Katsu não conseguiu conter um riso. Os múltiplos braços de chakra que o restringiam ao solo atravessavam zonas sensíveis do seu corpo aquoso, causando incontroláveis cócegas. As primeiras risadas Kihara julgara-as como loucura da alma maldosa do Akatsuki, mas à medida que estas se foram acumulando deixou de incomodar-se. Sentou-se no solto arenoso do templo, cruzando as pernas e unindo as palmas abertas das mãos, numa posição de meditação. Começou uma longa oração de cânticos, desconhecidos aos ouvidos do Imagawa que mal lhes prestava atenção por tentar conter as risadas. Energia dourada começou a emanar pelas mãos unidas do monge…
Uma prisão de chakra…
As risadas eram uma cilada para que o sábio pensasse que tinha o duelo ganho. Ao longo da luta, Katsu percebeu que as técnicas do seu adversário exigiam uma grande concentração e preparo com aquelas palavras e gestos estranhos. Assim, deixou-se capturar pelos braços de chakra dourados, fingindo posteriormente os risos, esperando que Kihara se distraísse. Inesperadamente, tal aconteceu com aquele longo preparo de uma técnica, o mais longo de todos. Talvez o sábio preparasse algo mortal, algo que terminasse de vez com Katsu…
Agitou-se, erguendo a cara o máximo que os braços que o restringiam lhe permitiam. Viu que o monge estava de olhos fechados, num completo estado de concentração, e que a aura dourada que ele emanava se alastrava gradualmente pelo quarto.
- Futton…
Os ombros do Imagawa revelaram a sua natureza, uma água límpida, fluída e transparente que mantinha a forma humana. Essa água transformou-se numa substância gelatinosa e verde que se alastrou ao longo do corpo. Apesar dos braços dourados suprimirem chakra, não surtiam efeito quando eram rodeados e corroídos pelas diversas camadas de ácido no corpo do Akatsuki. A prisão perdeu força, corroída e constantemente esticada até aos limites pelas fortes tentativas do corpo de Katsu a querer soltar-se.
Os braços implodiram numa aura dourada quando jorradas de ácido brotaram do Akatsuki e os correaram vorazmente. Num suspiro de alívio por finalmente estar liberto, o olhar do Imagawa perscrutou o inquieto sábio, que não se apercebera do desenrolar dos acontecimentos à sua volta, continuando no seu aparente infinito cântico. O braço direito de Katsu moldou-se numa lâmina aquosa afiada que se manchou em sangue num único movimento. Uma cabeça rodopiou pelo local e embateu no solo arenoso, deixando para trás um espirro de sangue que infetou a pureza do templo. O cântico cessou subitamente, e um corpo decapitado permanecia em pose de meditação.
- Perdi muito tempo com este tipo! – Criticou-se o Akatsuki, recuperando o seu braço direito e absorvendo o sangue do morto com a água do seu corpo – Tenho de avisar o Arami que as Placas já não estão aqui! Espero que o idiota ainda esteja vivo…
Retirou-se daquele pequeno quarto e voltou para o salão principal, passando e ignorando a quantidade de guardas que tivera de abater para poder matar Kihara e descobrir que o que procurava já não estava ali. No salão, moldou as pernas num pequeno turbilhão de água que serviu como propulsor para elevar-se no ar e deixar aquele buraco enorme…

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A manga branca limpou o suor que escorreu pela face de Sorata. O jovem aprendiz mantinha uma corrida acelerada pelo longo deserto, conhecendo o caminho para a vila como se fosse a palma da sua mão. Deixou finalmente de martirizar-se pelo que fez. Os seus colegas eram perfeitamente capazes de pararem a Akatsuki, pois foram treinados para defenderem o templo de qualquer ameaça. Parou à beira de uma palmeira, solitária entre tanta areia, e permitiu-se limpar de novo o suor na cara. A vila estava tão perto, mas a sacola era tão pesada… Não podia parar agora!...
Quando se preparou para retomar o caminho, surpreendeu-se por uma corrente metálica disparada por entre grãos de areia para lá da palmeira. A corrente desenhou um círculo à sua volta, agarrando-se ao seu corpo e empurrando-o violentamente contra o tronco espesso da árvore, prendendo-o. Entre gritos de espanto que se transformaram em pânico de um indefeso Sorata, o responsável pela corrente ergueu-se debaixo do seu manto arenoso, deixando que os grãos vertessem pelo seu corpo à medida que este se separava do buraco no qual se enterrara.
- Uma formiga nunca deve andar separada da sua colónia… - O homem, por fim em pé, envergava uma túnica que cobria todo o corpo de tecido fino e branco, perfeita para o proteger das consequências de se esconder entre a areia. A sua cara, parcialmente coberta por um pano roxo, revelava apenas dois olhos castanhos e intensos. Os braços, os únicos membros fora da túnica, mostravam uma pele morena e coberta por múltiplas cicatrizes de queimaduras recentes e antigas, provavelmente devido à excessiva exposição ao Sol – Sozinha só vai atrair predadores! – O seu pulso direito estava equipado com um aparelho mecânico, similar a uma besta com a exceção de esta disparar correntes ao invés de flechas.
- Quem é você?! – Gritou Sorata, estrebuchando em vão para tentar soltar-se do frio aperto metálico da corrente – O que quer de mim?!
O pulso esquerdo do predador estava acoplado com uma garra de quatro unhas. Quatro unhas afiadas que apertavam tenuemente a jugular de Sorata, que cessou o histerismo.
