Treino Sexto
~ A tortura de uma execução contínua~
O humor de Ayame mudara completamente ao ver Hikaru chegar com a sua pequena raposa, Kousetsu. Não importava o quão mal disposta estava. Só mesmo aqueles olhos azuis da cria para a fazer esquecer (ainda que temporariamente) os acontecimentos anteriores. Correra para o exterior com ele nos braços e soltou-o quando chegou uma extensa área relvada para poderem correr.
Os dois amigos de longa data juntaram-se a eles pouco depois e ficaram a observá-los enquanto brincavam. Ayame parecia ter voltado a ser uma criança, com aquele sorriso verdadeiro nos lábios e um verde dançante nos olhos, como apenas uma menina saberia. Kazuma e Hikaru não resistiram a sorrir também. Ninguém diria que, horas antes, ela estava capaz de partir o que lhe aparecesse à frente.
- Ei, Ayame! – chamou o ruivo que tinha assumido o papel de sensei da jovem kunoichi.
Ela parou repentinamente e fitou-o.
- Hoje tenho um presente para ti porque tu mereces – disse ele. O seu súbito sorriso matreiro denunciou-o. – Tenho um jutsu para ti.
A Midori continuou a olhar para ele. Já sabia o que lhe esperava ou não fosse ele o seu sensei. Passara horas e horas no hospital a usar jutsus médicos básicos até se cansar sob orientação dele.
- Acho que ela está a duvidar de ti, Hika – reparou Kazuma, rindo-se.
- Pois, mas não devia. É um jutsu bastante único.
- Estás a falar do que estou a pensar? – perguntou o Midori mais velho.
- Talvez, talvez não – respondeu o médico enquanto pensava. – Renzokuma ou execução contínua.
- Oh! Esse! Aya, este vais querer saber. Inventado aqui por este grande ninja – brincou Kazuma, referindo-se ao amigo.
- Obrigado, obrigado. Mas tens que reconhecer que é verdade, apesar do teu sarcasmo. Eu sou um grande ninja, tsc. Talvez se lhe mostrarmos…
Kazuma olhou para Hikaru com um ar desafiante e deu uma pequena risada, dizendo antes de se afastar:
- Desafio aceite.
Os dois colocaram-se em posição, olhando um para o outro.
- Sem limitações?
- Sem limitações, mano. Se acontecer alguma coisa, temos aqui uma médica privada, treinada pela minha pessoa. Vá.
Kazuma invocou um homunculus tão rapidamente e, num espaço de tempo igual, fê-lo usar o Hijou Kaihi para aumentar a velocidade. Partiu em direcção a Hikaru, que pouco se tinha mexido à excepção de fazer alguns selos que Ayame considerara quase imperceptíveis. Quando Kazuma se preparava para usar uma técnica reforçada de taijutsu, Hikaru simplesmente se esfumou e um tornado surgiu vindo do ar, não acertando no moreno por milímetros, a pequena distância que ainda assim conseguira com a sua velocidade ao sentir a mudança de direcção do chakra. O ruivo tinha usado dois jutsus simultâneos, o Shunshin para aparecer nas suas costas em pleno ar e o Hanachiri no Mai. Kazuma sabia que ele poderia ter usado ainda mais jutsus, tendo em conta que usara técnicas de rank mais baixo do que conseguia fazer, mas evitara fazê-lo.
- Isto é suficiente – disse o médico, metendo a língua de fora ao amigo enquanto pousava no chão com o seu longo rabo-de-cavalo a abanar atrás de si. Não precisavam de se magoar nem Ayame precisava de saber da extensão do poder de ambos. Voltou-se para a sua aprendiz, que olhava para ambos com a raposa sentada aos seus pés, surpreendida. – Agrada-te?
Ela não conseguia pronunciar uma palavra e apenas acenou com a cabeça. Provavelmente subestimara Hikaru. Dois jutsus simultâneos não era algo que qualquer um conseguisse. Que mais saberia ele?
