Corrida
Tenho um mau pressentimento. Os três colegas fitavam o professor que se mantinha em pé, a olhá-los com um sorriso rasgado e uma mochila na mão. Atsuko arqueou a sobrancelha, tão desconfiada como ela. Desde quando é que Tomoko estava tão sorridente antes de um treino?
— Prontos para passarem um óptimo dia?
— Desde quando é que achas que passar o dia connosco é um “óptimo dia”? — questionou a morena, fazendo-o rir, divertido.
— Passámos tanto tempo separados, por isso, preparei um treino muito especial que só vos vai dispensar à hora do jantar. — o sorriso dele expandiu-se, perante a expressão de desagrado da aluna.
Antes que a amiga pudesse ripostar, Atsuko pôs-lhe o braço por cima dos ombros, os olhos brilhantes de entusiasmo. — Vamos ficar super fortes para irmos ao próximo torneio Chunnin!
O riso do professor voltou a chamá-los à atenção, enquanto o homem depositava a mala no terreno relvado, tirando os pesos para os tornozelos cravados com o rótulo do 2Kg no exterior. Fazendo-lhes sinal para que se aproximassem, começou a prender um peso a cada perna dos alunos, verificando atentamente se estavam bem colocados.
— Muito bem, vamos começar com um pequeno aquecimento. — tirou um despertador do interior da mala negra, preparando-o para tocar em vinte minutos — Eu marquei um percurso para vocês percorrerem em vinte minutos. O último a chegar vai ter que repeti-lo novamente, mas dessa vez com os pesos dos outros dois somados aos seus. Ah, e têm que ir de ramo em ramo, senão não vão ver as indicações. — tocou no botão azul, dando inicio à contagem decrescente — Vão.
Sem precisarem de uma segunda ordem, começaram a correr em direcção à árvore mais próxima, concentrando uma maior quantidade de chakra nos pés do que seria normal, apoiando os pés no tronco. Aruko iniciou a sua subida à árvore, reparando que o tronco se havia deformado à sua passagem. Chakra a mais. Sem precisar de olhar para os lados para confirmar a presença dos outros, impulsionou-se no ar, diminuindo a concentração de chakra nos pés ao aterrar, para ter a certeza que não quebrava o ramo que a iria sustentar.
Assim que pousou na ramificação da árvore seguinte, impulsionou-se de novo, o próximo local onde aterraria perfeitamente claro na sua mente. Uma linha de árvores decoradas com lenços brancos assinalava o caminho a ser percorrida pelos três, a floresta húmida e cerrada protegendo-os dos fracos raios solares.
— Há muito tempo que não corríamos! — frisou o rapaz, fazendo-a revirar os olhos.
— Que pena. — o sarcasmo patente na sua voz fez o outro rir.
Ia deitar-lhe um olhar de repreensão, quando ouviu um crack do seu lado direito. Assim que fitou o local de onde o som viera, viu a loira mergulhar em direcção ao chão, o ramo onde se apoiara a cair com ela. Sem precisar de pensar, pousou na árvore que pretendia, mas desta vez, concentrando mais chakra nos membros inferiores, impulsionando-se de seguida em direcção ao chão, ouvindo o som de madeira a estalar por baixo dos seus pés. O impulso permitiu-lhe cortar o espaço que a distanciava da colega muito mais depressa, não tendo dificuldade em agarrar-lhe o braço. Concentrando uma enorme quantidade de chakra na mão livre e nos pés, agarrou-se ao tronco da árvore mais próxima, deixando-se deslizar até ao chão, a loira perfeitamente segura.
No momento em que os seus pés aterraram na relva, largou a colega que envolvia o estômago com o braço contrário ao que Aruko usara para a segurar.
— Usaste demasiado chakra quando aterraste. — explicou a morena, limpando o suor da testa devido ao esforço.
— Obrigado. — agradeceu a outra num fio de voz, a sua respiração entrecortada.
Aruko fitou-a por um momento, antes de expirar pesadamente e se baixar à sua frente, as suas costas voltadas para a rapariga.
— O que estás a fazer?
— Senão nos despacharmos, vamos ultrapassar o tempo que o sensei nos impôs o que nos vai render outra volta. Eu não gosto de correr, e tu, pelos vistos, não estás em condições para o fazer, portanto, despacha-te e sobe. — a loira permaneceu parada, fazendo-a revirar os olhos, exasperada — Hoje de preferência!
Quase a medo, Emi apoiou-se na colega, os seus braços magros resguardados pelo tecido lilás envolvendo-lhe o pescoço. Inspirando fundo, pôs-se de pé, o peso da colega fez com que as suas pernas gritassem em protesto. A ideia de correr com ela às costas tornava-se cada vez menos agradável.
