[OVA] Expectativas para o Exame

A brisa noturna açoitava as asas de uma coruja que voava pacífica sob a lua cheia, fitando o solo atentamente à procura de alguma vítima desavisada. Seus olhos moviam-se com precisão até que num movimento brusco o predador arqueou as asas e silenciosamente perdeu altitude com grande velocidade até que suas afiadas garras capturaram um pequeno roedor que caminhava sorrateiramente pelo gramado do último campo de treino, nas fronteiras da Vila da Folha. Com a refeição à sua mercê, a coruja então estendeu suas asas novamente e alçou vôo até os galhos de uma das árvores que circundavam o lugar, onde tinha uma posição privilegiada para visualizar o humano se exercitar enquanto saciava sua fome.

- Preciso... Terminar. - O suor escorria pelo seu rosto em dezenas de gotas que regavam aquela parte do grande gramado. Kaneda estava sozinho naquela noite, como em todas as outras noites em que treinava escondido para não ser novamente motivo de piadas pelos colegas ninja. O tal "nada" que os outros comentavam e riam pelas suas costas. Aquilo o machucava, mesmo tentando fingir que não era com ele. Como se ele tivesse culpa por nascer sem nenhuma das linhagens de sua família. Mas isso acabaria quando o jovem Uchiha mostrasse seu valor em combate. Eles verão que não sou um "nada". - Pensava como se quisesse buscar a raiva em seu âmago para continuar com as flexões exaustivas até que desabou no solo macio, ofegante.

Virando-se para conseguir respirar melhor, Kaneda olhava o céu cheio de estrelas e a fraca iluminação da Vila quando, por um instante, lembrou-se de sua amiga recém-conhecida. Mesmo que aquele conhecimento tenha sido brutal e violento, aquele encontro realmente encheu seu coração de paz. Era sua primeira amiga. - Preciso ir. Está na hora de meu remédio. - Sussurrou para si, ainda pensativo. Sentando-se com dificuldade, Kaneda olhou em volta para ter certeza que ainda continuava sozinho. Suspirando, ele percebeu apenas uma coruja que terminava de comer há poucos metros dele. O garoto sorriu ao percebê-la mais uma vez ali, como se fosse uma sensei com olhos atentos que sempre o acompanhava naquele local inóspito.

Piscando o olho para o animal, o gennin tentou ficar em pé, mas após algumas tentativas desequilibradas ele não conseguiu o que queria. Seu corpo agora cobrava o preço, dolorido e exausto. Contudo, a sensação prazerosa de mais um treino bem-sucedido confortava-o mesmo que agora enxergasse nos braços e pernas os novos hematomas que adquirira naquela noite. Isso doerá amanhã. – Apontou para o que parecia ser um machucado mais sério. Então, esperando por mais alguns segundos para se recompor, o jovem realizou mais uma tentativa de se levantar e finalmente impulso o deixou fixar os pés na grama, quando começou a cambalear de volta à sua mochila.

Ainda zonzo pela movimentação repentina, Kaneda guardou seus apetrechos de treino com ansiedade e se dirigiu à trilha de volta a sua casa. O caminho seria longo. Olhos semicerrados para ver melhor o caminho na penumbra, o Uchiha evitava usar os óculos na volta para não os embaçar com seu suor, já que não teria como limpá-los naquela altura do campeonato. Seu uniforme estava empapado pelo esforço que fizera e certamente não serviriam de lenço de limpeza. Tranquilidade... Que beleza. – Comemorava em pensamento, aproveitando a calma que a floresta lhe transmitia, como se aquilo pudesse energizá-lo para que pudesse resistir às agruras recorrentes em sua vida.

Você precisa se impor, Kaneda! – Criticava um dos gêmeos, pelo seu comportamento passivo diante os comentários. Mas ele não era assim. Preferia se esconder em seus livros, que ao menos não lhe ofendiam. Melhor não ficar pensando nisso. – Pensou ao perceber o silêncio da floresta começava a dar lugar aos ruídos peculiares da Vila à medida que as primeiras casas passavam por ele. A vida de Konoha não terminava com o pôr-do-sol e, por isso, preferia aquele campo de treino inóspito para evitar se esbarrar por acidente com um de seus pseudo-colegas de turma. – Bom, hora do suco. – Comemorou, tentando deixar de lado os pensamentos derrotistas. Como sempre, nesses dois meses de treino, Kaneda parava na quitanda para se hidratar. O lugar pertencia à Igoshi, um senhor corpulento e sorridente que já beirava seus sessenta anos.

