A porta é aberta num ‘flash’

A sua respiração ofegante quase que ecoava por toda a sala. Vários rapazes e raparigas concentravam os seus olhares na face cansada e um pouco stressada de Zenosuke, que tentava agora acalmar-se e repor a sua postura. Bem... ao menos tinha chegado a tempo á aula. A pequena distração com a rapariga loira quase lhe custou uma represália do professor, que, felizmente, ainda não tinha chegado.

O jovem rapaz, fechando a porta atrás de si, desloca-se rapidamente para a sua mesa, sentando-se ao lado de dois outros rapazes seus colegas. Ambos conversavam de uma forma entusiasta. Contavam acontecimentos do dia anterior, gesticulando alegre e exageradamente, como se contando uma história para crianças. Bem, no fundo, era isso que eles eram… crianças. Tanto rapazes como raparigas punham a conversa em dia. A forma como o faziam era um pouco desordenada e barulhenta, embora tal já fosse considerado 'banal' nestas idades.
Era também possível verificar os vários traços de personalidade de cada aluno de acordo com a maneira como conversavam uns com os outros. Alguns se destacavam pela sua ‘extrovertência’, assumindo quase o papel de 'líderes', contrariamente a outros alunos, que se destacam pela sua ‘introvertência’. Era um cenário normal de mais um dia de aulas na Academia Ninja, na verdade, e era exactamente por isso que Zenosuke mostrava já uma indiferença total quanto a tudo o que se passava em seu redor no seu dia-a-dia. Estava distraído, apoiando a cabeça sobre a mão direita e sonhando acordado. Nesta fase, esta era realmente a única coisa que podia fazer enquanto esperava pela chegada do professor, uma vez que ninguém se dignava sequer a dirigir-lhe a palavra.

Ora nisso, a conversa é quase que abruptamente interrompida pelo som de uma porta a abrir-se, o velho som que já haviam ouvido tantas vezes os alunos ao longo do semestre. O professor havia chegado. De rompante, entra pela sala dentro, andando em perfil até á sua secretária com uma pequena pilha de livros debaixo do seu braço. Era um homem de aspecto jovem, o que espantava grandemente todos aqueles que o conheciam, considerando que se encontrava já na casa dos 40 e poucos anos, e nem um sinal de velhice se notava. O seu cabelo é ruivo, mais ou menos acima dos ombros, os seus olhos verdes, e a sua pele clara, já não falando do corpo musculado, e da sua estatura consideravelmente alta, tendo em conta a idade. Já não tinha sido a primeira vez que o chamavam de galã pelo seu aspecto formoso. Para além disso, este professor tinha muitas 'admiradoras secretas' no que toca às suas alunas. Provavelmente elas eram as únicas que amavam a escola, precisamente por poderem ter aula com o seu 'príncipe'.

“Bom dia, turma!” diz o professor, num tom alto, vivo, e um pouco alegre até, como era habitual.

“Bom dia, professoooooor!” responde logo a turma em coro, num tom igualmente alegre, excepto para Zenosuke, que continuava a mostrar a sua total indiferença.

“Ignorância com ignorância se paga.” dizia ele algumas vezes, como resposta ás muitas questões que lhe eram colocadas sobre a sua maneira de ser. Poder-se-ia dizer, até, que Zenosuke era já bastante maturo para a sua idade, não estando para ‘brincadeiras’ e coisas, na sua opinião, desnecessárias. Isto poderia ser visto como frieza, por parte de algumas pessoas, mas não… Zenosuke é, provavelmente, uma das pessoas mais bondosas e carinhosas à face da Terra. O único problema era ainda não ter tido oportunidade de o demonstrar. Limitava-se a refugiar-se no seu ‘mundo’, longe de tudo e todos. Depois de tanta solidão, já se tinha habituado a este tipo de comportamentos, tão ‘alienígenas’ aos olhos dos outros.

“Ora bem, temos muita matéria para dar hoje…” diz o professor, baixo, para sí mesmo, quase como se resmungasse, enquanto organiza a sua secretária com uma expressão séria na sua face, na qual é rapidamente esboçado um sorriso, de orelha a orelha.
“Tenho uma surpresa para vocês!” diz, estendendo o braço esquerdo em direcção á porta, o qual os alunos, surpresos, seguem, fixando os seus olhares na porta que o professor tinha deixado, curiosamente, aberta. Estaria alguém do outro lado?

