A rapariga de cabelos negros A chuva fustigava o vidro gelado das janelas, mantendo-a acordada. Virou-se para o lado contrário. Não fazia questão de adormecer naquela noite. Na verdade, não lhe fazia qualquer diferença. Levantou-se e vestiu a primeira camisola que encontrou e as calças negras que repousavam na cadeira.
Abriu a porta do quarto, ignorando o ligeiro chiar que a porta de madeira emitiu, e caminhou até à saída da casa, sentindo o chão frio debaixo dos pés descalços. A roupa negra ajudava a misturar-se com a penumbra da noite sem qualquer dificuldade, algo que ela agradeceu interiormente. Assim que saiu para o exterior, o vento arremessou o seu cabelo em todas as direcções, há medida em que iniciou a sua caminhada despreocupada, sentindo as lágrimas do céu abaterem-se sobre si, colando-lhe a roupa ao corpo. Os seus pés guiavam-na lentamente em direcção à casa da avó, sem que Aruko tentasse mudar a sua rota.
Pára! O grito na sua cabeça acordou-a da espécie de transe em que se encontrava, fazendo-a estagnar. O som da chuva amplificou-se nos seus ouvidos, impedindo-a de ouvir até a própria respiração. Sentiu os pelos da nuca levantarem-se quando um arrepio lhe percorreu o corpo, fazendo-a olhar à sua volta freneticamente. Deu um passo atrás, antes de se impedir a si mesma.
O som de passos chegou-lhe aos ouvidos, fazendo-a virar-se na sua direcção.
Corre e depressa! Lentamente, viu três vultos indistintos aproximarem-se de si, ganhando pormenores há medida que a distância entre eles se encurtava.
- Uma menina perdida. – concluiu um deles, fazendo com que um novo arrepio a percorresse.
- Não sejas idiota, assustas a miúda.
O riso do primeiro homem, fez com que a morena desse um passo atrás. O mais alto dos três começou a andar na sua direcção, fazendo-a recuar, mantendo uma distância considerável dos três.
- Ela está com medo de mim – disse o homem de cabelos negros, fazendo os outros dois rirem. – Não precisas de ter medo de mim. Só te quero ajudar a encontrares o caminho de volta a casa. – completou numa voz que para ele devia ser convidativa, mas que nos seus ouvidos parecia um alarme estridente para que começasse a correr.
Controlando finalmente os seus próprios pés, deu meia volta e começou a andar em passo apressado pelo caminho de onde viera. As vozes e os passos dos homens continuavam desconfortavelmente perto, levando-a a começar a correr. O peso da roupa molhada fazia com que a sua respiração ofegante se tornasse ainda mais irregular, o som dos seus passos misturava-se com os sons provenientes dos que a perseguiam, igualmente em passo apressado, fazendo com que a pouca coerência que tentava manter se esvaísse cada vez mais depressa. Dobrou uma esquina e encostou-se à parede, cobrindo a boca com a mão, tentando abafar o som da sua respiração.
O bater de palmas ecoou nos seus ouvidos, fazendo-a virar a cabeça bruscamente. Para seu choque, não era um dos três homens que se encontrava ao seu lado. Uma rapariga da sua altura com cabelos extremamente lisos e negros e de olhos da mesma cor, fitava-a intensamente. Vestia um longuíssimo vestido branco simples de manga curta, que lhe cobria os pés sem qualquer dificuldade.
- Um nível de coragem impressionante, não haja dúvida. – disse sarcasticamente num tom suave, que provocou um novo arrepio à morena que a observava, embasbacada. – É isto que sabes fazer? Fugir?
Antes que pudesse responder, a voz do trio voltou aos seus ouvidos, desviando a atenção de Aruko para o lado contrário.
- Tu és uma ninja, certo? – questionou a rapariga, fazendo Aruko prender a respiração. – Neste momento não pareces. Escondida como uma criancinha indefesa. – as vozes estavam cada vez mais perto. Cerrou os dentes. – Se calhar eles tinham razão. Se calhar, o teu caminho não é este. Se calhar, devias estar simplesmente atrás do fogão. Estou errada...? Aruko-chan?
A morena virou a cabeça tão depressa ao som do seu nome que se surpreendeu a si mesma. Fitou a rapariga à sua frente, sabendo na perfeição que nunca a vira na vida, mas perturbada com o que ela acabara de dizer.
- Quem és tu? – perguntou num fio de voz, ouvindo as vozes dos homens cada vais mais perto.
Ela encolheu os ombros, desprezando a pergunta – É isto que és? Uma simples cobarde?
- Eu não sou nenhuma cobarde. – corrigiu Aruko secamente, sentindo uma onda de calor invadi-la.
A rapariga aproximou-se lentamente, parando a um palmo dela, fitando-a profundamente. Sabia que a outra podia ouvir a sua respiração acelerada devido à corrida e à perseguição, mas manteve o olhar de desafio, sentindo o seu orgulho ferido por aquela estranha que pelos vistos sabia mais sobre si do que admitia.
- Eles não concordam com isso. – retorquiu a rapariga de cabelos negros suavemente, fazendo com que ela olhasse por cima do outro, vendo os três homens parados atrás dela, sorrindo cinicamente.
Os seus pés obrigaram-na a permanecer parada e, apesar de sentir uma vontade desesperada de gritar, a sua voz parecia tê-la abandonado. Sentiu a chuva fustigá-la ainda mais fortemente. Aquilo não era bom. Nada bom. Um dos homens deu um passo em frente fazendo-a parar de respirar.
O som de algo metálico a cair, fez com que Aruko se voltasse para trás, apenas para ver um caixote de metal derrubado no chão.
Neste momento tens problemas maiores do que um caixote! Virou-se para trás, decidida a gritar por ajuda, quando para seu choque encontrou o lugar em que os homens estavam, completamente vazio. Virou-se para o lado contrário, à espera de ver a rapariga de cabelos negros a rir-se da sua estupefacção, mas também ela havia desaparecido.
Encostou-se à parede gelada, tentando regularizar a respiração sem grande sucesso. Não conseguia controlar os tremores que a percorriam, limitando-se a deixar-se escorregar até ao chão, enterrando o rosto nas mãos.
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- Não devias ter interrompido.
- Talvez. – concordou .
Nenhum deles continuou, limitando-se a caminhar. Os seus pés chapinhavam na capa de água que cobria o chão de pedra, fazendo com que ele sorrisse ligeiramente. – Mas tens que admitir que a minha interrupção teve um timing perfeito.
Sorriu. – Talvez. Apesar de cliché.
- Caixotes a cair nunca se tornam um cliché, meu amor.
O riso divertido encheu-lhes os ouvidos. – E agora?
Estacou, antes de sorrir friamente. – Tornamo-nos em simples clichés.
- Spoiler:
Depois de tanto tempo, finalmente um filler
Tenho andado ansiosa por esta cena
Espero que tenha valido a pena a espera ^^