Capítulo 1
Kuma Deve Ser Protegido
Minha mãe é uma ótima contadora de histórias. E não sou só eu que acho, muitos também acham isso. Meu pai de criação, Yosuke, disse que não existiu sequer um dia que não tenha rido ou chorado com os Contos de Ame. Minha outra mãe, Cho, a quem devo meu corpo gorducho e minha gentileza, disse que se apaixonou na terceira história que ouviu de Ame.
Algumas vezes na vida tem-se a sensação de que uma coisa só podia ser do jeito que é, e quando isso acontece, eu chamo de Acerto dos Céus. Minha mãe chamar-se Ame é um Acerto dos Céus, porque nenhum outro nome anunciaria tanto de sua personalidade. Assim como a chuva quando chega, minha mãe consegue tocar a todos com suas histórias. Quando paramos para ouví-la, nós nos apaixonamos.
Algumas vezes, quando saímos nós quatro – Mãe Ame, Mãe Cho, Pai Yosuke e eu -, gostávamos de inventar uma história para cada pessoa que passasse. Era difícil porque todas as pessoas pareciam ter histórias interessantíssimas por trás do jeito que andavam, da roupa que vestiam ou da expressão que carregavam, mas Mãe Ame não desistia. Inventava todas. Sabia dos detalhes. Quando a história chegava no ponto de ser muito boa, tentávamos abordar de maneira cuidadosa sua protagonista, contávamos nossa versão e, se ela se animasse, contava a dela. Uma vez, acertamos completamente tudo. Acerto dos Céus.
Ainda nova, levei o Jogo das Histórias para a escola. Comecei errando tudo, mas quanto mais você joga, mais você fica boa em jogar. E por mais que não parecesse, meus colegas de turma já haviam passado por muita coisa. Kai, o garoto do bolo, foi meu primeiro Acerto dos Céus. Quando o vi comendo um bolo cheio de cobertura com os colegas populares e rindo alto, inventei que ele era um mentiroso. Inventei que não era sua mãe que o obrigava a limpar a casa todos os dias e que quem havia feito aquele bolo, ao invés de sua tia, como ele mesmo disse, havia sido ele. E inventei que ele não era só bom em fazer bolos como também era muito bom nos afazeres domésticos. Quando contei a história para ele, em um momento em que o vi sozinho, ele engasgou e pediu para não importuná-lo, mas eu o segui até vê-lo com sua mãe. Contei a história para ela em um fôlego só, e antes que ele me surrasse, ela riu e confirmou tudo.
Em troca do segredo, ele passou a levar bolos para mim. Hoje somos amigos secretos, e é uma das coisas mais legais que poderiam ter acontecido.
Outro garoto de quem me aproximei com o Jogo foi Kuma. Não por ter acertado, mas porque ele veio atrás de mim quando eu já era conhecida como “Ai Inventiva”. Ele precisava de uma boa desculpa para o fato de não sentir atração nenhuma por meninas, a não ser para amizades, e achou que eu poderia contar a mentira perfeita e todos acreditariam. Mas Ai Akimichi não mente, logo Ai Akimichi não concordou.
Eu imaginei que negar o pedido o faria chorar, porque Kuma é aparentemente frágil, mas ele pareceu mais ficar em choque. Passei a reparar nele nos dias que seguiram, e ele parecia um passarinho ruivo com as asas quebradas. Kai, o garoto dos bolos, me contou que seus amigos implicavam muito com Kuma por ele ser “mais frágil” que a maioria dos meninos, e por isso temia.
Fiquei irada.
- E por que você não usa esses teus músculos e faz alguma coisa a respeito? – indaguei, furiosa, mas assim que perguntei, a resposta me veio à mente: era porque, se Kai o protegesse, seria estranhado pelo seu grupinho de porcos. Parecer homem é difícil até para os homens, imagina para um garoto.
Mãe Ame disse que algumas histórias podem ajudar a dar tempo para quem precisa. Isso soou para mim algo como “o Kuma precisa de um tempo para se assumir, minta por ele e o proteja.”
Passei a chamá-lo para dormir em minha casa, só para que tivéssemos tempo para planejar a melhor mentira de todas. Ame nos ajudou com os detalhes, Cho com a ordem dos acontecimentos e Yosuke, um tempo depois, virou quase conselheiro sentimental do Kuma, já que era o único homem da casa e também gostava de homens.
Foi perfeito. Brilhante. O pedido do meu namoro com Kuma aconteceu no pátio, bem na hora do intervalo. Sussurrei nos ouvidos certos para que tudo fosse bem convincente. Até beijei o passarinho, o que foi surpreendentemente bom para um beijo de mentira. Ouvimos aplausos e mais aplausos, até mesmo da gangue de porcos, e Kai com eles, mas este parecia um pouco envergonhado. Suas bochechas estavam coradas.
Foi ali que percebi que Kai sentia algo pelo passarinho.
Capítulo 2 | Coisas Quebradas Devem Ser Protegidas >>
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Nota da autora:
Sei que ficou um pouco curto, mas a ideia é fazer alguns pequenos fillers para que se conheça bem as personagens secundárias e a própria Ai. Gosto de contar a história assim, em primeira pessoa e desenvolvê-la como se fosse formada por fragmentos e lembranças. Agradeço aos bravos corações que aceitarem ler!