- E então? – Sora ergueu a cabeça para falar com o ninja médico. – Ela está bem?
- Sim, está perfeitamente saudável. Teve sorte. – O médico não desviou o olhar do formulário que estava a preencher. – Deram-lhe clorofórmio numa quantidade elevada, mas, como já disse, teve sorte. Um pouco mais e ela estaria numa situação grave. Vai acordar daqui a pouco.
A ruiva sentiu uma mão a apertar-lhe o ombro.
- Vês? Eu disse-te que a Naomi estava bem. – Disse Ina.
Sora olhou para ela e sorriu, agradecendo o apoio. Encontravam-se num quarto do hospital de Kumogakure, ao lado da cama onde Naomi permanecia deitada. Tinham vindo diretamente para ali assim que amarraram dois dos três rapazes. O que estava sempre calado desapareceu, uma vez mais.
- Daqui a pouco volto, para confirmar se está tudo bem. – Disse o iryo-nin, antes de fechar a porta.
- Jeitoso, hein? – Ina seguia o médico com o olhar através da pequena janela na porta.
- Quem? – Perguntou a ruiva, sem tirar os olhos da irmã.
- O médico. Quem haveria de ser? O outro jeitoso que esteve aqui connosco? – A kiri-nin franziu as sobrancelhas, pasmada.
- Esteve aqui mais alguém? – Sora virou-se para ela, confusa.
- Não. – A expressão de Ina traduzia-se no típico “
duh”.
- Ah, pois, o médico! – A ruiva riu-se, tentando desculpar-se pela distração. – Sim, é verdade.
- Ela está bem, podes relaxar agora. Confia no jeitoso. – Ina voltou-se a virar, mas o médico desaparecera do alcance da sua visão. Suspirou. – Em Kirigakure não havia nada assim.
- E confrontos sem aparente razão, havia? – Sora revirou os olhos, a pensar nos três rapazes.
- Hein? – Desta vez a confusão invadira o rosto de Ina.
- Sabes… dois confrontos, uma semana, a começar em ti e a acabar na Naomi. – Franziu o sobrolho.
- Ah! Esse tipo de confrontos… Bem, mais ou menos. – O olhar da morena ficou distante, por breves momentos.
- Mais ou menos? O que estavas ali a fazer na primeira vez, afinal?
- Ahm… Bem… - Ina começou a mexer no longo cabelo, enquanto se sentava devagar no fundo da cama e inspirava profundamente. – Nada de especial. Eu…
- So…ra?
A ruiva virou-se de repente, ignorando Ina por completo. A irmã estava acordada e sentada na cama, a esfregar os olhos ensonados.
- Dormi durante quanto tempo? – Naomi bocejou e espreguiçou-se, rindo-se logo de seguida. – Ainda tenho sono.
Depois sentiu um forte abraço. Sora tinha-se levantado tão depressa que até Ina ficara surpreendida.
- Oh, Naomi! Ainda bem que não te magoaste! – Sora tinha os braços a envolver o pequeno corpo da irmã, com a cabeça dela contra o seu peito e ombro e os volumosos cabelos ruivos de Naomi a fazerem-lhe cócegas na cara. – Desculpa, foi tudo culpa minha. Prometo que não deixo que te aconteça mais nada.
- O que aconteceu, Sora? – Naomi esforçava-se por afastar a irmã, empurrando-a com os braços até ela se sentar na cadeira ao lado.
- Nada com que tenhas que te preocupar agora. – A ruiva sorriu ternamente. – Queres ir para casa?
- Claro! Aqui cheira a hospital… Eu não gosto deste cheiro.
- Acho que precisam de uma autorização minha, então. – O médico voltou a entrar, falando com uma voz alegre.
Enquanto ele examinava uma última vez Naomi e dava algumas indicações a Sora, Ina tirava-lhe as medidas, encostada à parede. Depois de tudo pronto a morena acompanhou as duas irmãs até casa e dirigiu-se para a sua.
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Sora caminhava pelas ruas terrosas de Kumo, em direção ao edifício do Kage. O sol começava a subir no céu e a iluminar os largos vidros do piso onde estava o Raikage. Por debaixo da túnica azul e do colete, tinha ligaduras que lhe envolviam quase completamente as costas. Já estava quase recuperada do treino, mas se fizesse certos movimentos ainda sentia dores.
Chegou ao edifício e subiu todos os andares de forma algo rápida e nervosa. Já há muito tempo que não ia ao escritório de Darui. Praticamente desde lhe que lhe dissera que precisava de cuidar da irmã, após o desaparecimento do irmão, e que, por isso, lhe pedira que não a integrasse em nenhuma equipa, embora prometesse que iria em missões sempre que ele lhe ordenasse. A partir daí fez apenas algumas missões para arranjar dinheiro e outras em que não havia mais shinobis à disposição.
Bateu com os nós dos dedos na porta e, do lado de dentro, ouviu a resposta que lhe pedia para entrar. Ficou surpreendida por ver Ina, mas depois pensou que devia ser uma questão relacionada com os rapazes que sequestraram Naomi.
- Bom dia. – Disse Sora.
- Bom dia. – Responderam em uníssono o Raikage, a sua assistente e Ina.
Chegou-se à frente e parou ao lado da morena, trocando olhares um pouco confusos com ela. O Raikage encontrava-se sentado no lado de lá da larga secretária, de costas para as largas janelas de vidro e com a assistente ao lado, de pé. Depois começou a falar:
- Gomenasai, se calhar chamei-vos demasiado de repente. – Ele sorriu, a desculpar-se. – Parecem-me um pouco nervosas.
- Ahmm… Não, nem por isso. – A morena lembrou-se que devia ser o mais formal possível. – … Senhor Raikage.
