- Para te tornares o devido sucessor precisas primeiro de possuir dentro de ti os espíritos de todos os que te antecederam, através disso conseguirás reinar com estabilidade... - Uma voz distorcida falava aquelas palavras dentro da mente de Zehel como um sonho muito corrompido na mente do rapaz.
*bip bip* Um barulho abafado soava nos seus ouvidos tomando consciência após aquele sonho meio estranho, na verdade ele sabia muito bem que aquelas tinham sido palavras ditas por Mira antes dele perder a sua última memória. A cabeça dele doía como uma noz a quebrar sobre a pressão de um instrumento a esmagá-la, sem conseguir ainda abrir os olhos sentiu o seu corpo totalmente drogado e rebelado contra a vontade do seu cérebro, por muito que tentasse o seu corpo não lhe queria dar o mínimo de ouvidos. Nada respondia aos seus comandos, mesmo estando consciente não conseguia fazer nada. *bip bip* Continuava um som agudo e continuo agora mais estridente ressoando no ouvido do rapaz.
- Huaaaaa - urrou ao sentir a dor trespassar-lhe o peito, sentia quente, frio, vazio e cheio ao mesmo tempo. A dor era tal que quando o atingiu ele teve dificuldade em manter a sua consciência.
- Tem calma. - falou uma voz feminina muito suave e harmoniosa afagando a testa do rapaz ali estendido e envolto em ligaduras. No centro do seu peito as ligaduras outrora brancas apresentavam-se agora manchadas de sangue escurecido pela coagulação.
- Respira com mais calma e tenta acalmar o teu corpo, só vais piorar a dor se continuares a tentar contrariar o teu corpo.
Zehel nunca ouvira aquela voz na sua vida ficando ainda mais desconfiado sobre o que se estava ali a passar. Teria sido atacado sem saber e sujeito a algum tipo de experiência macabra pelas garras dos cientistas da Hantã no me.
- Acalma-te. - voltou a dizer a voz feminina ecoando abafada nos ouvidos do rapaz que perdera de novo a consciência por continuar a forçar o seu corpo.
-----------------------------------------------------------------------------------------
De novo o som de vozes ressoavam no interior da mente de Zehel agitando o estado de inconsciência em que ele estava mergulhado. Todas falavam ao mesmo tempo e nenhuma se conseguia entender no meio da confusão. A intensidade delas ia aumentando cada vez mais ficando mais alto nos seus ouvidos até se tornarem num zumbido agressivo e irritante, o tom do zumbido não alterava, mantinha sempre o mesmo tom vibrando nos tímpanos dele com enorme intensidade fazendo a sua cabeça chegar ao ponto de quase rebentar.
Com um inspirar agressivo tudo terminou, o shinobi abriu os seus olhos finalmente, tinha a respiração acelerada e o suor escorria pelo seu corpo semi nu e coberto de ligaduras. Tentando acalmar-se e recompor a sua respiração tentou relaxar os músculos tensos com o ganhar agressivo de consciência, a sua língua parecia estranha, como se não pertencesse à sua boca, estava estranhamente adormecida. Sentia o pulsar violento do seu coração nos ouvidos como se estes estivessem a inchar e a desinchar ao mesmo ritmo que o seu órgão.
- Então acordas-te. - falou determinada uma voz feminina totalmente desconhecida ao rapaz. Sem se preocupar com a dor, a cabeça de Zehel moveu-se rapidamente para a direita fazendo os seus olhos focarem-se na fêmea que estava sentada ao lado da sua cama.
- Quem... - falou com esforço apenas conseguindo vocalizar a palavra com rouquidão sentindo as suas cordas vocais a arranharem.
- Terás tempo para me conhecer uma vez que não me posso separar mais de ti. - afirmou a rapariga muito firme nas suas palavras.
Parecia ser de estatura média, porém era magra, os traços femininos ainda pouco definidos davam-lhe a aparência de uma rapariga de 14 ou 15 anos. A sua face e pele era branca como a neve e quase que brilhava naquela divisão mal iluminada. Os olhos dela, verde azulados, esses sim emanavam um brilho no meio da escuridão que Zehel podia jurar que eram responsáveis por uma parte da iluminação da divisão. Em conjunto com os seus cabelos longos e lisos de cor quase branca, tão grandes que caíam dos ombros da rapariga até passar o assento da cadeira onde repousava o corpo da rapariga. Trazia apenas um fino vestido branco com linhas azuis a atravessarem-no em cruz, o qual não lhe chegava a cobrir os joelhos. O rapaz não sabia muito bem o que dizer, na verdade não conseguia falar muito também. A dor no seu peito parecia piorar a cada inspiração que ele fazia, sentia que o seu peito tinha sido aberto e havia algo mais que o incomodava dentro deste, porém ele não sabia o que. Uma questão continuava a martelar no seu cérebro, a resposta que a rapariga lhe dera não lhe saciara a sua curiosidade, porque não se podia ela separar do herdeiro.
- Isso é porque eu estou dentro de ti seu idiota. Bolas será que és tu mesmo o herdeiro certo? - A face da rapariga abateu-se em desespero ao perceber que o rapaz que tinha à sua frente não fazia ideia do que se estava a passar.
Ela tinha razão num ponto, ele não fazia ideia do que se estava a passar, não se conseguia recordar de nada do que tinha acontecido antes de acabar naquela cama. Esforçando-se por lembrar o que tinha acontecido a cabeça do kendoca voltou a arder-lhe em dor como que lhe dizendo para não se aventurar nessas águas.
-"Mas que raio!?!?" - pensou Zehel confuso pela rapariga lhe ter lido os pensamentos.
