É inverno e a noite já vai longa, mas a brisa quente de verão que se sentia facilmente enganava qualquer um. Um homem de idade avançada, longa barba branca e robe vermelho mirava o vasto oceano. Era bonita aquela paisagem, com o mar espelhando as milhares de estrelas que cintilavam no céu noturno. De súbito, uma forte luz emergiu no céu, tornando dia aquela noite de inverno. O velho inspirou fundo e a sua expressão pintou um certo alívio no seu rosto, enquanto um pequeno grupo de homens de robes semelhantes descia a encosta na sua direção:

- Mestre! – gritavam ofegantes – M-Mestre….

Aproximaram-se exaustos do velho mestre:

- Mestre Akamo…esta luz… - as suas caras não partilhavam da mesma expressão de alívio da do ancião – Isso quer dizer que…?

O mestre sorriu sem nunca deixar de fitar o horizonte:

- Ele chegou.

As suas palavras foram curtas, rápidas e frias como a lâmina afiada de uma adaga. Estendeu os braços enquanto os seus pupilos caiam sobre os joelhos, curvando-se sobre a seca terra do solo:

- Nós ouvimos-Te. – proferiu o mestre.

- Nós ouvimos-Te. – repetiram em uníssono.

- Nós respondemos-Te.

- Nós respondemos-Te. – repetiram novamente.

- Mostra-nos o escolhido.

- Mostra-nos o escolhido.

Os olhos de Akamo pareceram ter ganho vida por uma fração de segundo, como se dentro deles só houvesse chamas:

- Mostra-nos o Teu caminho, Karyuka. – entoou.

- Mostra-nos o Teu caminho, Karyuka.

E nessa noite o mar pegou fogo.

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As ruas de Konoha nunca pareceram tão movimentadas como naquele fim de tarde. Era clima de festa e alegria na vila, algo que não se via há anos. Depois das guerras, das mortes, de todo o sofrimento, parecia impossível Konoha ganhar vida e reerguer-se das cinzas. Mas tal como a fénix, Konoha e os seus habitantes levantaram-se dos escombros, limparam a poeiras e hoje, ambos, são mais fortes que nunca.
Comemorava-se a subida do novo hokage: Uzumaki Naruto. A alegria era contagiante com todos os foguetes a serem lançados, o agradável cheiro de comida que pairava no ar, todas as flores e adereços que adornavam as ruas principais.
Mas noutra parte da vila, havia outro motivo de festa. No distrito Uchiha, o renascido clã celebrava a data do Retorno, o dia épico em que Sasuke, o novo líder do clã, marchou com todos os refugiados sobreviventes do clã Uchiha.
O discurso de Sasuke havia terminado e ouviam-se cânticos e gritos de vitória para com ele. Uns afirmam ter visto um sorriso no seu rosto, mas tal mito nunca chegara a ser confirmado.
Ao lado de Sasuke permaneciam cada representante das famílias mais importantes do clã, acabando por se dispersar quando Sasuke se afastou para as sombras.
Um desses representantes, Ikami apareceu por entre a multidão, dirigindo-se a um alvo específico. Ikami destoava de todos os outros representantes. Uma moça no auge dos seus vinte e três anos, longos cabelos pretos presos numa elegante trança, Trajava um kimono verde-escuro comprido, adornado de folhas douradas e pequenos entalhes de um verde mais claro, brilhante. No meio de tamanha multidão, os seus olhos rubi, derivados do seu eterno sharingan, reluziam por entre os seus comuns. Mas tal como os seus olhos vermelhos, também uma mancha vermelha emergia entre as pessoas e Ikami aproximava-se furtivamente dela. Com dois pequenos saltos rápidos, a jovem líder aproximou-se um homem cujos os longos cabelos vermelhos caiam sobre as suas costas, espetando-lhe dois dedos nas costelas:

- E…morreste. – riu-se – Olhos abertos, maninho!

O rapaz soltou um suspiro aborrecido e coçou a nuca:

- Sabes… - começou, virando-se. Os seus olhos prateados fitavam a sua irmã – Já sabia onde estavas há 20 metros atrás. O poder está a deixar-te desleixada.

Mas o jovem não fora rápido o suficiente e quando deu por si, já a irmã lhe segurava o queixo com uma mão:

- Voltas a dizer uma merda dessas, Takeshi, e juro que te pego fogo enquanto dormes.

Ambos riram-se e abraçaram-se. Ikami era a irmã mais velha de Takeshi e tornara-se a líder e representante da família no Conselho Uchiha desde o Retorno. Com 17 anos já era formada como Jounnin, uma líder nata, rapidamente subiu ao poder dentro do núcleo familiar e hoje, senta-se na mesa do Conselho Uchiha como uma das mais confiáveis de Sasuke. Takeshi, por sua vez, é um “cabeça-quente”. Nunca se preocupou com os deveres shinobi, porém formou-se como Gennin e Chunnin mais novo que o esperado, sempre com as melhores notas de turma. Considerado como um “prodígio das artes ninja” entre o clã, o jovem Uchiha nunca se preocupou com o que esperavam dele, constantemente a desafiar os demais e superiores:

- Quando ganhas juízo, maninho? Tens todo um futuro brilhante que espera por ti, mas a tua estupidez aguda não te deixa avançar.