- Queria agradecer-vos por terem apanhado aqueles dois rapazes. Eles andavam a causar alguns distúrbios pela vila. Sei que também fizeram o mesmo convosco. – Disse, ficando mais sério.
- Eles estão a pagar o preço por isso. – Subitamente, Ina também ficou séria.
- É verdade. A Naomi também está bem, correu tudo bem. – Sora juntou-se à conversa.
- A Naomi… Está crescida, Sora. Acho que já não precisa de alguém sempre a olhar por ela. – Notava-se uma segunda intenção nos olhos de Darui enquanto sorria para Sora e, de seguida, virou-se para a kiri-nin. – Ina, a tua tia deve chegar dentro de uns dias. Pelo que já vi, estou ciente que podes tomar a decisão de continuares, ou não, a viver sozinha. Não me irei intrometer.
- Hai. – A morena continuava séria, com o corpo hirto e o olhar um pouco distante, como se estivesse a relembrar algo do passado.
Nesse momento, Sora virou ligeiramente a cabeça e franziu as sobrancelhas a olhar para ela. Havia algo que lhe estava a escapar.
- Vocês parecem dar-se bem, Ina e Sora, e já vi que fazem uma boa dupla. – Darui apoiou os cotovelos na mesa e entrelaçou os dedos das mãos, colocando-as à sua frente. – Resolvi, por isso, criar uma equipa para vocês as duas.
Sora engoliu em seco, há muito tempo que não se dava com os seus colegas e a maior parte deles, se não todos, já eram chuunins. Ia sentir-se mal consigo mesma se se juntasse a elas um jovem gennin.
- Gomenasai, neste momento a equipa está incompleta. Mas já tenho um gennin em vista para se juntar a vocês, dentro de pouco tempo vai estar tudo tratado. Também vos irei encontrar um sensei e já tenho um em vista.
- Hai. – Responderam as duas em uníssono.
Entretanto, alguém bateu à porta. Darui acenou com a cabeça e a assistente mandou-o entrar. Ina e Sora voltaram-se e viram o iryo-nin que tinha cuidado de Naomi, três dias atrás.
- Yurui, sempre antes do tempo. – O Raikage sorriu para o rapaz e voltou-se de novo para as duas raparigas. – Gomenasai, tenho outros assuntos a tratar. De qualquer forma era só isto que vos tinha a dizer. Podem ir.
As duas acenaram com a cabeça e encaminharam-se para a porta, onde a assistente estava a abri-la para passarem.
Já tinham percorrido mais de metade do caminho para a saída do edifício em silêncio. Finalmente, Sora quebrou-o:
- Vais contar-me a verdade a cerca do que fazias naquele local deserto e o porquê do Raikage dizer aquilo de viveres sozinha? – Ela mantinha o olhar no chão, mas reparou que Ina fizera um movimento brusco, virando-se para ela por instantes.
Abateu-se mais um silêncio entre as raparigas. Este durou até passarem as portas que davam para o exterior. Ambas seguiam na mesma direção, inconscientemente. Após uns passos, Ina falou:
- Não. – A sua voz estava um pouco rouca, por causa daquele tempo sem dizer nada. – Ainda não posso… Não por tua causa, mas por minha. Mas o que o Raikage disse sobre o apartamento… é verdade. Eu vivo sozinha e tenho andado à espera que a minha tia volte de uma missão.
- Tu tinhas dito que vivas com os teus pais... – Sora olhou-a, incrédula. – Porque é que me mentiste?
Outro silêncio ocupou espaço entre as duas gennins. A ruiva desviou o olhar depois de uns minutos, incomodada com a expressão de Ina. Depois assustou-se, quando Ina explodiu:
- Porque… me fizeste lembrar como era chegar a casa e não ter que me preocupar com nada, porque os meus pais lá estavam! – Uma lágrima marcou o rosto de Ina.
A morena olhava Sora nos olhos. A lágrima acabou por escorregar da sua face e Sora temeu que tivesse realmente ferido os seus sentimentos e tivesse acabado de provocar uma crise de choro incontrolável. Mas estava enganada. Mais nenhuma lágrima se seguiu, apenas uma expressão de profunda dor que começou a dar lugar a um olhar distante. Sora não sabia o que fazer, fora completamente apanhada de surpresa. Nunca pensou que o motivo fosse aquele. Como poderia?
– Desculpa, não tiveste culpa de nada. Eu admito, menti. – A morena falava num tom monocórdico, que cortou a linha de raciocínio de Sora. Começou a forçar um sorriso que rapidamente se tornou verdadeiro, mas débil. – Não tenho intenção de trair a tua confiança, Sora… Agradeço tudo o que tens vindo a fazer por mim e considero-te uma verdadeira amiga, mas há coisas que devem ficar no passado.
- Não tem… problema. – A ruiva tentou sorrir também.
As duas tinham recomeçado a andar, sem saberem para onde ir. Sora estava apreensiva. Respeitava o espaço de Ina, afinal, só a conhecia há umas semanas. Mas que passado lhe provocava uma ferida tão profunda? E o que acontecera aos pais? Já para não falar no que ela fazia quando a encontrara pela primeira vez. E Sora não gostava de mistérios. Sentia que a vida dela era um e ter a amiga envolvida noutro não lhe agradava. Olhou para o lado e viu Ina alegre, como se não tivesse acabado de acontecer nada. Isso incomodava-a ainda mais.
Involuntariamente levou a mão ao cabelo e tocou num dos seis hashi’s pretos que o irmão lhe oferecera há três dias, quando lutara com ela no treino e depois desaparecera, uma vez mais. E aí estava mais um mistério.