Mais uma tempestade chegava ao litoral naquele fim de tarde. Trovões soavam após rápidos
flashes caóticos na tempestade. O sol já há algum tempo não aparecia, sempre encoberto por pesadas nuvens acinzentadas que davam um breve descanso para o solo que tanto fora castigado pelas altas temperaturas do deserto. Para os moradores sofridos do Buraco, aquilo não era nenhuma novidade, já que aquela precipitação era esperada desde o início do verão. Os deuses eram pontuais afinal, pois pareciam sempre enviar esse "aviso" para que pudessem estocar quanta água podiam para enfrentar mais quatro meses de estiagem. Era até engraçado ver as dezenas de tonéis tomarem as poucas ruas enlameadas e telhados, ressoando e vibrando à medida que se enchiam até esborrar. Enquanto isso, seus proprietários permaneciam protegidos dentro de suas casas, esperando pacientemente que o tempo mudasse para que retornassem sua vida cotidiana à margem da lei. -
Atchim! Mas que merda! - Reclamava Nero, completamente coberto por uma manta avermelhada, enquanto se aconchegava em sua poltrona. Vislumbrando a tempestade castigando seu vilarejo, ele podia sentir a febre percorrendo seu corpo, causando-lhe calafrios. Seu olhar pesado e sem emoção fitava a janela que zunia ao ser açoitado pelo vento que trazia pesadas gotas até seu cômodo frio. Tentando respirar pelo nariz congestionado, o mafioso evitava até em pensar nos negócios para não aumentar sua dor de cabeça, mas logo seu corpo se contorceu em resposta à dor quando ouviu as batidas estridentes em sua porta.
A porta rangeu vagarosamente e logo seu criado sussurrou: -
Mestre Nero, o entregador acabou de chegar. O criado fez uma careta ao notar a expressão de ódio no olhar de seu empregador que acenou dolorosamente para que ele trouxesse o convidado o quanto antes. O homem obedeceu com velocidade, descendo os degraus ruidosamente na direção do rapaz que ainda retirava a pesada capa de chuva que até então o protegera da tempestade. -
Já estou indo... Calma! - Reclamava ele à medida que era praticamente empurrado para dentro do cômodo que cheirava a suor e doença. Pigarreando após a porta fechar, Noburo caminhou até uma pequena mesa de canto onde despejou a encomenda que trouxera. Virando-se sorridente na esperança de receber alguma gorjeta, o jovem se surpreendeu num soluço ao perceber que Nero já estava às suas costas como uma víbora sorrateira. Seus olhos se encontraram e o muco que eclodia do nariz do mafioso foi suficiente para que intimidasse o pobre entregador que - tremendo - desistiu da compensação e disparou pelas escadarias na direção da saída. Nero conseguiu forças para sorrir com o canto da boca, porém a covardia não era um dos seus interesses naquele momento. Avançando sobre o pacote, Nero rasgou a encomenda com ansiedade para revelar alguns medicamentos solicitados.
Analgésico e Antitérmico. - Pensou com saudade, lembrando-se de seu tempo como médico-chefe. Com as mãos trêmulas, ele buscou água e arremessou os comprimidos na boca. O líquido desceu pela garganta com dificuldade. Fechando os olhos desejando melhoras, Nero ouviu mais alguém subindo as escadarias.
-
Não quero ser incomodado! - Esbravejou antes que a porta se abrisse.
-
Desculpe a intromissão, mestre... É urgente. - Respondeu Daketsu.
-
O que foi Daketsu? O que seria tão urgente assim? - Disse.
-
Maru está morto... Perdemos a influência no País da Lua. - Lamentou.
Aquela notícia fez Nero cambalear para fora da cama, arrastando seus pés - que pela doença pareciam pesar uma tonelada cada - na direção do comandado. Ele caminhou entre o ruído de trovões e o brilho ofuscante de relâmpagos quando enfim suas mãos agarraram a parte superior do uniforme de seu general. Evitando transparecer fraqueza, o mafioso acenou positivamente, prestes a explodir em fúria, mas preferiu aguardar o restante das notícias que Daketsu trazia.
