Hiyama Kyohei
Prólogo
Notícias Abafadas
- Han, han, han. Anda, corre! – Uma rapariga trazia o seu irmão arrastado pelo braço por uma rua de pedra deserta.
Guiando-se naquela noite de lua nova, a irmã mais velha quebrava uma das várias portas de madeira daquela rua e enfiava lá dentro o seu irmão. De olhar frenético varreu aquela casa de uma só sala à procura de algo que não encontrava. Com uma velocidade felina, agarrara numa das portas de papel e arrastara-a alguns centímetros, enfiou a cabeça dentro daquele armário e depois os seus braços, acabando por voltar a aparecer com o que eram vários cobertores em farrapos.
O irmão mantinha-se à porta à espreita. Estranhos ruídos faziam-se ouvir no local, mascarando a real situação. Entretanto, já a irmã mais velha armara um pequeno esconderijo. Arrancando parte do armário com uma força sobrenatural, sabe-se lá de onde ela a arranjou, criou um cubículo mínimo. Cabia lá, no máximo dos máximos uma criança pequena em posição fetal.
- Este cheiro...
- Sangue! - A palavra era repetida num coro desorganizado de vozes monocórdicas. Pareciam ser muitos, mas ao mesmo tempo pareciam ser apenas um único ser.
- Ali! - Gritava uma daquelas vozes. O coro era interrompido momentaneamente, para depois ser retomado num misto de "Sangue!" e "Ali!" interminável. - Kyo!
- Nee-san, aquilo vem aí! – Os ruídos que antes se ouviam eram gradualmente substituídos por gritos humanos de horror e dor e uivos animalescos de puro sadismo.
- Kyo! Depressa! – Notava-se a cara de pavor naquela face clara de tez pérola. A rapariga pegava no seu “maninho” e voltando a arrastá-lo, enfiou-o à força naquela toca de rato. – Fica aí! Fecha os olhos, tapa os ouvidos e cala-te! – Não deu chance de resposta. Tapou-o e abafou-o com os cobertores que reunira.
Os gritos e os uivos de antes, cessavam para dar lugar a um profundo silêncio…
Kumogakure, actualidade...
- Nome?
- Hiyama Kyohei. Está aí no papel... – Levantei-me um pouco para tentar mostrar onde estava isso no currículo improvisado que o meu irmão mais velho me ajudara a fazer. O homem, com os seus poucos cabelos que se esforçavam para tapar aquela nuca calva e com o queixo decorado por uma pequena barbicha negra lançou-me um olhar que logo me enviou para a minha cadeira de madeira fria, dura e apertada.
- Idade?
- 15 anos. –
Está aí no papel… - Resmunguei para com os meus botões.
- Formação?
- Escolaridade obrigatória… –
Pronto, agora vais voltar a ver-me dos pés à cabeça… Bingo!- Experiência em outros locais de trabalho?
- Nenhuma. – O homem voltou a analisar-me pela milionésima vez. Parecia-me que cada vez o trabalho estava menos garantido. Na cabeça amaldiçoei o meu pai e as suas brilhantes ideias.
- Acha que se encaixa neste trabalho? Exige dedicação, esforço, delicadeza e um respeito enorme às regras deste local.
- Claro home… - Não tive coragem de acabar aquela frase. Era a minha personalidade relaxada a falar mais alto.
Depois de me dar um discurso cheio de lenga-lengas, com avisos, cuidados a ter e misteriosas revelações da vida íntima do homem (desde a história do seu nome, Ermegildo, até à maneira como a sua segunda mulher o depenara no divórcio - atenção, está já divorciado da quinta - cheguei a pensar "coitado do homem".) Finalmente levou-me para fora daquele escritório abafado e regressámos à Biblioteca de Kumo. Quando voltei a ver as estantes que chegavam ao tecto do edifício, repletas de enciclopédias, bibliografias, romances e mistérios, entre outros milhares e variados livros com tamanhos múltiplos e de mil e uma cores, ia desmaiando só de pensar no que me meti. E pensar que isto tudo começou com uma simples conversa com o forreta do meu pai.
Não me levem a mal. Estimo o meu pai, como qualquer filho estima aquele que lhe deu vida e o tratou com carinho, respeito e educou por quinze anos. Mas eu já o devia conhecer e saber que naquela manhã de há uma semana em ele me chamou à parte, não podia sair coisa boa. O meu pai, pequeno camponês que casou com uma também pequena camponesa, mudou-se com a mulher para Kumogakure à procura de uma vida melhor. Igual a tantas outras histórias de emigrantes, foram tempos difíceis no início, complicados ainda mais pelo nascimento não planeado do primeiro filho. Atenção, não digam isto ao Sona, é o ponto fraco do meu irmão mais velho e o facto mais explorado em discussões contra o seu feitio teimoso e implicante. Com um filho por criar, o meu pai teve que procurar emprego além da vida agrícola e logo arranjou um part-time como marceneiro no que seria uma das poucas lojas de marionetas da vila. Nessa altura conseguiu equilibrar as contas, mas logo o segundo filho do casal nasceu, eu! Modéstia à parte, sou a obra-prima daquela mistura genética daqueles dois velhotes, nem o meu irmão mais novo, Aki, foi melhor concebido do que esta máquina que vos fala. Continuando com o pequeno resumo da história da minha família… Com mais um filho, o meu pai não tinha maneira de sustentar-nos e foi aqui que um milagre, ou desastre se preferirem aconteceu: a minha avó materna falecia por doença prolongada, deixando para trás o seu marido, já de idade algo avançada e a sua única filha, minha mãe. Sem outra hipótese e algo contrariado, há que se dizer, o meu avô mudou-se para a nossa casa ainda eu não tinha um ano. Foi com a sua ajuda e das suas economias que a casa voltou aos eixos por mais uns anos…
A história dita que a situação se manteve igual por alguns anos e mesmo com o nascimento do Aki, três anos mais novo que eu, nada mudou na família. Sempre fomos uma família poupada devo admitir. As roupas que usávamos pareciam ser passadas de homem para homem, Sona usa agora as roupas de solteiro do meu pai, eu as de Sona e Aki usa agora as que eu herdei e gastei, tenho mesmo pena do puto às vezes. Vá, muitas vezes.
