Dando um salto para fora de água e expirando profundamente, Kaede começou a fazer alguns selos de mãos, concentrando em simultâneo algum ar nos seus pulmões. Só o suficiente para o atordoar…
Quando menos contava, Suzaku sentiu uma dor aguda nas costas, dor essa que, por qualquer motivo, o derrubou e fez rebolar no solo por um bom par de metros. Quando finalmente parou, Suzaku apoiou a mão esquerda no chão, levantando o seu tronco ligeiramente enquanto tossia. Kaede acabara de o atingir com uma quantidade leve de ar comprimido. Rekudan…
-Essa é a paga pela tua generosidade.
Vendo Kaede passar por si, já com a foice atada às costas, Suzaku lamentou-se enquanto massajava as costas ao de leve. Primeiro Hayashi, agora uma rapariga que não conhecia de lado nenhum… Se continuassem a agredi-lo assim, provavelmente chegariam à meia-idade todo desmontado.
Lamentando-se pela sua fraca sorte, Suzaku sentou-se na relva poeirenta. Contraiu os músculos das costas, tentando averiguar os danos que Kaede causara. Para seu grande alívio não passara do susto, e apenas ficara dorido por ter rebolado demasiado no solo.
-Bolas, que é que eu lhe fiz de mal? – Questionava-se ele, enquanto ouvia a rapariga a rir-se maleficamente, já a alguma distância do local onde ele se encontrava.
Suzaku grunhiu irritado, levantando-se com um salto. Enquanto sacudia a poeira acumulada nas suas roupas e se dirigia para o local onde os dois professores se encontravam, planeava um bom modo de chamar Kaede à razão relativamente ao que lhe fizera, ou pelo menos arranjar maneira de não correr o risco de voltar a ser atacado por ela quando menos esperasse.
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Kaede, já sentada no local circundante á arena improvisada dos dois professores, suspirou entediada. Quanto tempo mais iriam eles esperar para começar o combate?
Kaede foi acordada dos pensamentos em que se submergira por uma figura que se sentou ao seu lado sem cerimónias. Quando voltou o rosto para essa mesma figura, viu Suzaku a olhar de lado para ela. Kaede quase se riu. Com que então ele conseguira levantar-se?
Kaede pensou numa ou duas frases que poderia proferir para o irritar, mas decidiu que talvez fosse melhor não o fazer. Concluiu que o Rekudan que lhe lançara há pouco já fora suficiente. Para além disso, Kita e Hayashi finalmente haviam-se colocado ambos em posição de combate, afastados um do outro por alguns metros. Finalmente…
Kaede pousou ambos os cotovelos nas pernas, apoiando o queixo nos seus punhos de seguida. Estava bastante interessada naquele confronto, pois nunca antes tivera a oportunidade de ver com clareza o seu professor a combater. Poderia ter ficado naquela posição bastante tempo, não fosse alguém ter bloqueado a sua visão. Kaede ergueu o rosto, e lá estava Suzaku de braços cruzados. O que é que este cromo quer desta vez…
-És baço para espelho, sabias?
-Posso saber porque é que passas o tempo todo a olhar para mim?
-Estás a ser um pouco convencido, não? – Desta vez Kaede não conseguiu evitar, e a frase foi dita entre risos. – Eu só estou interessada em perceber o que é isso que tens atrás das costas, nada mais.
-O quê, a minha espada? – Inquiriu Suzaku, surpreendido, enquanto apontava para a Hellfire. Kaede anuiu, o seu rosto já neutro como antes. Nesse momento, Suzaku teve uma ideia. – Tudo bem, eu mostro-ta. Mas não pode ser aqui.
-E porque não?
-Porque… - Suzaku pensava rapidamente, tentando arranjar uma resposta convincente para a pergunta inesperada.
-Nem percas tempo. – Suspendeu-o Kaede, voltando a sua atenção novamente para os dois professores. – Não tarda nada eles vão começar o duelo, e eu não quero perder nada, nem mesmo o início.
-A verdade é que… Bem, Hayashi-sensei não me permite tocar na espada sem justificação.
-Ah… E então ias-te dar ao trabalho de sair daqui só porque querias matar a curiosidade a uma estranha? Hmm… Desculpa, mas não me soa bem.
-Achas que te estou a mentir, é?
-Acho que estás a tramar alguma.
Suzaku suspirou exasperado perante o olhar matreiro e desconfiado de Kaede. Ela era mais perspicaz do que ele estava à espera, e pelos vistos não iria cair na armadilha dele tão facilmente.
-Vá lá, é rápido…
-Já te disse, não quero perder o início do duelo. Noutra altura mostras-me o que quiseres.
-É uma perda de tempo assistir a um duelo destes. – Resmungou Suzaku, rangendo os dentes perante a teimosia inabalável da rapariga. – É óbvio que Hayashi-sensei vai vencer.
Kaede inspirou profundamente, lançando em seguida um olhar penetrante e furioso a Suzaku.
-Nunca tomes nada por certo, é estúpido. E peço-te que, por favor, pares de chatear a minha pessoa.
Suzaku suspirou mais uma vez. Derrotado e irritado por não conseguir levar a sua avante, Suzaku pregou um forte carolo a Kaede, deixando de parte o facto de serem completos estranhos. A rapariga viu-se curvada para a frente, produto da força com que Suzaku a atingira.
