E o caos se formou. Centenas de pessoas correram para a frente da loja, indo de encontro aos portões corrediços numa força desesperadora. Crianças choraram e seus pais, atônitos, só o que conseguiram fazer fora carrega-los para longe da turba que insistia em invadir a loja. –
Por aqui! Rápido! – O gerente da loja se aproximou, gritando aos clientes que acabaram de entrar, apontando na direção do balcão onde as primeiras pessoas já pagavam pelos dvds. Isamu e Karatsu praticamente foram empurrados contra a sua vontade, assustados como gatinhos perdidos e sem a mínima ideia do que acontecia naquele turbilhão revoltoso de consumo. –
São 100 ryos. – A caixa falou aos rapazes com sua voz rouca e nervosa, sob a confusão e o ruído metálico de centenas de batidas no portão.
Preço bem salgado. Mas sem perder tempo, os garotos retiraram suas economias dos bolsos e pegaram os dvds preciosos enquanto o gerente já ligava para os ninjas da Pedra para ajuda-lo a conter a multidão.
-
Katsu! Por aqui! – O ruivo puxava seu amigo que parecia hipnotizado com toda a
merchandise da loja. Os compradores agora eram direcionados aos fundos da loja através de um grande depósito de mercadorias que ocupava o quarteirão anterior inteiro. Por sucessivos corredores formados por inúmeras caixas de madeira pálida com códigos de barra tatuados em suas faces, o grupo de compradores acompanhava o funcionário quando finalmente alcançaram a grande porta dos fundos que já estava entreaberta. Seus olhos demoraram um pouco para se acostumar com o sol que incidia naquele beco largo e sujo, com algumas latas de lixo vazias e dezenas de jornais velhos que voavam com o vento. Ao longe, os clientes ainda ouviam toda aquela confusão na entrada e no alto, Karatsu e Isamu podiam jurar terem visto vultos ligeiros dos ninjas atendendo ao socorro do gerente.
-
Sigam pelo beco e vocês sairão na avenida principal. Foiumprazeratendêlosvoltemsempre! – Despediu-se o funcionário ao fechar o portão com bastante pressa.
Não era de se admirar que os cinquenta clientes estivessem atônitos e ao mesmo tempo felizes por terem tido a sorte de conseguir os dvds. Mesmo assim, a ideia de que estavam correndo um certo perigo naquele beco os impeliu rapidamente na direção apontada pelo funcionário. Rapidamente, os dois garotos ingênuos foram ficando para trás e só começaram a caminhar para a saída quando perceberam que estavam sozinhos em frente à saída de emergência. Nesse momento a adrenalina começou a deixar os dois garotos que se entreolharam e, chegando na rua principal, eles comemoraram: -
Yatta! Eles saltitavam com as sacolas à mão. Não existia felicidade maior para os fãs que sequer notaram que já estavam sendo observados por um grupo de
punks do outro lado da avenida que se acotovelaram em silêncio com um sorriso maroto no rosto, como predadores espreitando a presa distraída.
-
Tiramos a sorte grande, rapazes. – Comentou o que parecia ser o líder dos arruaceiros ao som de risadinhas maliciosas. Os Ishinokiba – ou Presas da Pedra – eram uma gangue que vinha dando trabalho na cidade de Iwa atualmente. Vestidos sempre com calças folgadas de kimono pintadas de preto e camisas com palavras de revolta, ou apenas palavrões mesmo, a maioria deles tinha seus cabelos espetados e usavam bastantes brincos na orelha esquerda. Quanto maior a quantidade de brincos, maior era o membro na hierarquia, mas o cara que acabou de indicar o alvo não tinha brincos suficientes na orelha para ser chamado de chefe... -
O Grande-Líder vai adorar assistir esse filme. – Festejou sabendo que aquele dvd o faria subir na organização. De repente até poderia ser chefe daquele bairro se roubasse esse disco tão procurado.
Já aquém do que se sucedia na retaguarda, os dois garotos caminhavam tranquilamente pelas ruas da cidade, passando de volta pelos comércios que já fervilhavam com os clientes e viajantes naquela manhã, mas quando resolveram atravessar um estreito atalho pelas vielas, algo aconteceu. -
Meus pais só voltarão em dois dias, você quer assistir ao filme lá em... – Karatsu interrompeu o que dizia assim que dobrou a esquina do corredor e tentou puxar o braço do amigo sem sucesso. Isamu, por sua vez, continuava a caminhar distraído, construindo em sua mente uma mentira elaborada para justificar sua fuga matutina aos seus pais.
Nani... – Nesse momento o ruivo trombou num dos três estranhos que vinham no sentido contrário e tentou se desculpar, mas assim que percebeu suas vestimentas, seu rosto se tornou pálido como uma nuvem.
-
Para onde esses franguinhos vão? – Perguntou o mafioso, ao mesmo tempo em que seus dois amigos afastavam-se dele para ocupar todos os espaços à frente dos jovens. O rapaz de olhos puxados estava apavorado e praticamente urinou nas calças quando mais três adolescentes se aproximaram pela outra extremidade do beco.
Parece que estamos ferrados! – Pensou enquanto tremia e suplicava para sair dali. Contudo, quando Karatsu já pensava em entregar tudo o que tinha – inclusive o dvd querido – ele viu seu amigo olhar para ele pelo canto do olho através daquelas lentes amareladas dos óculos.
-
Kagemasa número 37, Katsu! – Isamu gritou confiante. O amigo entendeu o plano e acenou com a cabeça quando o ruivo levou a mão livre à frente dos óculos e começou a discursar sob os olhos atônitos dos bandidos que não estavam entendendo nada. -
O vento carrega o choro dos fracos. Meu olho pulsa, dizendo-me para proteger os fracos... Quem sou eu? – Interrompeu enigmático.
-
O ninja... Evil Jammer Kagemasa! – Os dois meninos levantaram os braços e gritaram num uníssono estrondoso. Nesse momento a gangue chegou a se assustar, dando um passo para trás e ficaram surpresos ao ver que o ruivo da frente largara a sacola da loja no chão, saltando sobre eles num movimento bastante suicida.
Esse garoto é louco! – Temeu um deles. E enquanto o três da frente se preocupavam com o jovem que sacudia os punhos com muita coragem e confiança, mas nenhuma eficiência, Karatsu deslizava entre as pernas da turba e corria em disparada para a saída do beco à procura de ajuda. Como esperado, a estratégia do manga #37 funcionara. Agora Isamu teria que aquentar por alguns instantes até que a ajuda chegasse. Mas a realidade era bem mais cruel do que a ficção. Chegara a hora do menino aprender isso.
CONTINUA...