Finalmente, sem medo

Os murmúrios de confusão e assombro tomavam conta da disposição da multidão, substituindo a outrora alegria e satisfação por verem o duelo ganho pela sua líder. A inimiga, ainda completamente desconhecida, estava tecnicamente morta… E, no entanto, ali estava a sua cabeça a pairar, sob forças desconhecidas, e a conversar como se a sua situação nada mais fosse do que apenas “normal”.
Entre a multidão, estava Katsu a morder os lábios. Como pudera deixar o duelo chegar até aquele ponto? Sabia que Kimera poderia derrotar Gaina sem ter a necessidade de toques permanentes e ainda recorrendo a Taijutsu, mas nunca pensou que iria enterrar a própria mão no corpo dela! E a partir daí, tudo apenas iria piorar…
- Gaina! – Vociferou, tentando ignorar o facto do corpo da chamada se estar a regenerar a partir da cabeça. Viam-se os tecidos carnudos, os ossos, veias e outras partes essenciais ao corpo a humano a formarem-se do ar e a organizarem-se de forma metódica, não demorando segundos a conceder-lhe um novo corpo. – Já chega!
- Ficaste irritado, meu querido? – Perguntou a Moremane, fingindo preocupação no seu semblante – Não te preocupes, a Kimera é necessária. Não lhe vou fazer algum mal.
O Nukenin depressa formou duas lâminas de água em cada braço e fletiu os joelhos, mostrando-se disposto a lutar pela vida da sua amiga. E embora mostrasse dedicação, o medo que sentia pela feroz inimiga era inevitável e revelava-se em curtos tremeres no corpo ou uma hesitação que dificilmente se veria em alguém confiante como Katsu.
- Estás com vontade de lutar, mas não o queres fazer… Medo? Desnecessário, querido. Não sou nenhum mal para a Humanidade. Não entendo o porquê de tanta agressividade… - Falou a Moremane, seguidamente gargalhando com as suas próprias palavras – Na verdade, até entendo, mas não deixo de insistir que é desnecessária. Apenas quero o vosso bem.
Katsu não iria ouvir, não havia necessidade. Aproximou-se com um Shunshin e esticou ambas as lâminas em frente num “x” cruzado. Todavia, Gaina limitou-se a descarregar chakra à sua frente e soltar uma violenta torrente de faíscas eletrificadas que se iriam conduzir pela água dos braços do Imagawa e provocar sérios danos. Ele percebeu e depressa se descolou do elemento, deixando que deslizasse pelos braços e fosse de encontro ao Raiton, originando pequenas explosões que provocaram danos a ambos os contendentes. Não sendo nada de grave, Katsu depressa recompôs a postura e cravou um pé no solo, usando os braços para obrigar a terra debaixo de si a formar um pilar e levá-lo acima, de encontro à cara da sua adversária. Esta apenas colocou o braço em frente e desfez o pilar sem o menor de problemas, não contanto, no entanto, que à sua volta já se estivesse a formar um invulgar círculo de água.
- Oh… - Foi o único som que pronunciou ao ver que a água era comandada pelo Imagawa e que, à medida que chakra lhe era induzido, ia ganhando uma tonalidade esverdeada. – Ácido… Mas o círculo rodeia-nos aos dois, será boa ideia?
Não houve resposta e, num puxar de braços, o círculo fechou-se repentinamente trazendo consigo uma torrente de ácido forte o suficiente para ser morte imediata a qualquer ser vivo que se encontrasse dentro. Mas não para aqueles dois em especial. O Imagawa nada fez, levando apenas com o ácido como se não fosse minimamente afetado, enquanto Gaina apressou-se a criar uma defesa de água ao seu redor, consciente que seria o suficiente para neutralizar o ácido.
- Suppai Bakuhatsusei… - Pronunciou Katsu, apressando-se a saltar à retaguarda para evitar algo que a Moremane ainda não entendera o que podia ser. Só então é que percebeu pelo nome…
Uma enorme explosão surgiu entre o contacto com o ácido, agora com as propriedades modificadas, e a água que Gaina usou para se proteger. Era morte certa devido à velocidade da explosão e consequentemente derramamento de ácido, mas para Gaina seria apenas a segunda naquele dia. Nada que não pudesse voltar a recuperar.