-Seu…
Com um rugido de raiva, Kaede levantou-se bruscamente, tentando apanhar o jovem shinobi para lhe devolver a paga pelo carolo. Infelizmente para si, Suzaku era mais rápido que ela, e conseguiu escapar-se-lhe sem problemas. O rapaz, por sua vez, ao reparar na oportunidade que tinha em mãos, decidiu verificar se, afinal de contas, poderia pôr o seu plano em prática. Começou a correr na direcção da sua meta, tendo o cuidado de moderar a sua velocidade para que Kaede não desistisse de o apanhar por ver que era impossível alcançá-lo, nem ficasse demasiado próxima, fazendo com que ele perdesse o espaço de manobra de que necessitava para a encurralar.
Quando Suzaku começou a escalar uma árvore particularmente alta, verificou que Kaede já não se encontrava atrás de si. Olhou em volta, procurando detectar a rapariga, mas não viu mais que o espaço vazio. Poderia ela ter desistido da perseguição?
Um berro colérico fê-lo olhar para cima, e quando o fez viu aquilo que procurava, mas não como o procurava. Kaede, em vez de o seguir, acabara por conseguir perceber o que ele ia fazer, ultrapassando-o e adiantando-se-lhe. No preciso momento, a rapariga caía em direcção a Suzaku, e segurava algo longo e aparentemente pesado nas mãos. Suzaku, surpreendido, apenas teve tempo de se afastar com um salto à retaguarda. Agora, à sua frente, o corpo que ele achara ser frágil e demasiado delgado para conseguir sequer correr por mais do que alguns metros curvava-se sob o peso de uma colossal foice, com a lâmina enterrada – pelo menos – até meio no solo.
Respirando pesadamente, ainda cansado pela corrida e pelo desvio rápido que fora obrigado a fazer, Suzaku dirigiu o seu olhar, ainda chocado, para Kaede. Esta estava ainda mais ofegante que ele, o rosto coberto por finas gotas de suor, apoiando-se totalmente no cabo da foice enquanto lutava por normalizar a sua respiração.
-Calma, tigre… - Suspirou Suzaku, ainda levemente abalado. Estaria ela realmente a tentar aniquilá-lo?
-TU TEM CALMA! – Berrou Kaede, irada e de modo completamente insano. – NÃO TENS DECÊNCIA? PRIMEIRO A ÁGUA, DEPOIS VENS-ME CHATEAR COM CONVERSA DA TRETA, DEPOIS BATES-ME… QUE MAL É QUE EU TE FIZ, ÃH?!?
Suzaku manteve-se sério e calmo. Cada vez estava mais convencido de que as mulheres não eram mais do que um punhado de problemas, problemas esses fortemente amarrados com histerismo, descontrolo e irracionalidade.
-É assim que o queres… - Principiou ele, levando a mão às costas. – … É assim que o vais ter.
Num movimento pesado, Suzaku desembainhou a sua espada, equilibrando-a à sua frente com o tronco ligeiramente dobrado e os braços completamente esticados. Kaede, por sua vez, puxou com grande esforço a sua foice para fora do solo, rodando-a ligeiramente para que a lâmina ficasse na posição adequada.
Os dois jovens entreolharam-se, Suzaku com um ar ligeiro e severo no rosto, Kaede ainda desfigurada pela raiva e impulsividade. Suzaku não pôde deixar de se sentir confiante: pelo que averiguara antes, aquela rapariga controlava o elemento vento. Não teria qualquer hipótese contra ele. Suzaku deu impulso à sua arma e, a alguns metros, viu Kaede fazer o mesmo.
Kaede, por sua vez, já não pensava no que quer que fosse. Estava demasiado enraivecida para o fazer. Não haviam ponderações desta vez: apenas a vontade de atacar o oponente e, se possível, desfazê-lo. Provavelmente, se estivesse possibilitada de utilizar a sua usual capacidade de raciocínio, Kaede nunca teria agido daquele modo. Não sabia nada sobre o seu adversário. Nem estilo de combate, nem técnicas, nem padrões: nada. Atacar nestas condições era loucura, e Kaede sabê-lo-ia se tivesse pensado.
Quando já se encontravam a centímetros um do outro, prestes a deferir o primeiro golpe, tudo parou. Por algum motivo, haviam passado um pelo outro sem se atacarem, e haviam agora parado de se movimentar. Isto, claro, até se começarem a debater contra o que os havia feito agir daquele modo.
Quando sentiu um dos seus braços preso atrás das costas e algo a pressionar as suas costas, fazendo-o curvar-se e impossibilitando-o de se mover, o primeiro impulso de Suzaku foi debater-se ligeiramente. Tais movimentos apenas podiam pertencer a uma pessoa, e tal fê-lo ficar ainda mais revoltado. Porque raio é que Hayashi tinha de se ter metido ao barulho?
Suzaku ouviu alguns sons à sua frente, e calculou que Kaede também havia sido presa. Ao levantar a cabeça, esperara ver Kita a segurar a sua aluna. Mas, em vez disso, que segurava a rapariga era Hayashi. Mas então… Se o Hayashi é que a está a segurar a ela, então quem me está a prender…
-Muito bem, qual era a vossa ideia? – Suzaku ouviu a voz de Kita vir detrás de si. Então era ele que o prendia…
-Qual é a VOSSA ideia! – Respondeu Kaede, ainda fora de si.
-Tu acalma-te. – Disse Hayashi, forçando a cabeça de Kaede para baixo. – Ou daí talvez não. Afinal, se não fossem os teus berros vocês provavelmente já se teriam cortado às postas.
Várias repreendas depois, os quatro voltaram para o local inicial. Depois de tudo, os professores ainda iriam ter o seu duelo e os alunos de ambos ainda iam assistir ao mesmo: amarrados a postes, para evitar quaisquer “incidentes”.