Impedindo-se de pensar mais no assunto, concentrou uma quantidade de chakra muito maior do que ela estava habituada, antes de flectir as pernas e se impulsionar para cima. Assim que pousou no ramo pretendido, ouviu a madeira chiar em protesto mas recusando-se a ceder. Com um suspiro de alívio, por ter encontrado a quantidade de chakra a ser usado, continuou o percurso, colocando o máximo de velocidade que conseguia nos seus movimentos, desviando-se agilmente dos ramos que se entrepunham no seu caminho.
— Obrigado. — a voz da loira quebrou o silêncio que se instalara até ali. A morena sorriu.
— Já disseste isso.
Não obteve resposta nem se preocupou a estender o assunto. Ela não era a maior faladora que podiam encontrar e a Emi não parecia muito inclinada para dizer o que quer que fosse. As árvores passavam rapidamente por elas, a respiração da morena estava cada vez mais ofegante e o equilíbrio tornava-se cada vez mais débil devido à grande quantidade de chakra que libertava constantemente. As suas pernas estavam cada vez mais fracas e a garganta doía-lhe cada vez que ela inspirava. Se eu paro, já não me levanto… Quando é que esta merda acaba?!
Como uma resposta à sua pergunta, as árvores começaram a tornar-se cada vez mais escassas, dando passagem para a clareira onde haviam começado o treino. Agradecendo interiormente a Kami-sama, deixou-se aterrar suavemente no terreno, as suas pernas desistindo da luta naquele mesmo instante, deixando-a cair de barriga na relva húmida.
A voz do amigo soou indistinta aos seus ouvidos, o seu cérebro demasiado ocupado em exigir oxigénio numa tentativa de recuperar do esforço sobre-humano a que o seu corpo havia sido sujeito. O peso da companheira de equipa desapareceu, fazendo as suas costas gritarem de alívio.
— O que é que vos aconteceu?!
— Senti-me mal e estava prestes a cair no chão quando a Aruko-chan me ajudou e me carregou até aqui.
Podia até imaginar o ar de surpresa do amigo mas toda a sua atenção estava na sensação do oxigénio preencher os seus pulmões. Definitivamente, odiava correr.
— Estão atrasadas. — cortou Tomoko, fazendo Atsuko e Emi o fitarem surpresos.
— A culpa foi minha. — desculpou-se a loira.
— Para além disso, a Aruko trouxe a Emi-chan às costas, isso conta como uma segunda volta, certo?
Com esforço, abriu os olhos dando de caras com os sapatos do professor perto de si. O silêncio de deliberação parecia ridiculamente longo, talvez devido ao seu batimento cardíaco ainda estar descompassado. Não que isso lhe interessasse. A única coisa importante era a palavra que resultaria desse momento de mutismo.
— Muito bem, têm direito a um intervalo. Emi-chan, se não te sentes bem, é melhor ires ao médico e esqueceres o treino. Atsuko-kun, vem comigo.
Sem contestação, o rapaz seguiu o homem, deitando um último olhar de preocupação à rapariga, que se limitou a acenar, dissipando as dúvidas do rapaz. O som de ambos a afastarem-se, fez-lhe fechar os olhos. Com esforço, obrigou o corpo a erguer-se, sentando-se de imediato e apoiando as costas no tronco de uma das árvores circundantes. Os músculos das pernas pareciam ter entrado em greve, sem data para voltarem ao trabalho. Que óptimo.
— Porque é que te tornaste uma ninja?
A pergunta vinda do nada, levou-a a abrir os olhos, encarando a loira que estava sentada ao seu lado, os olhos fixos nos outros dois que lutavam com espadas e o seu braço ainda a cobrir o seu estômago. O silêncio abateu-se de novo sobre elas, antes da Emi o quebrar.
— É que a tua família tem um restaurante, certo? Tu podias ter seguido isso… pelo o que o Atsuko-kun diz, nem és má no assunto.
Os olhos escuros da morena focaram o amigo agora esparramado no chão, a espada longe do seu alcance. Sem hesitação, rolou sobre si mesmo, desviando-se de um pontapé do mais velho, apanhando a custo a arma antes de a elevar sobre a cabeça. Sorriu. — Eu fiz isso durante um tempo. Só que… não sentia absolutamente nada. — pausou, captando toda a atenção da sua ouvinte — Não posso dizer que adore a ideia de poder partir um braço a qualquer momento ou assim, mas… — o sorriso dela expandiu-se, a sensação de humidade nas suas mãos, apoiadas na relva, elevando-lhe o astral — aqui sinto um turbilhão de coisas. Aqui tenho algo que me faz tentar ser mais do que sou.
Não obteve resposta, mas também, não a esperava. Deixou a brisa lamber-lhe o rosto, voltando a fechar os olhos.
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— Comemos uma salada e temos que fazer flexões?!
— O teu momento heróico não durou muito, Aruko-chan.
