O tinir do metal ressoava pela floresta. Ryoutarou e Leo continuavam a sua batalha, numa espiral indistinta de movimentos. Era como uma dança coreografada, com erros que podiam tornar-se fatais.
Kristea avançava em direcção a eles. Iriam parar, custasse o que custasse.
LafBael apercebeu-se da sua intenção e puxou-a para si, colocando os seus braços em volta dela:
- Nem penses em te aproximar deles!
- Eu tenho que os parar… E sou a única que o pode fazer! – argumentava a ninja, debatendo-se contra os braços marmóreos de LafBael. A sua resistência era inútil. Apenas conseguiria umas boas nódoas negras…
- Deixa-me ir! Vai tudo correr bem!
- Não!
- Vá lá! Não queres acabar com isto?
- Claro que sim. Mas não podes usar esse argumento contra mim. Sob nenhuma condição te deixaria ir!
Kristea bufou. Estava determinada em pará-los, mas LafBael era como uma estátua de pedra, incrivelmente fria e dura. Nada conseguiria debatendo-se contra aquela prisão viva e remotamente humana. Foi então que a sua mente clareou.
O som de uma bolsa a cair e de metal a espalhar-se pelo chão chamou a atenção de LafBael.
- Isto é teu, não é? – perguntou ela.
- Sim, é. Deixa-me apanhar tudo, por favor.
- Não vais tentar algo arriscado, pois não?
Kristea não respondeu, fingido estar subitamente interessada na frenética dança mortal de Leo e Ryu.
LafBael olhou-a, desconfiada. Ela estava a tramar alguma. Mesmo assim, deixou que ela apanhasse as shurikens e as kunais espalhadas pelo chão.
- Não tentes fazer nada. Eu estou atenta e impedir-te-ei – avisou-a.
A ninja baixou-se, recolhendo os objectos.
- Olha, o que me dizes a uma emboscada? Se conseguirem manter o Leo parado, eu consigo fazê-lo voltar ao normal. Ainda para mais, o sangue já foi limpo. Só preciso de queimar este trapo para o cheiro a sangue desaparecer – disse Kristea.
- O cheiro a sangue? Desde quando é que o sangue tem cheiro? – perguntou LafBael, confusa.
- Não consegues cheirá-lo?
- Não… Mas mostra aqui isso, que o queimo num instante.
Assim que agarrou o trapo ensanguentado, as suas mãos brilharam momentaneamente. Um fogo de mil tons de prata envolveu o pano, desfazendo-o a pó, que se espalhou pelo ar e desapareceu.
- Agora é a minha vez. Vai atacá-lo. Eu tento prendê-lo com o vento… Só espero conseguir… Ainda não estou muito habituada ao jutsu…
LafBael ia preparar-se para contradizer Kristea, mas esta acrescentou:
- Confia em mim. Eu não sou nenhuma fraca…
- Eu confio em ti… - disse então, afastando-se em direcção à batalha. Rapidamente entrou no ritmo alucinante, naquela dança mortal que se travava ali na clareira.
Kristea sabia o que tinha que fazer. Seria capaz? E se corresse mal? Não, apenas ela podia parar Leo. As palavras dele ainda ecoavam na sua cabeça e aquele momento sob o luar ainda fazia acelerar o seu coração. Respirou fundo e chamou Kaze. O espírito do vento fez mostrar a sua presença. E então Kristea gritou:
- Gogyou no Mai!
Correntes de vento enrolaram-se em volta da ninja, prontas a seguir a seguir as suas ordens. As mãos dela reagiram quase automaticamente. Os braços esticaram-se e ela cruzou os dedos, como que a cerrar algo. As correntes seguiram o seu movimento e aprisionaram Leo.
Ryu estacara, espantado com a súbita paragem de Leo. LafBael olhava para o anjo e para a ninja, esperando algo para fazer.
Kristea caminhava naquela direcção, com uma postura determinada e firme.
- Estás louca?! – exclamou Ryoutarou, lendo os pensamentos dela.
- Eu consigo – declarou ela.
- Não, não consegues. Pára já aí.
- Sai da minha cabeça! Eu vou conseguir!