- Eu já te disse não já, eu estou dentro de ti, porque ficas tão surpreendido? - a loira continuava a acertar nos pensamentos do kiri-nin isso era estranho demais.
- "Porca." - pensou o rapaz olhando para a rapariga que tinha à sua frente.
A rapariga logo se levantou com um olhar ameaçador na face, sentindo-se ofendida. Parecia pronta a qualquer momento dar um enxerto de porrada no shinobi mesmo estando ele ali deitado e em estado de repouso.
- Que ultraje, é assim que tratas as pessoas que acabas de conhecer! - reclamou a rapariga assim que se levantou revoltada.
A expressão de espanto formou-se na cara de Zehel assim que ela reagiu daquela maneira, ela conseguia mesmo perceber o que lhe ia na mente, será que ela estava mesmo dentro dele. Aquilo podia ser muito mau, já não bastava ter Noche a controlar sempre tudo o que ia na sua mente agora também aquela misteriosa rapariga podia ouvir o que lhe corria na mente.
- Só consigo ouvir aquilo que tu falas dentro da tua mente, uma comunicação telepática, por isso não te preocupes não consigo invadir a tua privacidade... E acho que também não quero... - referiu a rapariga com um certo desdém do rapaz que tinha à sua frente.
O som da porta de madeira a abrir-se de repente assustou Zehel que não estava à espera daquilo. Atravessando o quarto a mão de uma rapariga pegou num pano e afastou-o deixando a luminosidade entrar através de uma janela. Estava numa sala do palácio de Valeria, ele conhecia aquele estilo de construção, aquilo deixava-o mais descansado. Ainda não se conseguia levantar para ver tudo ao seu redor, mas conseguia ver as pernas altas do móvel que segurava uma máquina que emitia um constante ruído.
- Bem tudo parece estar bem, tu também já acordas-te por isso parece-me que a tua recuperação vai terminar não tarda nada. - falou ela secamente, sem exprimir nenhuma emoção.
o lado dele Ivy apareceu ajustando a máquina para que o som não fosse tão intenso, era ela que tinha ficado responsável por cuidar de Zehel enquanto ele estava em estado de inconsciência... De novo. Trazia uma calças castanhas que lhe ficavam muito bem com a camisola de estilo chinês amarela fechada por botões chegados ao lado esquerdo do tronco.
- Tsc, tem de me calhar sempre a mim. - reclamou a rapariga insatisfeita pela tarefa que lhe era continuamente atribuída.
- Não te queixes que tu gostas. - provocou o kiri-nin esforçando a sua voz tentando endireitar o corpo. A dor percorreu-lhe o corpo, mas ele inspirou fundo suportando-a, não ia ficar deitado eternamente. Com o tronco direito a sua voz parecia sair mais facilmente, não tinha de esforçar tanto os pulmões a expelir o ar.
- Quantos dias se passaram? - perguntou olhando para a cadeira onde a rapariga loira se sentava. Ela manteve-se muda, sem responder uma palavra que fosse à pergunta do kiri-nin. Ele ia perceber o porque.
- Estás bem? Para quem estás a perguntar isso? - perguntou preocupada Ivy pegando no queixo do rapaz forçando-o a olhar para ela de modo a permitir-lhe verificar as pupilas deste. Um pouco confuso com o que se estava a passar o rapaz tentou disfarçar um pouco sorrindo falsamente dizendo que lhe tinha apenas dado uma dor e que fora obrigado a olhar para o lado direito.
- Cada vez ficas mais estranho... Nem sei porque me dou contigo... - declarou Ivy começando a abandonar o quarto.
Quando ela saiu o silêncio abateu-se na divisão, Zehel ficara a olhar para baixo tentando arranjar uma explicação para aquilo e a rapariga nem a boca abriu para falar.
- Ela não te viu? - perguntou o rapaz tentando confirmar a sua suspeita. A rapariga parecia um pouco desconfortável por ter feito Zehel parecer um idiota a falar com o ar.
- Não, só Zetsubõs ou quem eu autorizo me conseguem ver... - esclareceu ela mantendo a cabeça baixa.
- Podias-me ter dito isso logo do inicio. - afirmou rindo o rapaz. Uma gota de água escorreu pela face da menina e caiu na mão fechada dela que agarrava a ponta do vestido com força.
- Heeee, que se passa? O que fiz eu? Porque choras? - questionou o kendoca um pouco desconfortável por ter feito a rapariga chorar.
Limpando as lágrimas do rosto a menina começou a contar o porque de ter começado a chorar. Aparentemente umas linhagens antes da de Zehel o herdeiro passou pelo mesmo procedimento que Zehel, sendo a rapariga colocada e sincronizada com o interior do antigo herdeiro. Porém quando ele acordou não se deram bem e ele recusou admitir a existência da rapariga, essa fora a razão pela qual o clã tivera entrado na decadência. Sem o espírito presente Valéria começara a tombar e o clã a ficar reduzido, inúmeros chegaram mesmo a deixar de querer pertencer ao clã devido à sua decadência. E tudo começara pois o herdeiro pensara que ela era só um produto da sua imaginação, acontecera de maneira semelhante ao que se tinha passado entre Zehel e Ivy. O herdeiro tinha passado por maluco e no momento em que contactou com outros do clã já o espírito estava selado sem poder sair da sua prisão até ser solto pela vinda de um novo herdeiro.
Ainda havia muito por descobrir acerca do seu clã, mas agora com o espírito da rapariga que perdurara durante inúmeras gerações, quem sabe se Zehel não teria agora uma chance de reconstruir o seu clã e Valéria. Porém as aventuras do herdeiro acabaram agora de começar e cada vez mais da sua história ele irá descobrir.
Continua