- Até foi uma boa tática, justifica porque te aproximaste tanto quando lutas melhor à distância. – O Imagawa sobressaltou-se quando viu Gaina à sua beira, a tocar-lhe suavemente no pescoço sem quaisquer intenções à vista – Mas ainda estás muitos níveis abaixo. Eu podia resolver isso, sabes? Tens tanto potencial a ser desbloqueado, só te falta o catalisador certo. E eu sou o catalisador certo. – Katsu afastou-se do toque bruscamente, recuando alguns passos para ganhar distância da sua némesis. Já não parecia minimamente disposto a continuar aquela luta – Ainda tenho esperanças que te juntes a mim. De todos os humanos que já encontrei, és o único que têm… algo que não consigo explicar. Intrigas-me até ao intrínseco do teu ser.
O Imagawa baixou os braços e relaxou a sua até então postura agressiva. Suspirou. O seu coração palpitava freneticamente, os seus membros tremiam e a respiração estava ofegante como nunca, muito embora a luta nem tivesse minutos de duração. Não estava cansado, apenas assustado. Terrivelmente assustado. Olhou Gaina diretamente nos olhos, que pareceu interessada no súbito e direto contacto ocular, e temeu-a. Temeu todo o poder que ela emanava, toda a sua presença, cada uma das suas palavras sibilantes que, desde que se haviam conhecido, tinham como único propósito convencê-lo a lutar por futuros que se assemelhavam ao que ele almejava, mas que eram distorcidos em todos os pilares que os constituíam. Não a aprovava, simplesmente não conseguia, principalmente depois da traição que o levara a ser conhecido como o líder da Akatsuki por toda a nação e responsável por crimes que não tinham realmente acontecido. Culpou-a inexplicavelmente por tudo o que lhe correra de mal na vida. Pela morte da sua família, pelo desaparecimento do irmão, pela distorcida vida de Kazue…
Não, ela chamava-se Sekima, não Kazue.
Sim, era Kazue.
Teve uma momentânea recaída, no qual a sua visão tremeu e os seus joelhos fraquejaram. Recompôs-se sem dar qualquer sinal de fraqueza à sua inimiga e respirou profundamente. Não odiava Gaina e muito menos a temia. Ela era apenas uma consequência de exatamente aquilo que Katsu queria abolir, uma chama fortalecida por todo o ódio e paixão que sentia pela Humanidade. Uma chama que podia ser extinta!
Não, para quê extinguir o poder se podia ser absorvido?
Outra recaída. Outra tontura. Viu momentaneamente o chão a seus pés e, no segundo a seguir, estava onde sempre estivera, de onde nunca saíra. Gaina olhava-o agora com alguma confusão, que depressa se revelou um entendimento do estado que Katsu ainda não entendia.
Tinha medo dela. Sim, era algo natural, algo humano. Mas também a odiava e desejava ser-lhe superior, ser mais forte. Desejava provar que ele era capaz de tudo e que mais ninguém podia com ele.
Sim, finalmente a fraqueza que procurava. O medo era a sua fraqueza, a única coisa que ele próprio não sentia. E seria o seu catalisador para descarregar o único sentimento que emanava da sua mente.
Ódio.
Gargalhou. Sem mais tonturas, sem mais recaídas, sem mais incertezas. Resoluto como anteriormente fora, como agora se encontrava, o Imagawa firmou a sua posição no solo e deixou que o Fuumetsu Mangekyo Sharingan se revelasse esplendoroso nos seus olhos anteriormente amedrontados. Katsu teria lutado com cautela, preocupando-se em não ferir os Jounin e ANBU de Kusa que o rodeavam e se questionavam o que se estava a passar. Teria perdido tempo em preocupar-se com Kimera, que estava a metros de distância num estado dormente, provavelmente por ação de Gaina. Mas Tsutao não era assim. Não era sentimentalista, não era fraco, e sabia distinguir o certo do errado. O que devia ser feito e o que não devia ser feito.