Embora contrariado, Ryu calou-se e consentiu que ela se aproximasse, colocando-se numa posição defensiva.
Kristea parou a cerca de um metro de Leo. Tentou alcançar o seu olhar, mas este parecia querer evadir aquela aproximação. Então tentou outro método:
- Leo, sou eu, a Kristea. Está tudo bem, não é preciso estares assim.
Ele revelou-se impassível. Face a isso, ela tentou encurtar a distância que os separava, sendo parada por LafBael.
- Não permito que avances mais.
- Vai correr tudo bem. Eu acredito nisso. Deixa-me tentar, por favor.
LafBael afastou-se, dando-lhe apenas o espaço necessário para o encarar de modo seguro.
- Leo, por favor, desperta. Leo… - chamava-o a ninja. Esticou um braço para lhe tocar no rosto. Os olhos dele pareceram mudar de cor, o que a surpreendeu. Voltou a estender o braço e viu que Leo estava a tentar voltar a si.
- Leo! Por favor, volta! Está tudo bem…
Ele parecia estar numa luta interior contra si mesmo. Balbuciava o nome dela, como se isso o ajudasse a voltar.
Kristea colocou as suas mãos no seu rosto pálido e então Leo pareceu voltar definitivamente, debatendo-se contra as invisíveis correntes de vento.
- Eu liberto-te – disse ela, desfazendo o jutsu.
Uma súbita sensação gélida irrompeu no seu tronco. Dois gritos ecoaram nos seus ouvidos, enquanto se sentia desfalecer, sem soltar um gemido.
- VOU-TE MATAR, SEU…
- Tens consciência do que fizeste?!
Um estremecer fez Leo voltar a si. Ouvia os gritos das duas pessoas ao seu lado, sem compreender. Viu Kristea debruçada sobre si, como se a tivesse amparado. Afastou-a e viu as suas garras metálicas atravessadas no seu corpo. Havia perfurado o seu peito e quebrado o crucifixo que acompanhava a ninja. Uma lágrima quente escorreu pelo seu rosto, enquanto retirava a arma do corpo da rapariga.
- O que é que eu fiz? – repetia ele, em choque.
LafBael e Ryoutarou mantinham as suas armas junto dele, prestes a entrar em acção assim que ele a largasse. No entanto, ele abraçava o corpo dela com emoção e parecia não ter intenção de a deixar.
- Larga-a já! Não me faças enterrar as minhas unhas nesse teu pescoço enquanto a seguras! – ordenava LafBael, com uma expressão profundamente ameaçadora.
Leo continuava a abraçar o corpo inconsciente e morno de Kristea, balbuciando palavras incompreensíveis.
- SEU…! JÁ NÃO FIZESTE MAL QUE CHEGUE? DESAPARECE DA MINHA VISTA, ANTES QUE TE CHACINE AQUI E AGORA! – berrou uma voz masculina vinda das profundezas da floresta. O seu tom irado era inconfundível. Dirigia-se para ali a correr, para tentar ajudar a irmã antes que fosse tarde demais.
- Kris…tian… - murmurou Kristea.
Os olhares dos presentes focaram-se nela.
- Kristea? Kristea, por favor, não te deixes adormecer! – implorava Leo.
As pálpebras dela contraíram-se e entreabriram-se ligeiramente.
- Desculpa… Desculpa-me!
- Eu… - ia dizer ela, mas fora interrompida por um surpreendente beijo de Leo. Quando ele afastou o seu rosto do seu, murmurou mais um pedido de desculpas. O seu rosto cintilava devido às lágrimas, que caíam incessantemente. E então esfumou-se.
Ryu pegou em Kristea ao colo, tendo cuidado para que ela não perdesse mais sangue.
- LafBael, por favor, limpa o sangue dela. É demasiado arriscado deixá-lo aqui, à mercê daquele estupor – pediu-lhe, voltando-se para a floresta.
Duas silhuetas desenhavam-se por entre os longos troncos, tornando-se mais nítidas à medida que avançavam. Era Kristian e vinha acompanhado por um homem jovem, que fazia lembrar LafBael por causa dos seus olhos dourados. O seu cabelo loiro, quase branco, reluzia com a luz do sol, mostrando um brilho quente, que apenas acentuava o seu ar surreal.
