. É o melhor que você pode fazer.
– Não. Diga-me. O que houve? Por que...
– Me deixe em paz! – gritou a moça, interrompendo o genin – Será que não percebe o quão incomodo você é? Vai para casa, agora! – Aquilo atingiu Kou de maneira inesperada. O garoto então colocou as peças e o tabuleiro dentro da caixa e caminhou até a saída. Desceu as escadas da entrada sem olhar para trás. Pode ouvir o barulho da porta bater violentamente. Seu rosto estava um pouco vermelho, e ardia. Não havia percebido que já havia anoitecido, e um vento mais forte que o comum vagava pela vila. Não queria ir para casa agora, mas já estava tarde, e Yukiko deveria estar preocupada.
Ao chegar ao ambiente familiar, cumprimentou sua mãe e sua irmã e subiu as escadas, rumo ao quarto. Não conseguia pensar direito. Tomou um banho, mas isso de nada adiantara. Ficou sentado em sua cama, observando pela janela as nuvens começarem a cobrir todo o esplendor do luar ao poucos, deixando o céu assustador. Parecia que iria desabar. Ficou ali por horas. Sua mãe havia o chamado para jantar, mas este respondeu que estava sem fome alguma.
Atirou-se no confortável espaço e ficou a fitar o teto. Observou-o por um tempo. Observou-o até vê-lo se transformar um lindo céu azul. Lá voavam alguns tordos, a cantar e refletir suas asas toda a luz do sol, num pelo espetáculo de cores. Pousavam em um gramado ventoso, onde também estava um felino negro a descansar...
O animal dormia...
– “Toc” – ouviu-se. Não parecia ser barulho de armas...
O animal se levantou, assustado...
– “Toc” – pode-se escutar novamente.
O bicho começou a correr, fugindo do som...
– “Toc” – E Kou levantou, no susto. Estava em seu quarto. E pelo silêncio, Yukiko e Yumi já dormiam. Foi quando escutou o estampido de seus sonhos. Eles vinham da janela. Era algo a atingindo. Excluiu a hipótese de um galho, uma vez que não havia árvores tão perto de sua casa. Aproximou-se. Olhou pela vidraça. Com esforço pode distinguir uma silhueta pouco iluminada na rua. Era a própria Lince. Antes de chamá-lo com sua voz, a garota já o convidava pelo olhar. Kou então desceu as escadas, sem seus artefatos ninjas. Sem armas ou hitaiate. Ofegante, pôs os pés para fora de casa e caminhou até a morena. Antes que indagasse, ela começou.
– Estou de partida. – diz, séria. Quase sem emoção alguma. Ela carregava sobre os ombros uma bolsa, aparentemente pesada. Estava vestindo a jaqueta que costumava amarrar na cintura. – Só vim aqui te avisar para que não perca seu tempo indo à biblioteca ou ao campo de treino. Não irá me encontrar.
– Mas por que... – o genin interrompeu a si mesmo antes de terminar. Sabia que ela não responderia. Nunca respondia suas perguntas. Mantinha-se misteriosa, distante, mística. Mas também não queria não dizer nada. – Não vá. Fique.
– Não é prático para mim.
– Poderia ser. Eu posso treinar com você, e isso te deixaria mais forte. Eu...
– Esquece, garoto! – gritou. Se Kou fosse um bom observador, teria notado um tímido fio de insegurança surgindo na voz da kunoichi. – Por que está tentando tanto me fazer ficar?
– Por que não acredito na sua segurança lá fora.
– Eu estou decidida.
– Está sendo covarde. – falou o moreno, sério. Encarava a Lince a sua frente como nunca antes.
– Não me chame de covarde.
– Não está sendo? Achei que não fizesse seu estilo fugir assim. – comentou, sarcástico.
– Você não entende.
– Então me explique.
A garota parou. Encarou o chão por algum tempo e voltou-se feroz contra o rapaz. Agarrou a gola de sua camisa e as prendeu sob seus punhos cerrados. Encarou-o. Por um instante o garoto pensou que ela fosse esmurrá-lo mais uma vez. Mas ela o beijou.
O tempo pareceu parar.
Kou sentiu o calor invadir-lhe a face e deixa-la rubra. Lince permanecia séria, mas não havia conseguido esconder suas bochechas rosadas.
– Fica. – ditou Kou, com a voz fraca.
– Não me peça isso. – pediu a morena, com os olhos começando a lacrimejar. Não aguentaria ficar olhando para o garoto. Girou os calcanhares e começou a andar para longe dali. Kou a seguiu.
– Se você for, vou atrás de você.
– Não perca seu tempo.
– Estou falando sério! – gritou o garoto, alcançando-a Agarrou-lhe a mão com força.
A garota sorriu de leve.
– No fim, acho que você não e tão idiota quanto pensei. Adeus, Kou.
As mãos dela escorregaram por as dele. A kunoichi começava a correr. A cada passo, Lince deixava para trás algumas penas, que iam preenchendo o ar e bailando com a brisa pelos arredores de Kumo. Seus membros começavam a se desfazer e se perder no nada. A última coisa que Kou vira ela o cabelo da moça, amarrado num rapo de cavalo, serpenteando por suas costas enquanto corria. Depois disso, Lince havia sumido meio a uma nuvem daquelas penas.
Havia fugido.
Deixou para trás uma biblioteca vazia.
Assim deixou também o coração de Kou.