- Ora bem… - retorquiu ele, sentando-se no chão perto dela, exemplificando sempre que necessário. A pequena raposa aninhou-se logo no seu colo. Kazuma sentou-se à sombra de uma árvore, observando a relação entre professor e aluna. – O mecanismo do jutsu é bastante simples desde que tenhas dois ingredientes fundamentais: um controlo de chakra muito preciso e muita agilidade para selos. Fazes os selos para este jutsu assim e depois adicionas os selos dos jutsus que queres. Adicionas o primeiro e páras o teu sistema de chakra. Adicionas o segundo e voltas a parar o chakra. Podes libertar os jutsus como quiseres, simultâneos ou em separado, como tiveres planeada a tua estratégia. A única limitação deste jutsu é com o nível dos jutsus que usas. Se usas jutsus de um rank elevado, podes apenas ter dois jutsus em espera. Se for de um rank mais baixo, podes ter mais. E bem… Como sei que começas a ter um bom controlo de chakra… Vamos ver esses selos.
Ayame anuiu e ponderou a informação dada antes de iniciar. Pensou em utilizar dois jutsus simples, visto que Hikaru não lhe tinha dito alguma estratégia em concreto. Respirou fundo e fez os selos rápidos para invocar o seu homunculus. O seu chakra fluiu rapidamente e surgiu a pequena criatura de folhas. Imediatamente, fez os poucos selos necessários para iniciar o Renzokuma e começou os selos para primeiro jutsu. Um selo, dois, três e finalização. Sentiu o chakra a activar e esforçou-se para o manter em baixo. Segundo jutsu se seguia. Fez um selo e levou um pequeno choque nas mãos.
- Ai – queixou-se ela, esfregando as mãos. Fora apanhada desprevenida. Olhou para o sensei, enfurecida. Ele fizera-a perder o trabalho iniciado.
- Demasiado lenta. Começa de novo – criticou Hikaru, ainda com linhas eléctricas nos seus dedos por ter usado o Raiton: Tesaki Dendou. O jutsu não era forte e ele fizera para reduzir ainda mais a sua voltagem para apenas a assustar e não magoar.
Ela bufou, mas voltou a começar. Alguns selos novamente para o Renzokuma e, ainda sem libertar o seu chakra, iniciou os selos para o jutsu seguinte, tentando ser ainda mais rápida. O seu chakra deu um salto ao ser focalizado novamente e ela voltou a acalmá-lo. Jutsu seguinte. Um selo e novamente levou um choque. Olhou para o sensei, que parecia estar a divertir-se a usar aquele jutsu novamente nela.
- Continuas lenta. Outra vez – disse ele, entretido a fazer acariciar Kousetsu.
- Algo me diz que esta não é a maneira certa de… - começou ela, sendo interrompida pelo ruivo.
Os olhos dele encontraram os dela e fizeram-na estremecer. Aquele azul-céu tornara-se puro gelo por um segundo.
- Quem é que aqui sabe o que está a fazer? Tu? Achas mesmo que conseguias fazer este jutsu com essa velocidade? Achas que vão esperar que tu inicies isto no meio de uma batalha? Vão sentar-se à espera que tu termines?
Os argumentos dele venceram-na. Ele tinha a sua razão. Ninguém iria esperar que ela fizesse os selos se estivesse no meio de uma batalha e seria imediatamente derrotada se não melhorasse.
- Bem me parecia – disse ele ao entender o silêncio da rapariga. – Não me interpretes mal. Eu faço isto pelo teu bem. Não te deves contentar com o satisfatório, muito menos com o fraco. E tanto eu, como o Kazuma, temos mais experiência que tu para avaliar a tua performance.
Kazuma anuiu quando a rapariga procurou a sua resposta. Ele concordava com o amigo.
- E pronto, isto dos choques é só para te manter focada em melhorar a velocidade dos selos. Sabes que vou continuar a fazê-lo – acrescentou o sensei. – Volta a iniciar. Só te deixo passar ao próximo ponto quando isso estiver aceitável. Mas podes ter a certeza que voltaremos a isto noutro treino.
- Hai – conformou-se ela, suspirando.
