Filler 14
Cemitério
Já se havia passado um dia desde o seu regresso a Kumo. Tentara não pensar durante praticamente o dia todo, mas tal tarefa mostrava-se impossível quando não tinha nada para se ocupar. Enquanto inspeccionava o tecto, deitada na sua cama, não conseguia parar de pensar naquele dia no hospital, logo após chegar a Kumo. Aquele beijo...
Virou-se na cama, acabando deitada de lado e ligeiramente encolhida, de frente para a janela enevoada do seu quarto. Não sabia como explicar aquele fascínio súbito que sentia em relação a Itari. Nunca antes o tinha visto, nem sequer o conhecia minimamente. O saber que não poderia contactar com ele nos próximos tempos fazia com que ela sentisse um aperto incómodo e doloroso no seu peito. No fundo, sentia-se incomodada por tudo isto. Como podia deixar que alguém exercesse tanta influência sobre ela? Um Tenjouno não se deveria render daquele modo, não quando não conseguia identificar o motivo por detrás da sua fraqueza. Apertou os lençóis fortemente entre os seus dedos, contraíndo o rosto com uma raiva que não conhecia como sendo sua. Que raio me estás tu a fazer...
-Posso?
Yuu levantou-se subitamente, surpreendida pela entrada não anunciada do seu pai no quarto. A sua reacção instantânea foi perguntar-lhe porque entrara sem bater à porta. Numa situação normal provavelmente não se teria importado, mas o estado em que se encontrava fazia com que uma acção daquelas lhe parecesse o maior delito à face da terra.
-Eu bati. Como não respondeste entrei... - Disse ele, olhando para a filha com desconfiança. Sabia que se passava algo, e sabia também que por muito que tentasse nunca conseguiria fazê-la falar.
Yuu sentou-se na cama, com os braços à volta das pernas que mantinha aconchegadas ao peito. Sentia o pai a olhá-la com alguma estranheza.
-Sempre vens comigo hoje?
-Aonde? - Inquiriu Yuu de imediato, movendo apenas os olhos em direcção do seu progenitor.
-Ontem pedi-te para reservares esta noite...
-Eu sei. Apenas quero saber onde pensa levar-me. - Yuu tentava manter o seu tom de voz o mais "normal" e calmo possível. Tarefa difícil, quando tudo o que queria era poder gritar a plenos pulmões. Deixar as suas frustrações libertarem-se de uma vez por todas.
-Um sítio que fica nas redondezas da Vila. Penso que é chegada a altura de fazer de ti uma mulher.
Ao ouvir isto Yuu alarmou-se de imediato.
-QUÊ?!? Mas eu só tenho 15 anos... - Reclamou ela de imediato, o pânico e o medo violentamente impressos na sua voz agora frágil. Hyun riu-se a plenos pulmões perante o alarme da filha. Era típico ela tirar aquele tipo de conclusões erradas das coisas que ele dizia.
-Nada disso Yuu, isso são coisas em que eu não posso interferir. Só quero mostrar-te algo que já deverias ter visto há muito tempo.
-Sendo isso o quê? - A voz de Yuu ainda soava ligeiramente amedrontada.
-Bem... Como sabes, quando eu estiver impossibilitado de continuar com o meu cargo... Terás de ser tu a assumi-lo. - Hyun, já tendo em mente que Yuu levantaria os comentários do costume, ergueu a palma da mão para lhe indicar que não o deveria interromper. Ao que ela obedeceu, apesar de a custo. - Como tal, penso que seja apropriado começar a passar-te o legado do Clã, fazer de ti uma líder adulta. Antes que seja tarde demais.
Yuu anuiu, sem saber bem o que dizer. Não se sentia nada confortável com aquela conversa, nem com a situação em que se encontrava cada vez mais envolvida. Sabia que não havia qualquer possibilidade de os seus pais voltarem a gerar um novo herdeiro, um homem. Tinha esperanças de que pudessem escolher outra pessoa, mas pareciam estar todos decididos a que a tradição deveria continuar a ser seguida, mesmo com uma anomalia como ela. A jovem kunoichi dava por si a amaldiçoar o seu precedente mais uma vez. Não deverias estar morto...
-Pai... - Hyun olhou a sua filha enquanto ela se debatia entre abrir-lhe a sua mente ou continuar calada. Como sempre, parecia levar uma eternidade para encontrar as palavras certas a proferir numa altura como aquela. - Tens a certeza de que não pode ser arranjada outra solução? Outra pessoa qualquer?
Hyun não lhe respondeu de imediato. Como poderia ele fazê-la entender que era aquele o seu dever, que era aquilo a que estava destinada? Não podia desrespeitar séculos de tradição apenas para satisfazer os caprichos dela. Não podia tomar uma decisão que não lhe cabia.
-É exigido que prossigamos com a mesma descendência na liderança. Nenhum dos outros membros do Clã, por muito fanático que seja, possui o mesmo património ou a mesma mentalidade que nós. Yuu... - Hyun colocou-lhe uma mão no ombro como forma de reconforto forçado, tentando mostrar-lhe que compreendia aquilo em que ela pensava. - Não és a primeira a passar por isto, nem serás a última. Não tenho grande escolha neste assunto, já deverias saber isso.
-Também deveria saber que essas lavagens cerebrais não me dizem nada. - Sussurrou Yuu de voz algo abatida, afastando-se da mão do seu pai como se o toque dele a tivesse magoado profundamente. Isto garantiu-lhe um suspiro cansado da parte de Hyun.
-Pelo menos vem comigo logo. Deixa-me cumprir o meu dever. Não volto a chatear-te com este assunto se fizeres isso.
Hm, já recorres à chantagem?, pensava Yuu em silêncio, reconsiderando o que deveria dizer ao seu pai.
-Posso pelo menos saber o que vamos fazer, já que não vou saber onde o vamos fazer?
-Preciso de te mostrar algo. E... - Atalhou ele, antes que Yuu voltasse a ter tempo de soltar sequer um pio. - Vai ser útil para o teu futuro, independentemente do que venha a acontecer.
-Mostrar-me o quê? - Insistiu Yuu, a curiosidade a aflorar-lhe a voz que, aos poucos, retornava ao normal.
Hyun suspirou, levantando-se e dirigindo-se em direcção à porta.
-Vou-te mostrar um cemitério.
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Pequeno fillerzito para marcar o "regresso"... Outra vez.
Mais uma vez não adianta muito da história (ainda). Essa só vai começar a ser desenvolvida dentro de algum tempo :p
Qualquer erro peço imensa desculpa. As usual, escrito no bloco de notas e sem revisão ._.