Eram cinco e meia da manhã quando Sora ouviu a janela do quarto ranger e depois sentiu um ar gélido. Lembrava-se vagamente de estar a sonhar com algo que a preocupava e quando sentiu o frio não foi capaz de perceber o que se estava a passar. Abriu os olhos devagar, perguntando a si mesma onde estava.
- Hey, acorda ruiva. – Alguém a começara a abanar. – Está um dia lindo.
- Hm…? – Sora esfregou os olhos demoradamente, para conseguir ver melhor. – Ina?
- Quem mais te poderia entrar pela janela? – A morena continuava a abana-la.
- Acho mesmo que não é suposto entrar ninguém pela minha janela. – Sora agarrou os braços de Ina. – Por favor, para de me abanar.
- Desculpa, não foi de propósito. – Ina largou-a e afastou-se, enquanto ela se levantava. – Que me dizes de um treino?
- O quê? – Sora levantou-se devagar, sonolenta, e sentou-se na cama.- Vieste aqui de propósito para me convidares para um treino? Ainda nem de dia é!
- Que exagero, claro que é de dia! – A rapariga foi até à janela que tinha deixado encostada e abriu-a toda para trás. - Vês?
Sora tapou os olhos com o braço e, lentamente, deixou os olhos adaptarem-se à claridade. De facto já era de dia, mas a única coisa que ela via era umas nuvens baixas e uns fracos raios de sol.
- Estás a falar a sério? – A ruiva olhou para ela, preocupada. – Estás bem?
- Claro que estou a falar a sério. – Ina levou a mão à anca. – E é claro que estou bem. Porque não haveria de estar?
- Porque… ontem à tarde me contaste que os teus pais… e, bem, por causa disso… Estás mesmo bem?
- De qualquer forma tu precisas de treinar, se vamos fazer parte de uma equipa temos que nos conhecer melhor e ficar mais ou menos no mesmo nível. – A morena ignorou completamente o que Sora tinha dito. – E, Sora, nós ainda não estamos no mesmo nível. Já para dizer que temos estilos de luta diferentes. Safamo-nos até juntas, mas e se isso deixar de acontecer? Também tenho a certeza que não queres fazer má figura ao pé do novo gennin. – Ina fez finalmente uma pausa, parando a meio caminho entre a janela e a cama de Sora. – E, bem, o teu irmão disse-te para treinares não foi? Tenho a certeza que isso que ele te deu – Apontou para a mesinha de cabeceira, onde estavam os hashi’s. – foi um incentivo.
- Como é que sabes que ele me deu aquilo? – Sora franziu as sobrancelhas, surpreendida por Ina saber algo que ela não lhe tinha contado.
- Um mais um. – Disse, simplesmente. – Vá, aceitas o desafio de um treino intensivo de dois dias?
- Um treino intensivo de dois dias? – Sora pestanejou rapidamente, ao aperceber-se do que ela tinha dito.
- Achas que não consegues? – Ina lançou-lhe um dos seus sorrisos matreiros. – Vais fazer o teu irmão duvidar de ti?
- Dá-me dois minutos. – Sora levantou-se e começou a arrumar as suas coisas.