-
Aconteceu ontem. Um único ataque. - Terminou.
-
COMO...?! QUEM SE ATREVEU?! - Inquiriu com violência.
-
Ainda não sabemos, senhor. Mas nossos homens estão prontos. -
Muito bem! Onde está Yukikaze? - Na verdade, Nero queria saber de seu filho.
-
Está ao norte. Perto de Horan. - Informou Daketsu.
Como se jogasse xadrez com um adversário sagaz, Nero ponderou as alternativas de ação com os possíveis inimigos capazes de atrapalhar seus interesses. Porém, após poucos segundos de reflexão ele percebeu que existia alguma peça fora do lugar, pois tinha certeza de que já eliminara toda resistência com ferocidade para assegurar a rota de sua droga pelo País da Lua. Tinha destruído os obstáculos e comprado os corruptíveis. Algo não estava certo. Sua intuição agora atrapalhava seu julgamento dizendo-lhe que aquele ataque deveria ser reprimido com toda força para servir de exemplo. Foi assim que decidiu. -
Daketsu, envie uma mensagem para o Yukikaze, peça-os que nos encontrem ao leste da enseada e de lá destruiremos tudo, entendeu? - Comentou com a voz grave, libertando o uniforme de seu general. O lacaio acenou positivamente e após uma rápida reverência ele saiu, fechando a porta do cômodo com delicadeza. Nauseado, Nero caminhou de volta a sua cama para tentar dormir. Ele sabia que precisava acordar melhor para poder comandar o ataque pessoalmente. Não haveria misericórdia. A cama então rangeu com seu peso, terminando por puxar a manta por cima de seu corpo febril. O mafioso fechou os olhos e respirou fundo... Diferente das batalhas que travara no passado, a inquietação de véspera não mais o afligia. Não menos do que o forte resfriado que o assolava. -
Veremos quem pretende me desafiar. - Sussurrou enquanto começava a sentir o efeito dos medicamentos que tomara. A dormência o fez relaxar e por fim, após alguns suspiros de relaxamento ele dormiu. No dia seguinte iria para à guerra novamente.
*********
Na manhã seguinte toda comitiva estava pronta. Sob os primeiros raios de sol do dia, ainda que encoberto por algumas nuvens restantes da tempestade, duas naus estavam abarrotadas de homens ansiosos pelo combate. Comandando as duas embarcações, os dois dos generais ostentavam seus uniformes militares à proa, gritando com seus subordinados que terminavam de carregar os últimos estoques de alimento e armamento para a jornada até o País da Lua. O porto do Buraco fervilhava de tanta gente. Parecia que metade do vilarejo seguiria viajem junto com o dono do local que ainda não chegara. Nero estava atrasado. -
Onde está o comandante Daketsu? - Gritou Jabu, do alto da paliçada, aproveitando para estalar os dedos em ansiedade. Do outro lado, à beira de seu navio, Daketsu deu de ombros para indicar que sabia o mesmo que o irmão-de-arma. Mas quando o general suspirou em desagrado, um grito estridente chamou a atenção dos dois homens que olharam para a multidão de onde o garoto-de-recados os chamava. Estranhando o chamado, Jabu e Daketsu venceram o alvoroço dos piratas em seus preparativos finais e desceram as rampas até se encontrarem com o menino que ofegava sentado em um barril emborcado. -
O que foi Hiruma? - Perguntou Jabu. O rapaz ainda demorou alguns segundos para tomar ar quando finalmente os informou que Nero ainda estava muito doente e que comandou que eles continuassem com o plano e tomassem a ilha custe o que custar. Sempre o mais fiel, Daketsu esboçou preocupação com o comandante. Já o outro abriu um sorriso malicioso instintivamente. Jabu sabia que, sem Nero no comando da missão, sua selvageria não seria controlada. -
Pois bem... Vamos embora! - Comemorou o pirata.
CONTINUA...