Indo ao ponto da questão, com tanta economia na nobre casa de madeira que seis pessoas conseguiam coexistir sem ninguém se matar, o meu pai cedo pediu ajuda a Sona, ainda este não tinha dezasseis anos. Na altura, ele foi enganado tal como eu fui agora. Após o simples pequeno-almoço que a nossa mãe nos prepara todos os dias, o meu pai chamou-o a um canto, usando aquela cara séria que nós conhecíamos das nossas brincadeiras com finais infelizes. Não ouvimos um pio nos trinta minutos que eles se fecharam na sala e quando saíram, o meu irmão saiu porta fora de casaco na mão. Só voltou dois dias depois, de roupas gastas e rasgadas, barba por fazer e olhos cansados, mas ostentava orgulhoso um papel timbrado que o reconhecia como empregado de um bar. Por isso digo… Quando o meu pai me chamou após eu acabar a minha singela torrada com manteiga, devia ter adivinhado o meu triste fado.
Mesmo assim, desta vez foi diferente do que com Sona. Aki tem agora doze anos e, numa tentativa de fazer dele alguém, os meus pais inscreveram-no na Academia Ninja aqui de Kumogakure. Era por causa dele que eu estava agora aqui, na Biblioteca de Kumo, numa entrevista para Aprendiz de Bibliotecário, como o meu pai e o Encarregado me tinham corrigido várias vezes. Para se conseguir comprar equipamento decente para o mais novo da família, o meu pai, juntamente com a minha mãe, o meu avô e até Sona, decidiram que era altura de eu começar a procurar ocupação e que desse rendimento é claro. Com quinze minutos de conversa privada, em que o meu pai me sentou no sofá da nossa sala e me deu um discurso sobre pássaros que cresciam e em grandes ajudavam depois os seus pais – vá-se lá entender – dava-me um envelope com as indicações para a entrevista de emprego aqui na Biblioteca. Acho que já se sabe como isto correu…
Para minha surpresa, o homem calvo mudava completamente de personalidade após sair do cubículo que era o seu escritório. Cá fora, era amável, extrovertido e com um excelente sentido de humor, ao qual se juntava uma boa dose de conhecimento de piadas extraordinárias, que fazia qualquer pessoa sentir-se em casa ou entre amigos. Foi a rir que ambos chegámos ao balcão de atendimento da Biblioteca, onde fomos recebidos pela cara simpática, mas algo espantada do idoso de oitenta e poucos anos que eu deveria substituir daqui a um ano.
- Este é Tohma, o nosso Bibliotecário. Está cá dos tempos que eu ainda não era vivo! - Claro que fiquei de olhos esbugalhados para o homem. Além das suas claras rugas, manchas e olheiras da sua idade avançada, não esperava que aquele homem fosse uma peça de museu tão antiga como certamente alguns dos livros que guarda aqui. - Ele irá guiar-te neste teu ano de aprendizagem para, tal como te disse antes, o ires substituir.
- Boa tarde Tohma-sama. - Cumprimentei-o cordialmente, uma pequena vénia seguida de um aperto de mão que o próprio velho logo exigira com a sua mão. O peso da sua experiência era terrivelmente notório pelos calos e pele dura que a sua mão tinha. - Espero aprender muito consigo.
- Oh oh, meu rapaz, vais ver que aprendo eu mais contigo do que ao contrário. - Respondeu-me com pequenas gargalhadas misturadas com tosse.
Estivemos na conversa durante mais algum tempo, até Ermegildo-kun, como me pedira para o tratar, me disse a que horas eu deveria apresentar no dia seguinte e me dispensou para ir para casa dar as boas notícias...
O caminho para casa era relativamente curto, talvez quinze minutos a andar normalmente, mas com a excitação de ter arranjado o meu primeiro trabalho, ou corri sem notar ou então o meu relógio enganou-me e eu apenas demorei quatro minutos! Logo ao chegar estranhei algo. A porta de entrada estava aberta como se convidasse toda a gente na rua a entrar. Não era hábito da nossa família e por isso aprecei-me a pegar num pau que estava na rua. Cuidadosamente, pé ante pé, cheguei-me à soleira da porta só para ouvir gargalhadas! Deixei logo aquelas ideias malucas de um ladrão ter entrado por ali adentro e prendido quem estivesse lá, apenas para ver como a minha família festejava à volta de Aki. Só quando Sona se chegou ao pé de mim para festejar comigo é que finalmente ouvi a tal notícia.
- O Aki vai graduar-se como Gennin de Kumo!_____________________________________
O primeiro filler que faço com a personagem que criei a vários meses.
Decidi tentar inovar um pouco, estou influenciado por alguns livros que li durante esta pausa, mas gostei do resultado final neste filler. Aviso já, a breve história do meu personagem irá ser editada, porque decidi dar-lhe uma graduação a Gennin algo... original.