As duas raparigas caminhavam em silêncio, já fora dos limites da vila. Sora não parara de pensar na estranha atitude da amiga, que agia como se não se tivesse passado nada no dia anterior. Também não gostara do modo com ela a conseguira levar a aceitar o treino e a não questionar mais nada. Não sabia o que pensar, nem o que sentir. Queria respostas, mas as suas perguntas eram ignoradas. Por outro lado, o que não sabia não a magoava, certo? Mas até que ponto é que o que ela não sabia a ia continuar a magoar?
Apercebeu-se que não prestara atenção nenhuma ao caminho que seguiam, deixando a kiri-nin guia-la. Ao contrário de si, Ina não parecia inundada em divagações, probabilidades do que estaria a acontecer e outras preocupações, limitava-se a desfrutar do silêncio e da natureza à sua volta. Sora questionou-se se ela não teria mesmo preocupações e que, se calhar, tudo o que ela pensara até ali não passavam de meras suposições. Parecia estar tudo bem. Incrivelmente bem.
Não caminhavam rápido e, de certa forma, parecia que não tinham um destino definido. Pararam um pouco para comer e descansar, continuando em silêncio. Não era um silêncio tenso ou constrangedor, acabava mesmo por se traduzir num silêncio amigável em que simplesmente não havia nada para dizer.
Retomaram o caminho e uma hora mais tarde Ina espreguiçou-se demoradamente. A ruiva olhou-a de alto a baixo e depois virou-se para trás de repente, seguindo o som de um restolhar nos arbustos.
- Hey. – Ina fê-la olhar para a frente. – Chegámos!
- É aqui que vamos treinar? – Sora olhou em volta, estavam no centro de um círculo com umas dezenas de metros de diâmetro, terra batida, pedaços de relva, rodeadas por árvores e uma ou outra rocha maior. – A sério? Esperava algo que… gritasse “intensivo”, só de olhar.
- Não é o local que é suposto ser intensivo, mas sim o treino. – A morena não percebeu se ela estava a gozar ou a falar a sério. – Surpreende-me!
Surpreende-me…, a palavra desencadeou uma memória na mente de Sora.

[…]

A noite caíra sem Ina e Sora darem por isso. Apenas pararam de treinar quando ficaram demasiado cansadas para se levantarem. Deitadas no chão, as duas raparigas quebravam o silêncio com a sua respiração acelerada.
- Vá, eu admito. – Começou Ina, ainda um pouco ofegante. – Foi um treino intensivo.
- Obrigada por admitires. – Sora levantou-se, a custo.
- Definitivamente temos que repetir. – Disse Ina, levantando-se a seguir.
Sora estava de costas para a kiri-nin com o olhar a perscrutar as árvores. Parecia-lhe que estava a ver um ponto luminoso no negro que se abatera à sua volta, mas não tinha a certeza.
- O que foi? Viste um coelho? – A morena abaixou-se para apanhar algumas coisas. – Acho que a caça não estava nos nossos planos.
- Aquilo é uma fogueira? - Sora apontou na direção da luz.
Ina colocou-se ao seu lado, olhando para o mesmo sítio. A morena forçou a visão para a tentar melhorar e depois virou-se para Sora, fazendo um subtil movimento de cabeça.
As duas gennin’s estavam a ser o mais silenciosas possível, enquanto se deslocavam entre a escuridão. Quando se aproximaram o suficiente, viram uma pequena fogueira a crepitar e alguém sentado de costas. Baixaram-se lentamente com o intuito de perceber se seria algum ladrão, mas na posição em que estava era impossível saber.
Ina tocou no braço de Sora com o cotovelo e fez uns quantos gestos que significavam que cada uma seguiria um dos caminhos: esquerda e direita. Iriam à volta e dessa forma veriam o indivíduo de frente.
Estavam a levantar-se e a preparar-se para darem, cada uma, um passo em direções opostas quando duas shurikens as surpreenderam. Sem perder tempo, já tinham as pernas fletidas para um salto longo que foi impedido por alguma coisa que as fez colidir de costas e as prendeu uma à outra. Eram linhas shinobi, por mais que tentassem quebra-las com a força dos braços era impossível.
O som de ervas a serem esmagadas com o peso de alguém fê-las ficar muito quietas, como se não quisessem dar mais sinais da sua presença. Uma ideia um pouco inútil, uma vez que tinham sido apanhadas por a sua presença ter sido notada. Caso contrário não estariam assim, amarradas de costas uma para a outra e demasiado cansadas para tentarem fugir.
- O que é que vocês estão a fazer aqui?
A voz conhecida fê-las suspirar de alívio.