- Citação :
- - Deixa-me ver. - pediu o Kage antes de pegar na radiografia e a analisar contra a luz. Após um único relance, Okashii não conseguiu conter um ligeiro sorriso antes de murmurar: "Interessante, parece que temos mais uma Kaguya na nossa vila".
- Kaguya? - repetiu um dos médicos de olhos esbugalhados. - Pensei que esse clã tivesse sido extinto há alguns atrás.
- Teoricamente sim mas ainda existem alguns espalhados por aí e, de tempos a tempos, temos a sorte de os receber na nossa vila. - esclareceu o Kage, pousando a radiografia e olhando agora directamente para o corpo da paciente: as marcas negras no seu corpo eram bem visíveis, provavelmente resultado da sua passagem pelas zonas mais rochosas do oceano, e a sua pele encontrava-se exageradamente seca devido à exposição prolongada a elevados níveis de salitre. - Qual foi o tratamento que já lhe deram? - inquiriu Okashii, dirigindo-se novamente para os médicos ali presentes.
- Não conseguimos analisar os danos devidamente portanto limitámo-nos a aplicar o tratamento básico, como restabelecer os líquidos no corpo e tratar das feridas mais superficiais.
- Deve ser o suficiente, os usuários do Shikotsumyaku têm uma constituição óssea mais resistente do que o normal portanto ela deverá ficar bem. - declarou o Mizukage, ajeitando ligeiramente o seu cabelo com uma das mãos. - Se não ficar, será uma pena para a nossa vila... - sussurrou o homem falando para si.
- O que disse, Sr.? - questionou um dos cirurgiões, pensando que Okashii havia falado para si.
- Nada. - desviou o líder de Kirigakure. - Dêem-lhe repouso durante o tempo que for necessário e quando ela acordar digam-lhe para se encontrar comigo no meu escritório. - terminou, virando costas e abandonando o local com a mesma subtileza com que tinha entrado.
[Dias mais tarde...]
Num dos muitos quartos do hospital de Kirigakure, Tanya acordava finalmente após um longo e profundo sono. Ainda sem ter noção de onde estava ou do que lhe tinha acontecido a rapariga tentou levantar-se mas uma tontura mais forte acabou por a derrubar novamente e fê-la desistir da ideia de se levantar. Olhou em seu redor e, tendo em conta a pobre decoração e o trabalho básico de pintura que o local apresentava, supôs que deveria estar numa qualquer espécie de hotel barato ou instalação médica. Reparou também no grande espelho que estava pendurado na parede à sua frente e aproveitou a oportunidade para se admirar: a sua cara não me estava no seu melhor estado mas aquilo que mais a incomodava era o facto de não ter a sua face pintada como era habitual, com dois pontos vermelhos na testa e uma linha bem carregada da mesma cor nas pálpebras inferiores, contrastando assim com o verde dos seus olhos. Por qualquer razão que não lhe era conhecida, os seus pais sempre a pintaram assim desde que era pequena e, mesmo agora que já estava um pouco mais crescida, não conseguia passar um dia que fosse sem utilizar essa mesma maquilhagem.
- Ah, parece que acordou finalmente. - disse a enfermeira com um semblante simpático, entrando de rompante no quarto e interrompendo a auto-admiração de Tanya. - Como se sente?
- Ligeiramente tonta. - retorquiu a rapariga, esforçando-se por retribuir o sorriso à sua cuidadora. - Onde estou e como é que vim aqui parar?
- Está no hospital da vila de Kiri e foi encontrada à deriva no oceano por uns pescadores e eles trouxeram-na até cá. - informou a mulher, ajudando Tanya a levantar-se lentamente. - O Mizukage Okashii já esteve aqui a vê-la e pediu que se dirigisse ao seu escritório assim que pudesse. - a Kaguya não parecia muito animada com a notícia e limitou-se a anuir com a cabeça. Não sabia se seria boa ideia encontrar-se com o Mizukage e temia sobretudo as consequências que daí podiam advir mas estava demasiado cansada para reflectir sobre assunto com a clareza necessária que este exigia portanto optou por deixar-se levar pela corrente de acontecimentos, da mesma forma que anteriormente se deixara arrastar pelo corrente marítima.
Após o almoço e mais algumas horas de repouso, Tanya decidiu que estava na hora de responder ao chamamento do Mizukage e foi-se arranjar para sair. Começou por tratar da maquilhagem e passou depois para o penteado, o qual à semelhança das pinturas faciais lhe havia sido enraizado pela educação dos seus pais, caracterizando-se sobretudo por uma espécie de risca ao meio em ziguezague e por amarrar um pequeno tufo de cabelo do lado direito com uma mola encarnada. Aproveitou também para escovar suavemente os cabelos que lhe caíam um pouco abaixo do nível do pescoço e depois passou para a escolha da indumentária: como lhe era habitual, após sufocar bem os seus peitos com fortes ligaduras, optou por vestir um top e calças pretas, agasalhando-se de seguida com um leve e confortável casaco branco que lhe caía até sensivelmente o nível dos joelhos. Com quase todos pormenores finalizados, só faltava fazer uma coisa: sorrir. Olhando-se ao espelho, Tanya forçou um sorriso com ambos os indicadores na esperança que isso lhe trouxesse algum ânimo e saiu do hospital, partindo em direcção ao escritório do homem que teoricamente protege e governa aquela vila escondida no nevoeiro.
Mal colocou um pé no passeio húmido, a kunoichi reparou imediatamente nas escuras nuvens que bloqueavam qualquer raio de sol e lembrou-se do quanto gostava de ficar sob as gotas de chuva durante horas e horas na altura em que ainda vivia pacificamente com a sua família. Naquela altura tudo era tão simples e agradável que apenas os dias chuvosos eram capazes de a fazer recordar o quanto a vida poderia ser difícil, somente esses momentos a faziam valorizar tudo o resto. No entanto agora tudo era diferente, tudo era tão cinzento e monótono que os dias de chuva passavam despercebidos como qualquer outros. Foi com esses devaneios em mente que a rapariga percebeu o quanto estava agarrada ao passado, inevitável e desesperadamente presa a algo que já não existia. E ao avistar o edifício mais imponente de Kirigakure a poucos metros de si, passou-lhe pela cabeça uma ideia que iria definir o seu estilo de vida a partir desse momento e que nunca tinha sido tão clara na sua mente: no aqui e no agora ela era livre. Repentinamente, um sorriso genuíno invadiu a face da kunoichi e esta concluiu a sua caminhada até ao edifício do Mizukage dando pequenos pulos como se fosse uma criança, quase como se de um momento para o outro o fardo que carregava nos seus ombros tivesse desaparecido e ela se sentisse capaz de voar mais uma vez.