Aquele senhor tinha começado seu negócio assim que se aposentara como caixeiro viajante e desde então recebia poucos – mas fiéis – clientes que sempre passavam por estas paragens. Kaneda não era diferente. Apesar de não confessar, o jovem adorava o lugar. Tinha um ar aconchegante, com uma singela iluminação que transmitia tranquilidade, além de uma boa música tocando ao fundo. Arrumando-se para poder entrar, o jovem já foi recebido pelo senhor sorridente que lhe trazia o suco. – Aqui está, mestre Kaneda. – Acenou, como fazia todas as vezes. Arrastando o banquinho na direção do balcão, o gennin se preparava para ouvir as inúmeras histórias do senhor quando recebeu a notícia: - Ei garoto! Hoje começaram as inscrições dos Exames Chuunin! – Comentou, todo animado.

Aquela notícia mais parecia um soco no ego de Kaneda. Afinal, ele não tinha nenhuma intenção de ser motivo de chacota entre os seus. Como todo adolescente, ele sentia uma profunda insegurança. E se não passasse na primeira fase? E se não conseguisse um bom desempenho na segunda fase? Certamente não chegaria na terceira fase de duelos. Será que Shiori participará? – Acho que passarei esse ano. – Falou baixinho, tentando esconder a vergonha. Igoshi parou de enxugar o copo que segurava para voltar sua atenção ao jovem cabisbaixo. Recostando-se no balcão, ele suspirou com pesar e antes que o Uchiha pudesse falar alguma coisa, ele tomou a iniciativa e repousou sua mão no ombro do rapaz.

- Escuta, garoto. Faz dois meses que te vejo passar por aqui para treinar naquele campo de treino quase desativado. – Pausou a explanação para olhar nos olhos do menino. – Seu esforço será posto em prova, mas se depender de sua perseverança, você chegará até o fim e se tornará um chuunin. – Concluiu com uma seriedade que Kaneda nunca tinha testemunhado daquele homem. Aquele comentário reativou a vontade do Uchiha que agora se convencia que sua insegurança era apenas o princípio da derrota. Mesmo que não vença, darei um bom trabalho para aqueles idiotas que me chama de “nada”. Então, tomando o suco com rapidez, Kaneda pagou pelo lanche e agradeceu pelos conselhos do senhor, sumindo no horizonte na direção do centro de inscrições. De repente e com alguma sorte, nenhum de seus colegas estaria lá àquela hora.

***

Aquela era a primeira noite de inscrições e, apesar do horário mais avançado, vários gennins ainda se acotovelavam para se inscrever. – Droga. – Sussurrou Kaneda, apertando o papel de inscrição contra o peito numa atitude defensiva. Como sempre, ele estava sozinho. Sua mãe estava em plantão no hospital e seu pai ainda não saíra da delegacia... Agora só restava ao gennin tomar coragem e enfrentar a fila. Um a um, os gennins entregavam os papéis aos chuunins responsáveis e saíam em alegria, conversando com os outros as incríveis possibilidades que teriam ao serem selecionados, enquanto o jovem Uchiha se esforçava para se tornar “invisível”. Mas essa não era uma tarefa assim tão fácil. Assim que depositou seu bilhete na urna, Kaneda se virou e partiu às pressas para sua casa quando ouviu o que não queira ouvir.

– Ora, ora... O nada fará o teste chuunin?! – Gargalhava seu primo. Olhos brancos e aparência pálida, Fuuma estava reunido com seus colegas e fazia piada do franzino parente que tentava melhorar sua posição ninja. Acostumado com as brincadeiras, o rapaz fingiu que não era com ele e acelerou o passo. Eles não sabem que treino em segredo. – Pensava para tentar se acalmar, torcendo para não apanhar de novo. Agora a sorte estava lançada e certamente enfrentaria alguém daquele grupo de desafetos. Se Kaneda tinha medo? Sim. Muito medo. Contudo, a força que Shiori e Igoshi haviam lhe dado foi de suma importância para ele seguir em frente. Só restava treinar como nunca e se preparar para os combates que o definiriam como homem. Como um ninja. Era sua chance de mostrar que não era apenas um "nada".

Continua...

Que gostosinha a ambientação melancólica desse capítulo.

Acho bacana você estar trabalhando rejeição. É uma temática que também tange a realidade do meu personagem, e é engraçado porque, embora seja abordado de maneira muito diferente por nós dois, a situação deles tem certa semelhante irônica. Enquanto Kaneda, tendo à sua "disposição" a oportunidade de nascer com um dos doujutsu, se não nasce com nenhum é porque foi desprezível demais para merecê-los; Kamus é relegado à margem por, tendo o doujutsu em perfeito estado, não apresentar o outro conjunto de característica que associam a ele (que parte do fenótipo mas desemboca em questões de constituição psicológica e cultural).

Enfim, acho bem legal esse movimento de puxar uma determinada conjuntura que compõe o universo de Naruto (e quaisquer outros) e revelar os tipos de problemas passiveis de serem gerados ali dentro. É sem dúvida a coisa mais bonita e instigante desse poder de fan fiquers que a internet nos dá.

adios

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