Iria esforçar-se para fazer um trabalho melhor daquela vez. Os selos do Renzokuma começavam a interiorizar-se. Fê-los rapidamente e sentiu o seu chakra a fluir num instante até à ponta dos seus dedos. Iniciou novamente os selos para fazer o seu primeiro jutsu e, ainda antes do seu chakra dar um salto, já estava preparada para o manter em baixo, podendo assim fazer os selos do segundo jutsu de seguida. O seu chakra deu um salto ainda maior, mas conseguiu manter-se em controlo.
Pelo sorriso de satisfação na cara de Hikaru, viu que tinha finalmente melhorado nem que fosse um pouco.
- Está melhor. Não está perfeito, mas acho que já entendeste o truque. Agora vais aplicar isso contra ti mesma.
- Desculpa? – inquiriu ela, confusa. Apercebeu-se do que ele poderia estar a dizer. – Kage Bunshin?
- Hum-hum.
Ayame fez o selo do clone para fazer uma cópia de si mesma. A Ayame-clone surgiu numa fumaça de pétalas, típicas do seu Hana Kage Bunshin. Ambas olharam uma para a outra e dirigiram-se para posições opostas com distância suficiente para poderem atacar.
A kunoichi iniciou o Renzokuma com os seus selos rápidos, procurando apressar o chakra de ignição, começando de seguida os selos necessários para o Tsubaki no Shibari para tentar prender o seu clone. Estabilizou o seu chakra enquanto fazia os selos para o Chikurin, estabilizando de novo o chakra para não enviar os dois jutsus de imediato.
Enquanto isso, a Ayame-clone sabia que uma das estratégias mais prováveis que ela própria seguiria seria a de restrição, por isso preferiu preparar um contra-ataque a isso. Preferiu não usar o Renzokuma, embora fosse esse o objectivo daquele mini-treino, e activou a sua kekkei genkai no nível 3, Seishitsu no Bunsan. Fez alguns selos rápidos, concentrou o seu chakra e preparou-se. Iria usar-se a ela mesma contra ela própria, o que dava um novo significado ao que Hikaru pedira.
Quando a Ayame libertou os seus jutsus, já a Ayame-clone se tinha disperso em pétalas e evitado ser apanhada na trepadeira e pelas canas de bambu que logo se seguiram, dirigindo as pétalas que duplicara para a verdadeira a toda a velocidade. Antes que ela se conseguisse esquivar por completo, a clone utilizou o Shizen Sōsa: Bakuyaku, explodindo as pétalas. Ayame foi apanhada parcialmente na explosão, o que lhe deixou alguns ferimentos ligeiros.
Hikaru, Kazuma e a clone aproximaram-se rapidamente da kunoichi, sentada no chão. Felizmente, a situação não fora grave. A clone desapareceu com um sorriso após verificar isso. O médico concentrou chakra na sua mão, usando o Chiyu Kyuutai para curar os pequenos ferimentos das bombinhas. Ayame, não querendo abusar da boa vontade do seu sensei e médico, desfez o seu jutsu do homunculus e, com alguns selos rápidos, utilizou o seu próprio chakra para se curar com o Kougousei.
- Bolas, realmente não te facilitaste o trabalho – reparou Kazuma. – Usar aquele jutsu contra ti mesma.
Ela sorriu e disse:
- Preferia que tivesse sido ao contrário. Assim não estaria aqui.
- És uma parvinha – retorquiu Hikaru, dando-lhe um toque na testa. – Por teres feito isto e por não estares a confiar em mim para te curar.
- Apenas não quero incomodar…
- E não incomodas, Ayame – explicou ele, sorrindo. Ela às vezes conseguia ser demasiado atenciosa. - É o meu trabalho e faço-o com gosto. Que seja a última vez que me fazes isso.
- O Hika quer-se sentir o herói; não lhe tires o protagonismo – gozou Kazuma, fugindo antes que o ruivo lhe desse um murro amigável, algo que os fez rir a todos. Terminava assim um pequeno treino para ensinar um novo jutsu à jovem Midori.