Quase que instantaneamente uma figura surgiu na penumbra sem fazer qualquer ruído. Com uma agilidade felina, o vulto se recostou ao paredão lateral e sondou os arredores com desconfiança. - Algo não estava certo. - Apertando as pálpebras para ajudar seus olhos a se adaptar à escuridão, o nukenin procurou através das inúmeras colunas rochosas, que perfiladas, preveniam que o teto esculpido viesse abaixo. O cheiro de sangue ainda estava fresco. Aguçando seus sentidos, a espera de algum possível ataque, Kazuki levou a mão ao bolso, lançando a pederneira contra a tocha que se escorava no suporte à sua direita.

Num estalo, a chama rapidamente se estabilizou, iluminando o local que considerava ser seu esconderijo mais seguro. – Como eles nos encontraram? - Essa pergunta martelava sua cabeça, enquanto as veias de sua testa saltavam pela ânsia do combate, apesar de seu cansaço. Na verdade estava exausto. Sua última missão de infiltração no País da Grama lhe custou algumas futuras cicatrizes. A Akatsuki estava cada vez mais faminta por informação. Agachando-se para tentar sentir alguma vibração, o ninja sentiu o prazer da dor em seu torso. Era inebriante, porém, debilitante.

Levando uma das mãos à omoplata perfurada, arrancando a kunai que o incomodava. - Jashin me saúda. - Sussurrou, ao elevar a kunai para usá-la numa posição defensiva. – Onde estaria Daisuke? - O jovem andava bastante recluso desde que fora bem sucedido em sua primeira parte da vingança... Nenhum sinal que ele estivesse ali... Nenhum sinal de luta. Suspirando, Kazuki arqueou o corpo novamente com um pequeno gemido quando finalmente sua visão periférica notou algo fora do padrão. Na parede esquerda, justamente no caminho para suas acomodações, escrituras em vermelho reluziam num longo texto que se estendia até onde a tocha iluminava.

- Mas o que seria isso? - Indagou-se ao se aproximar das pequenas palavras perfeitamente alinhadas como se escritas por alguma máquina. Percorrendo seu dedo indicador na primeira frase, Kazuki começou a ler tudo aquilo, percorrendo a parede como um livro em que parecia descrever a vida de seu comparsa...

"Nasci numa família de posses, mas aquilo nunca me satisfez. Faltava alguma coisa. Desafios, talvez. Por isso, quando encontrei o primeiro verdadeiro desafio, acabei – sem perceber - numa trama que mudaria minha vida para sempre. Toshio, meu professor. Meu principal desafeto na academia. Ele parecia sempre a um passo na minha frente, por mais que tramasse minhas brincadeiras. Como eu era ingênuo. Makoto, meu melhor amigo, que me acompanhava nas traquinagens na verdade nunca fora sincero. Invejoso por minha fama, ele entregou meus planos ao professor, que acabou fingindo que morria em minha última brincadeira.

Apavorado e sem saber dos planos de me tirar da jogada, fugi da Vila da Areia antes que pudessem me incriminar pelo "assassinato" do velho. Como era idiota. Em minha fuga, acabei encontrando um povoado de nome "Buraco". Um lugar terrível que abrigava todos os tipos de criminosos. Um porto seguro para o crime. Não tive escolha senão fazer o meu melhor para sobreviver: Lutar. E nos porões do Buraco, fiz meu nome como lutador. "Saru" como eu era chamado. O nome falso que tinha adotado. Mas por causa de meu sucesso, chamei a atenção do mafioso que controlava o vilarejo. Nero.

Ele era um homem forte, que não se importava em quebrar alguns ovos para conseguir o que queria. E ele me queria em suas linhas de mercenários. Oferecendo poder inimaginável, ele apresentou a maldita droga. Não foi difícil em escolher. Poder... Isso sempre me fascinou. Mas para todo poder existe consequência. Vício. Incontrolável. E por ele eu matei, queimei e perdi aos poucos minha humanidade. Usado e descartado. Descartado para ser um mero tutor do "filho-do-chefe". Lian. Jovem desprezível. Maldita a hora que concordei em ensiná-lo. Mas que escolha eu tinha? Com a promessa de liberdade, acabei sendo traído, pois o filho-do-chefe e seu imediato, Barba-de-ferro.

Venderam-me à Suna pela recompensa que fora posta sob minha cabeça. Malditos. Nero e seu filho. Mastigado e jogado fora. Contudo, por sorte, durante a viagem de volta, pela primeira vez me vi sóbrio depois de muito tempo. Acordei no hospital do País da Folha, onde minha mãe me recebeu. Para meu alívio, eu não era um nukenin. Ninguém havia sido assassinado. Tudo fora fingimento para me manter longe da academia. Manter-me longe do mundo ninja. Toshio e Makoto. Eles tiveram o que mereciam. Já de volta à Suna, encarei meus desafetos novamente. Rindo às minhas costas, eu me mantive quieto. A vida dura me ensinou que para tudo existia um tempo. Esperei apenas...

E não demorou muito para que utilizasse a influência de meus pais para ganhar uma vaga como gennin. Não que eu quisesse, mas como uma forma de me manter perto daqueles dos quais iria me vingar. Mas, mais uma vez, o destino alterou minha rota. Fui enviado para uma prisão de segurança máxima, muito distante da Vila da Areia para que as pessoas pacatas se preocupassem com os criminosos que ali estavam. Lá encontrei Kazuki. Um amigo que me ensinou o verdadeiro poder da vingança. Suas palavras abriram meus olhos ao ponto de desistir de tudo.

Desistir da normalidade. Desmascarar minha verdadeira face. Fugimos. Agora sou um nukenin. Um procurado. Mas antes fiz questão de me vingar de meu velho amigo e do professor. Agora eles fazem parte da minha coleção de marionetes. Mas, ainda me faltam três pessoas nessa coleção de bonecos: Lian, Nero e Barba-de-ferro."

Kazuki terminou de ler sem perceber que já estava à beira do laboratório que Daisuke utilizava para suas pesquisas. O cheiro de sangue estava ainda mais forte e o eco das gotas chamara sua atenção para uma pequena mesa de metal de onde um emaranhado de carne descansava. Ossos, órgãos e muito sangue. Pele desfigurada de um corpo morto. O nuke o reconheceu imediatamente... - Daisuke! - Exclamou ao ver seu antigo colega. Ou pelo menos partes dele. - Mas o que aconteceu aqui! - complementou, quando notou algo grande se mover por suas costas.

O suor frio tomou conta de sua espinha, jorrando adrenalina imediatamente para fazê-lo saltar por cima da mesa para enxergar aquilo que se aproximava. Passos no chão frio. Pesados e cadenciados, suas pegadas se aproximavam da luz fraca da tocha que agora estava jogada ao chão. O metal do obelisco humanoide começava a reluzir em vermelho até que um sorriso débil de marionete surgiu por completo. Era imenso. Seus seis braços se moviam, cruzando-se como um paredão de titânio. - O que houve Kazuki? Não reconhece mais seu comparsa? - Disse com uma voz grossa que reverberava e ecoava pelo salão vazio.

O ninja arregalou os olhos e percebeu que Daisuke tinha conseguido completar sua cirurgia. Enfim ele havia se transformado no que desejava. Kazuki suspirou e sorriu. O maldito garoto estava intimidador. - Droga idiota! Quase me mata de susto! - Reclamou, arremessando a kunai que resvalou no metal sem deixar qualquer risco na blindagem.

- E agora? Vamos planejar a outra parte de sua vingança? - Perguntou o homem.

- Não. Dessa vez não. Só destruir. - Respondeu, com olhos maldosos.