- ShaBael! – exclamou LafBael quando o viu, debruçada sobre o sangue que escorrera do corpo de Kristea, tentando fazê-lo desaparecer. Não via o irmão há uns dias.
- Laffy, o que está a fazer? – perguntou ele, acercando-se dela.
- Não me chames isso!... – resmungou ela.
Kristian parou repentinamente em frente de Ryoutarou, algo ofegante da corrida. Olhou para a irmã, que tentava manter-se consciente a todo o custo.
- Vamos fazer assim – explicou Kristian. – Ryoutarou, tu vais ao céu e explicas o que aconteceu aqui a Kami-sama. Talvez ele possa dar uma ajuda caso aqui em baixo corra algo mal. LafBael e ShaBael, podem ir descansar. Agora isto fica ao meu encargo. Vou levá-la para a vila. Tanto quanto sei, têm uns bons ninjas médicos por lá…
O anjo passou Kristea para o colo de Kristian.
- Vai e salva-a antes que seja tarde demais – disse Ryu.
- Contamos contigo, não só como nosso mestre, mas também como nosso amigo – acrescentou LafBael.
Kristian anuiu e correu em direcção a Konoha com a irmã nos braços.
Não fora difícil encontrar o hospital, aquele edifício alto, algures no centro da vila. Foram rapidamente encaminhados a um quarto. E então levaram Kristea para o bloco operatório, deixando Kristian à sua espera no quarto.
Ouvira por várias vezes choros, gritos e lamentos no corredor. As horas pareciam durar uma eternidade, sem notícias por parte dos médicos. Aquele ambiente melancólico bloqueava-lhe qualquer tentativa de falar com a irmã por telepatia.
Duas vozes pareceram aproximar-se do quarto, mas tornaram-se tão inaudíveis quanto antes. Estar ali era desesperante.
- És o irmão daquela genin que entrou há um tempo para o bloco operatório, não és? . perguntou uma voz vinda da porta.
Kristian olhou na direcção da voz.
- Tsunade-sama… - balbuciou. Aclarou a voz e confirmou.
- Logo vi… Essa cor de cabelo é idêntica à dela…
- E como é que a Kristea está? – perguntou ele, com a voz repleta de preocupação.
- Está tudo bem com ela. Já está estável. Tiveram que me chamar para ajudar com a operação apesar de já lá estar a Sakura. Vários órgãos vitais foram perfurados e a operação foi bastante delicada.
Kristian suspirou de alívio.
- Mas há algo que gostaria de saber… - disse Tsunade, intrigada.
Ele fitou-a, como que aceitando a pergunta.
- A Kristea está a recuperar a uma velocidade impressionante. Por este andar, daqui a dois dias tem alta…
- Ah, é normal. Pelo menos, para mim e para ela. É por causa do nosso sangue – respondeu ele à questão subentendida de Tsunade.
- Sangue? – surpreendeu-se a Godaime. – Devem ter cuidado. Se o vosso sangue é assim tão especial, tenham atenção… Ouvi uns rumores de que anda para aí um vampiro… - aconselhou, fazendo uma pausa. E acrescentou, enquanto se virava costas: – Bem, o meu trabalho aqui está feito. É melhor voltar…
- Tsunade-sama! – chamou Kristian.
- Sim? – perguntou ela, voltando-se.
- Muito obrigado por tudo! – agradeceu, curvando-se.
- Oh, por favor… - disse, calando-se subitamente, olhando para o corredor. – A tua irmã vem aí. Cuida dela.
Assim que acabou de falar, uma maca entrou no quarto. Kristea dormia calmamente. Estava parcialmente ligada, de modo a se manter imóvel.
Após ficarem os dois sozinhos no quarto, Kristian observou o rosto sereno da irmã, enquanto reflectia um pouco. Custava a crer que a verdade até então escondida dela havia começado a ser revelada. A corrida pela salvação dos dois mundos ainda mal havia começado. Tinham que aproveitar aqueles pequenos momentos, pois qualquer um deles poderia ser o último.