- Não gosto de presas barulhentas… - Sibilou o homem ao ouvido do aprendiz – Portanto vê se te calas! – Dito e feito, apartou a garra da garganta do adolescente, permitindo-o engolir a seco e suar ainda mais do que já havia suado.

O predador analisou a sua presa. Parecia um aprendiz de monge a julgar pela parca indumentária e alguns colares de pérolas. Se assim fosse, não traria consigo nenhum bem valioso que valesse a pena roubar, devido às políticas daquele caminho de vida. No entanto, nunca antes caçara um aprendiz ao longo dos seus anos a viver no deserto.
O seu olhar intenso cruzou-se com a sacola atada por uma corda à volta da cintura da presa. Agarrou na bolsa com a garra, tendo o cuidado de não a rasgar com as afiadas unhas, e desprendeu-a com um violento puxão.
- Por favor, largue isso! Por favor! – Clamou Sorata numa voz esganiçada pelo medo.
Silenciou-se com o olhar ameaçador do bandido, que depressa retornou para a bolsa. Abriu-a e observou onze placas de pedra amontoadas*. Retirou a que estava mais próxima e observou-a com curiosidade. Parecia apenas o que era: um retângulo irregular de pedra com umas estranhas gravações à superfície que eram ilegíveis. Todavia, uma atraente aura irradiava daquele invulgar tesouro.
- O… que é isto? – Perguntou o bandido para ninguém em especial, apesar de Sorata desejar responder se a sua vida não tivesse em risco – Por que é tão lindo?
Os seus dedos tatearam as gravações, como se uma força superior assim o ordenasse. Sentiu a frieza da pedra, as fendas das letras impronunciáveis, os riscos e erosão que sofreu pelos longos anos, a sapiência adquirida, o poder…
Sorata engasgou-se e arregalou os olhos quando viu um pequeno braço negro sair da placa e agarrar a cara do bandido com uma possante garra. Antes que houvesse tempo para pânico e pedidos de ajuda, o braço entrou no corpo do homem, projetando-o contra o chão violentamente. A bolsa e a placa tombaram, a última vazia das anteriores gravações…
Gravações que surgiram na testa do bandido com uma forte radiação negra. Seguidamente, o seu corpo entrou em convulsões e espasmos de dor, debatendo-se contra uma força invisível. Assustado, o aprendiz conseguiu gritar, retomando as tentativas de soltar-se, para apenas reparar que a corrente que o prendia ainda o ligava ao corpo do bandido em sofrimento. Após uns segundos, que pareceram uma eternidade para o desespero de Sorata, o bandido ergueu-se.
Mas o bandido já não existia…
Era agora uma criatura totalmente negra, que irradiava uma aura de loucura e poder que Sorata apenas sentira igual aquando o seu primeiro deslumbre das Placas das Almas. A criatura estava com o torso descoberto, revelando músculos tonificados e estranhamente similares aos humanos. Não se via qualquer traço da cara além da sua boca de lábios roxos, cozidos desleixadamente por haverem zonas onde a boca conseguia abrir-se e por onde saía um estranho vapor, por estar coberta pelos cabelos espigados puxados para a frente. A anterior túnica perdeu tamanho ao ponto de cobrir unicamente as pernas da cintura ao joelho, trocando a simplicidade do branco pela calamidade do roxo escuro. Os pés, descalços e enormes, ostentavam dois colares de pérolas que emanavam uma constante aura negra, idênticos aos colares que estavam nos dois pulsos e pescoço da criatura.
Finalmente livre, uivou sonoramente de alívio, erguendo os longos braços para comprovar se aquilo que lhe acontecia era real. E era! Não lhe era permitido sorrir devido à boca amordaçada, mas felicidade não faltava naquela criatura. Para contrastar, Sorata gritou de pavor, acordando a fera da presença do humano. Esta perscrutou-o.
- Um… monge… - As palavras saíam-lhe custosamente da boca remendada, acompanhadas por uma voz gutural e pesada – Odiámos… monges…
Aproximou-se do aprendiz, que a tentava fitar sem no entanto achar-lhe os olhos. Desviou então o olhar para os braços do monstro. Mantinham os equipamentos do bandido, mas estavam agora cobertos por uma aura espessa que lhes davam um ar ainda mais assustador.
- Jurávamos… que estávamos… numa… colina com neve… - A criatura olhou à sua volta, agarrando num punhado de areia e deixando-a escorrer pela garra como se quisesse comprovar que não era neve – Um… deserto?
O aprendiz perdeu a voz. Nunca se deparara com semelhante criatura e a falta de conhecimento deixou que o pânico dominasse o seu corpo. Qual animal selvagem enjaulado, estrebuchou violentamente contra a corrente, agora negra e mais espessa, para perceber que o aperto se tornara muito mais forte.
- Os monges… não nos… invocam… - A criatura parecia pensativa, ignorando ou ainda não percebendo a corrente no seu braço direito que prendia o monge que tentava escapar – Eles… selam-nos! Fui… selado? – Parecia estar num estranho monólogo, mas Sorata nem prestava atenção – Sim… Agora… Estou num corpo… humano! Perfeito…
O aprendiz não teve tempo de gritar por ajuda antes que a garra lhe perfurasse o peito e arrancasse o coração. Ergueu o órgão ao alto e espremeu-o, deixando que o lívido sangue escorresse para dentro da pequena fresta da boca amordaçada. Num uivo de júbilo, desapareceu do local numa rajada de energia negra.