“Hoje temos uma nova aluna, acabadinha de ser transferida para a nossa turma!” diria o professor, aproximando-se um pouco mais da porta. “Deem as boas vindas a Ayame!”
Proferidas estas palavras, entra na sala, em passos um pouco penosos, uma rapariga de cabelo louro, um pouco alta. Todos os olhares se concentram sobre ela, ESPECIALMENTE os dos rapazes, á excepção de Zenosuke, que olhava para o lado, distraído. Toda esta comoção abala um pouco a tímida rapariga, fazendo-a rebaixar ainda mais a cabeça de vergonha, sendo possível notar a sua face completamente vermelha.

“Uma nova aluna? Nesta altura do ano?” segredam alguns alunos entre si. “Ao menos podiam ter escolhido alguém mais bonito… e mais limpo!” segreda um dos rapazes, fazendo um comentário óbvio ás roupas ‘maltratadas’ de Ayame, assim como a testa esfolada, que tinha agora um grande penso, devido ao ‘bullying’ que sofrera cedo, nesse dia. Ayame ouve, e quase que começa a lacrimejar, embora capaz de conter o choro.

“Por favor Ayame, senta-te ali em cima, ao lado do Zenosuke. Vou só acabar algumas coisas que tenho pendentes, e depois já te podes apresentar ao resto da turma, ok?” diz o professor baixinho a Ayame, num tom amigável e com os olhos fechados. A rapariga simplesmente abana a cabeça positivamente, ainda com um ar entristecido. Vagarosamente, sobe as escadas até ao topo da sala, sendo obrigada a passar pelos olhares de desdém dos seus colegas.
Nesta altura, Zenosuke desvia levemente o olhar para a rapariga que subia agora as escadas, sendo atraído pelo barulho dos seus passos na madeira já um pouco desgastada pelos anos. No momento em que os dois olhares se cruzam, os olhos do rapaz abrem, completamente, de espanto. Estava incrédulo, quase como se tivesse visto um fantasma.

Era ela. A rapariga loira que tinha ‘salvo’ de manhã! Estava aqui, agora, na turma dele! Seria possível? Seria ironia, ou simplesmente o destino? Quem sabe… a verdade era que a misteriosa rapariga, de nome Ayame, estava ali, naquele momento, prestes a sentar-se ao lado de Zenosuke. Era fácil verificar que a rapariga fica tão ou mais surpresa quanto o próprio Zenosuke. Este, limitando-se a sorrir, faz sinal com a cabeça, para que a rapariga se sentasse. Por momentos, esta parece sorrir, surpreendendo Zenosuke. Era um sorriso tremendamente lindo, radiante. Tudo parecia estar bem, até ao momento em que os comentários recomeçam.

“Pfft, já só cá faltava mais uma esquezitoide…” comentam dois rapazes entre si, longe de Ayame. “Até óculos usa. Que nerd, coitada…” diz outra rapariga. “Esta nunca vai ter namorado.” comentam um grupo de três raparigas, as quais se consideravam as mais ‘sociais’ da turma.

Rapidamente, o sorriso de Ayame murcha, assim como o de Zenosuke, que era agora atingido por uma onda de raiva pela falta de consideração dos seus colegas, fazendo-o cerrar o punho, apertando-o como forma de conter a raiva que sentia. No entanto, acalmando-se, Zenosuke coloca uma mão amigavelmente no ombro da rapariga, que, mais uma vez surpresa, levante a cabeça de repente, e fixa o seu olhar no de Zenosuke.

“Está tudo bem…” sussurra o rapaz, num tom amigável e carinhoso, a sua especialidade. “… não os ouças! Ah, e prazer em conhecer-te, Ayame. O meu nome é Zenosuke.” acrescentaria o rapaz, no seu tom propriamente simpático. A rapariga estava ainda um pouco incrédula.

Esta seria provavelmente a primeira vez que alguém era tão simpático para ela…