Ela deitou-lhe um olhar irritado, recebendo como resposta um arquear de sobrancelhas que era sinal de que ela não tinha hipóteses para contestar. Expirando derrotada, deitou-se de barriga para baixo, posicionando-se na forma certa antes de esticar os braços e se elevar no ar. A contagem do professor era lenta e calma, ignorando por completo cada flexão que os braços dos alunos faziam.
A Emi tinha ido para o médico, deixando Aruko e Atsuko sozinhos com Tomoko, que se encontrava especialmente inspirado. O suor colava-lhe os cabelos ao rosto, perturbando-lhe a visão do chão. A sua resistência era quase nula quando comparada à do amigo, que não parecia minimamente com o exercício. Flectiu de novo os braços, antes de os esticar ao som da voz do homem.
— Quarenta e dois… Quarenta e três- Aruko-chan, se paras antes das cinquenta, recomeças.
O cérebro dela explodiu em contestação, obrigando os músculos dos braços a elevarem de novo os membros superiores. Eu. Odeio. Isto.
Assim que completou o exercício, deixou-se cair de barriga no chão, a respiração ofegante e os braços dormentes. O som de uma arma a ser desembainhada, fez com que todo o seu corpo se libertasse do torpor, e saltasse agilmente para a esquerda, desviando-se da kunai que ficara cravada no chão onde estivera até há segundos.
Sem precisar de outro aviso, a morena concentrou chakra na palma da mão, antes de fazer os selos necessários para ter a sua espada de água presente na mão. Girando-a habilmente, impediu a trajectória das cinco kunais que o professor enviara na sua direcção, tal como fizera ao aluno que as desviara com a espada que mantinha às costas.
Deitando um olhar ao amigo, piscou-lhe o olho, fazendo-o sorrir. Fazendo os selos necessários, fez com que a habitual névoa do Ninpou, Kirigakure no Jutsu, se abatesse sobre eles. Desviando-se com um mortal para trás de um novo conjuntos de kunais atiradas na sua direcção, assim que se assegurou que o mais velho não a conseguiria ver, desfez a espada de água e realizou o selo associado ao henge, tornando-se uma cópia exacta do amigo.
Sentindo a terra a amolecer por baixo dos seus pés, saltou para trás, concentrando a sua atenção nos sons à sua volta, os passos apressados do Atsuko a chegarem-lhe aos ouvidos. Sem hesitar, correu na direcção do som, vendo-se de imediato rodeada por clones do amigo. Sorriu. Às vezes era bom que ele a conseguisse ler tão bem. Seguindo as cópias, viu a figura do professor olhar em volta, o olhar de desprezo mais do que evidente. O clone mais próximo dele, fingiu desferir um pontapé, para de imediato ser desfeito com um simples soco. Os três que se seguiram não tiveram um fim muito diferente, e no momento em que o quarto se preparava para ter o mesmo desfecho, ela avançou na direcção do Tomoko.
Concentrando chakra no punho, desferiu um golpe na direcção dele, vendo o seu pulso agarrado a centímetros do rosto envolvido pela névoa. Sorriu. Feito.
Sem surpresa, viu o amigo surgir do nada, o pé embatendo fortemente contra o estômago do professor, desequilibrando-o e fazendo-o soltar o pulso. A surpresa demorou apenas uns segundos, tendo de imediato desviado de um novo pontapé que o aluno desferira contra si. Aproveitando a distracção momentânea e a névoa, Aruko realizou os selos para o Bushin no Jutsu, vendo uma cópia do igual ao amigo correr para o local onde ela estivera antes.
Embrenhando-se na névoa, e com o chakra concentrado nos pés, correu velozmente até se encontrar atrás do professor. Viu Atsuko levar um murro certeiro no rosto, e o clone desferir um pontapé na direcção da cabeça do homem. Viu-o agachar-se por instinto, e não pôde evitar sorrir. Silenciosamente, pregou uma rasteira ao mais velho, vendo-o cair para trás, o choque perfeitamente patente no seu rosto.
Desembainhando uma das kunais da bolsa que mantinha presa à coxa direita, colocou o joelho por cima do peito dele, e prendeu as mãos dele ao chão com a ajuda da mão esquerda, enquanto que a direita mantinha a arma encostada ao pescoço alvo do homem. O amigo sentou-se, o sorriso rasgado a deixá-los ver os dentes brancos e alinhados. Com dificuldade, fez um novo selo com a mão que mantinha os braços do professor imobilizados, dissipando a névoa cerrada, ao mesmo tempo que libertava o chakra dos seus pés.
— Estão a melhorar. — admitiu o professor, antes de sorrir divertido — Mas ainda estão longe de serem bons.
A morena sentiu o corpo por baixo de si desaparecer, deixando para trás uma nuvem de fumo. Tomoko surgiu do outro lado da clareira, a mochila onde trouxera o material, de novo às costas. O seu sorriso expandiu-se.
— Vamos?