O crepitar da fogueira era, provavelmente, a principal fonte de som naquele ambiente escuro e sombrio. Nem mesmo as aves e outros animais selvagens executavam qualquer ruído. Pareciam aguardar como espectadores ansiosos pela próxima cena desse filme desastroso. Um frio doloroso havia se instalado pela floresta. Tohru estava a fazer uma leitura dos campos de ameixa sobre um pássaro gigante de Sumi, que era rápido e silencioso o suficiente para não se fazer perceptível. Nesse mesmo tempo, na clareira, Kou mordiscava qualquer coisa num espeto para passar a fome enquanto Ayane tratava de manter a chama acesa. O menino observou sua companheira por alguns segundos, e percebeu que suas mãos tremiam. Ela mantinha as pernas encolhidas de modo que pudesse encostar os joelhos no queixo. Parecia um pequeno cão que havia levado uma surra.
– Está tudo bem agora, Ayane-chan – tentou confortar o pequeno. Isso lhe tirou um sorriso, mas ela permaneceu observando a fogueira, assustada, tremendo de frio.
– Eu... E-eu não sou forte o suficiente – murmurou arquejante a menina.
– Você foi incrível. Mostrou-se uma gennin surpreendente e sou eternamente grato por isso.
– Mas... Eu quase morri... Eu não quero que isso aconteça novamente – e, dizendo isso, a loirinha parecia estar dando início a um choro oprimido.
– Te protegerei com minha vida, se necessário. Não chore, meu anjo – Kou sentou ao lado da moça e lhe cobriu os ombros com seu próprio braço, pondo-a debaixo de seu lençol quente, como a asa de uma ave. Deixou que ela repousasse seus cabelos dourados em seu peito e ali ficou. O menino nunca havia se sentido tão confortável, tão “em casa” tanto quanto naquela fração de segundos. Tohru aterrissou com o pássaro gigante que logo se desfez, mas não se manifestou. Apenas agachou-se junto aos outros e puxou de sua mochila um pedaço grande de papel.
– Esse é o mapa de todo o terreno – cochichou o grandalhão enquanto desenhava na superfície lisa. Começou pelas áreas uniformes que seriam as fronteiras, e seguiu rabiscando até o centro. Especificou relevos, áreas de plantação, torres de comando e a Torre Principal com rapidez e precisão surpreendentes. Kou acompanhava os traços e Ayane, um pouco mais pensativa, tentava segui-lo. Mostrou que existiam alguns estábulos, e que era lá onde os escravos dormiam. Havia cavernas e grutas ao norte, atrás de um rio que dividia o mapa em dois. Os campos formavam listras uniformes por toda extensão do lado leste, sento interrompidos por uma ou duas pequenas torres. A maior das construções ficava exatamente ao centro, acima de uma elevação. Assim que terminou de detalhar o mapa, o usuário de Sumi voltou a falar.
– Há seis pequenos pontos de vigia irregulares – indicou-os no mapa com uma tinta vermelha – ao longo do mapa. Uma menina é responsável pela guarda.
– Uma menina? – surpreendeu-se o menor.
– Sim. Em todas as seis. Garotas idênticas. Creio que sejam clones. Apenas ela em todo o terreno.
– Mas por que apenas uma menina? – estranhou a loira.
– Não consigo entender... – murmurou Kou – Ei, o que quer dizer quanto menciona que as torres são irregulares?
– Elas vigiam apenas uma direção. E o mais compreensível seria se vigiassem o lado externo, mas parece estar mais preocupadas com o que se passa por dentro.
Calaram-se por alguns minutos refletindo sobre o que aquilo poderia significar. As torres, segundo a descrição feita por Tohru, possuíam uma visão de cerca de noventa graus, e essa “faixa” apontava para um canto distinto. Kou fitou o papel por tanto tempo que começou, sem querer, a perceber seus detalhes. Era formado por quadrículos médios – provavelmente servia de base para o desenhista. Mas aquilo era familiar. De algum jeito sabia que era.
Lembrou-se da biblioteca vazia. E das tardes que passou ali jogando aquele jogo de tabuleiro sem sentido e apelativo com Mai. Ela era – agora ele sabia – uma Nara. Um membro do famoso clã estrategista de Konohagakure. Nunca a venceria.
Como era mesmo que se jogava?
Ah sim... Havia duas Ciganas, que se moviam em diagonal. Uma Dama que mudar o curso de algumas peças. Duas bestas que tinham uma grande área de ataque. Seis torres que...
Seis torres...
Seis torres que podiam atacar sua área frontal contanto que tivessem a cobertura de outra torre!
– Eu as chamo de Fuko. Chatas. O segredo é desarmar a torre certa – confessou Lince, desdenhosa, na lembrança do pobre Kou. O menino pediu permissão e pegou um dos pincéis de seu companheiro, o molhou em tinta azul e começou a traçar o campo de visão que cada torre possuía. Todas se mostraram monitoradas, com exceção da torre a noroeste. Esta apenas vigiava.
– É essa pela qual começaremos – determinou Kou.
* * *
Os gennins apagaram a fogueira e cobriram seus rastros. Recolheram seus materiais montaram algum estoque com frutas e ervas que havia ali ao redor, apenas por precaução. Ayane cantou para uma borboleta uma mensagem para Kumogakure, mandando a localização do local e pedindo uma equipe para buscar a sentinela refém, e enquanto isso, Kou procurou algum item útil no equipamento de Kya. Encontrou uma sarabatana média feita de bambu e dois dardos. Pelo cheio, o ninja médico percebeu serem soníferos.
Estavam prontos para entrar no campo do inimigo.