Os dois irmãos repousavam num terraço junto à praça onde decorriam as celebrações. Takeshi puxou de uma caixa preta de dentro do seu bolso das calças, tirando um cigarro e acendendo-o de seguida. Aguentou um pouco e, por fim, deixou o fumo sair lentamente:

- Deixa-te de merdas, Ikami. Melhor do que ninguém, sabes que eu não tenho paciência para essas tretas. Eu tenho o meu jeito, as minhas vontades, as minhas necessidades…

- Que necessidades?! Sexo? Achas que são umas miúdas boas na cama que te vão fazer feliz? Não é o que tens dentro das calças que te vão fazer homem, Takeshi. – as suas palavras eram tão duras quanto ela assim entendia.

Takeshi riu-se.

- Eu preciso bem mais do que isso. Eu sei bem o que desejo e não vou parar enquanto não o encontrar.

- E o que desejas? – perguntou Ikami.

O seu irmão levantou-se, esticou os braços e estalou alguns ossos:

- Poder. – os seus olhos prata cintilaram e Ikami jurava ter visto um reflexo do sharingan por detrás daqueles globos prateados.

- Cuidado com o que desejas maninho. – riram-se.

Ikami levantou-se com o auxílio da mão de Takeshi e ambos saltaram da berma do terraço. A festa continuava e eles não queriam perder aquele momento. De súbito o ar ficou mais quente.

É inverno e a noite já vai longa, mas a brisa quente de verão que se sentia facilmente enganava qualquer um. Gradualmente foi ficando mais quente, tão quente quanto um belo e solarengo dia de verão. Como era possível estarem a suar? Claro que ninguém percebia isso, pensando ser o calor da dança, dos fumos na rua e nos foguetes no ar. Ikami e Takeshi dançavam juntos no meio da praça, rodeados de amigos, família e companheiros de clã. Todos se riam e todos cantavam. A luz do fogo-de-artifício iluminava, por breves momentos, toda a vila e o som da sua explosão parecia ecoar nos peitos de cada um. Era uma festa. Era uma cerimónia. Era uma celebração.

Era o fim.

Um foguete elevou-se no ar com um assobio característico e quando rebentou, o céu iluminou-se. Pequenas acendalhas azuis e amarelas iluminaram o céu numa esfera colorida até que finalmente se apagaram. Mas o céu não se apagou. O céu iluminou-se mais e mais. O sol trocara as voltas à lua e voltara para o seu lugar no céu. As pessoas da vila pararam de dançar e cantar e todas olharam o céu, incrédulas. Agora sentia-se bem a vaga de calor que assolava a vila.
Ikami e Takeshi não foram diferentes e também eles olharam para o céu.

Algo não estava bem.

O céu abriu-se num chiar arrepiante e um feixe de chamas escarlate desceu dele, diretamente na praça onde os Uchiha festavam. Não houve tempo para ninguém se desviar ou proteger. As chamas atingiram Takeshi numa explosão tão forte que tudo à sua volta foi atirado, abruptamente, uns quantos metros para trás. Tão rápido veio como tão rápido foi, e Takeshi fora deixado ali, imóvel. O seu corpo parecia completamente ileso, mas pequenos tremores percorriam-no.

- Ikami… - balbuciou Takeshi – Eu…Eu…Eu não me estou a sentir muito bem…

Ikami correu para o seu irmão. Os seus olhos prata começavam a tomar uma tonalidade âmbar:

- Takeshi, o teu sharingan…! – a voz parecia não querer sair da sua garganta.

- Não é o sharingan, Ika… - Takeshi não terminou.

O Uchiha caiu sobre o seu corpo. Os tremores tornaram-se maiores, Ikami tentou agarrá-lo, mas a alta temperatura corporal do seu irmão não lhe permitia que esta lhe tocasse sem se queimar. Contorceu-se mais uma vez no chão, isolado de qualquer tipo de ajuda.
Todos na vila correram para o distrito Uchiha a fim de ver o que se passava com o céu e com o feixe de chamas que dele desceu. Encontraram todo um clã em volta de um dos seus, de joelhos no chão em convulsões. “Ele está…a brilhar?”…

E foi então que ele gritou.

A pele acendeu.

Ele gritou novamente.

A pele estalou em faíscas.

Ele soltou um último grito.

E com ele vieram as chamas.

Não havia mais Takeshi, não havia mais escuridão, não havia mais nada.
As chamas consumiam o que outrora era um corpo de carne e osso. Rodeavam-no como um animal esfomeado e sedento de sangue, cobrindo-o num manto vermelho e amarelo tal qual a fúria do Inferno. Takeshi estava imóvel, como se algo o estivesse a prender:

- TAKESHI! – gritou Ikami numa voz trémula.

As chamas elevaram-se em espiral, lentamente a retirar-se do corpo do jovem. O seu pescoço inclinava-se para trás e um olhar vazio fitava o céu estrelado enquanto as chamas entravam pela sua boca, como uma cobra a entranhar-se no seu corpo. Por fim, Takeshi tombou no chão sem sentidos.