Inspirou profundamente e mexeu todo o seu corpo, saltitando um pouco. Já há muito que não tomava controlo dele e sentia-se enferrujado. Rodou a cabeça até as articulações do pescoço estalarem todas e expirou, por fim. Riu-se e aproveitou toda a liberdade que não conseguia aproveitar com tanta frequência quanto desejava. No seu íntimo, sentia as pancadas mentais de Katsu a tentarem retomar o corpo para si, mas ignorou-as com toda a raiva que sentia no momento.
- Devo então presumir que agora estou a falar com o Tsutao. Prazer. – Cumprimentou Gaina, algo interessada na troca de personalidade à sua frente. Adorava Katsu e tudo o que ele representava, mas Tsutao? Este ainda era uma incógnita. Uma incógnita que partilhava o corpo com um dos humanos mais capazes que ela conhecera. De certo que não seria coincidência e ainda mais certo seria que ele não a desapontaria.
- Prazer vou ter eu quando acabar contigo. Ou quando apalpar essas tuas mamas, devem ser um conforto do caraças! – Praticamente vociferou, desacostumado com a intensidade da sua própria voz, fitando intensamente os seios de Gaina.
A primeira impressão de Tsutao já era negativa, mas Gaina tinha a esperança que isso ainda pudesse mudar. Preparou-se para o pior, para uma versão do Katsu muito mais agressiva do que o normal. E, acima de tudo, preparou-se para uma versão do Katsu que não tivesse medo de si próprio e não contivesse todo o seu potencial.
O Uchiha retirou a Gunbai das suas costas e olhou para ela, incerto em como lutar com ela. Depressa abanou os ombros, despreocupado com qualquer falta de habilidade que pudesse vir a ter com a arma, e saltou para cima da sua inimiga. Feroz e com toda a garra que dele seria esperado.
O leque cortou o ar em diversas tentativas de atingir a Moremane, que se limitava a recuar e a evitar os ataques como se nada fosse. Entre essas investidas fúteis, a Falsa Deusa fitava o olhar insano que Tsutao fazia à medida que tentava ganhar vantagem numa luta que tinha tudo para lhe ser desfavorável. Parecia um animal irracional, focado em nada mais que despejar toda a sua força e fúria na contenda, mesmo que isso culminasse na sua morte.
Gaina ficou desapontada. Embalou a mão à sua frente e criou uma inofensiva corrente de ar suficientemente capaz de afastar o agressor de si. Espantou-se quando viu que o seu Ninjutsu não tinha tido o efeito desejado, abanando apenas as roupas e cabelos de uns Jounin de Kusa distantes. O Uchiha estava atrás de si, sorridente, a realizar selos a uma velocidade frenética e já com os pulmões submersos em ar.
- Katon: Gōka Messhitsu!
Nos segundos a seguir, ninguém percebeu realmente o que se passou. Apenas viram uma gigantesca parede de chamas a ser expelida para fora da boca do Imagawa que arrastou consigo Gaina, sem hipóteses de se defender ou esquivar da ofensiva. Mas essa parede de chamas não se limitou a isso, carbonizando ainda uma extensa área à sua frente e consumindo grande parte da lateral de Kusa, como também parte da sua floresta de cogumelos e outros fungos gigantes. Nada foi perdoado, desde habitações, animais e outros humanos que, por acaso, poderiam estar a passar pelo caminho de fogo, desapercebidos da morte que os queimou até ao pó. Para trás apenas ficou um rasto de destruição e intensas chamas e nada mais.
Incrédulos, todos olharam para Katsu, que parecia arder com tanta intensidade quanto aquelas chamas, rindo-se do seu próprio poder. Ninguém o julgara com tão poderoso (nem mesmo o próprio Tsutao após semanas sem lutar) e temeram-no por isso mesmo. Se deviam pensar que estavam finalmente salvos de Gaina, não o conseguiam pois viam à sua frente alguém que parecia ainda mais perigoso e volátil que ela.
Armas caíram, gritos de desespero ressoaram enquanto os ninjas de Kusa caíam em si para o estado de destruição que viam na vila. Embora o Ninjutsu não tivesse nem perto de destruir tudo devido à direção que tomara, só o que outrora fora aquela zona lateral chegava para colocar os corações mais rígidos dos ninjas ali presentes sufocados em dor.
E Tsutao apenas ria.