Assombração antiga

A história que Gaina contou parecia surreal na mente de Katsu. Era facto que não se lembrava da sua família e que, para ele, a sua vida começou no dia em que acordou e viu Kimera a cuidar dos seus ferimentos. Era o que fazia sentido para ele, era no que acreditava nos quatro anos que se seguiram. Em todo esse tempo, sempre foi Katsu Imagawa, adotado do clã Imagawa e potencial novo líder, se não tivesse sido capturado por aqueles traidores dos Kumokira. Nesse tempo todo, sempre ocupado com os problemas do seu clã, em fugir de Kiri ou atarefado com as constantes missões da Akatsuki, nunca parou para pensar em quem realmente era, no que havia acontecido antes de Kimera ter surgido na sua vida, se já não fazia parte dela antes. Sempre esteve consciente que não era o Katsu Imagawa que ele dava a conhecer, e finalmente a sua teoria estava confirmada…
A líder da organização parou de falar, pousando suavemente um segundo pergaminho na mão de um atónito Katsu. O seu olhar não era capaz de encontrar a preocupação de Gaina, que o via, acima de tudo, como um amigo com quem se preocupava e queria o melhor. Ela sempre teve esta amabilidade para com a raça humana, talvez todos os deuses fossem assim, especialmente aqueles que pareciam estar a passar um trauma psicológico como o seu subordinado.
- Achei importante contar-te a verdade. Parece-me que ninguém o havia tentado… - Justificou-se a loira, retomando o seu lugar na poltrona atrás da secretária e perscrutando o imóvel Imagawa, como se a culpa de ele não saber a verdade de si fosse originalmente dela.
Ele manteve-se calado por minutos, os seus dedos a baterem nervosamente sobre a perna, a única prova de que aquela estátua estava viva. Pensava em tudo o que lhe fora contado e no que lera: a organização responsável pela sua quebra de memória, a Shin no San; o facto de ser Tsutao Uchiha, um dos principais ratos de laboratório da maldita organização; dos seus pais estarem mortos, tal como ter um irmão ainda vivo de localização desconhecida; da Kimera ser a mercenária contratada para o matar, acabando ironicamente por ser a sua salvadora; de ter sido um dos portadores do Sharingan, habilidade agora inexplicavelmente inutilizável… Ainda havia muito mais, mas cada novo pedaço que sabia sobre o seu passado menos queria acreditar nele, mesmo que algo no fundo lhe dissesse que tudo era pura verdade. Não se sentia abalado por saber a morte dos seus pais ou surpreso por ter um parente de sangue vivo, pois como não se lembrava de nenhum deles era impossível sentir qualquer coisa por tais acontecimentos. Contudo, o facto de Kimera ter sido a mercenária contratada para o matar e ela não lhe ter contado nada, salvando-lhe a vida ao invés, prova que ela sabia demasiado e que nunca teve intenções de lhe contar. Uma inexplicável raiva inflamou-lhe o peito…
Por fim, Katsu mostrou sinais de estar presente na sala. O seu olhar pétreo encontrou-se com o de Gaina, que até então não parara de observar o seu comportamento.
- O… - A voz escapou por breves momentos, como se ainda não tivesse preparado para falar sobre o assunto. As emoções que corriam no seu corpo eram tantas e tão diversificadas que entupiam-lhe a garganta, custando-lhe a sequer respirar com tanta energia a transbordar. Respirou fundo, tentando futilmente acalmar-se – O… O que devo fazer…? – Não conseguiu terminar a frase, conseguindo apenas deixar um tom interrogatório para que Gaina percebesse que era uma pergunta.
- Então, os meus planos atrasaram-se um pouco com o desaparecimento das Placas das Almas… - Apesar de desapontada, a sua postura, olhar e voz não demonstravam nada disso, permanecendo sempre na sua compaixão e sapiência. Agarrou num pergaminho nas proximidades que, pela textura e comprimento, Katsu interpretou como uma das cópias dos que ele segurava – Como penso em deixar esse trabalho exclusivamente para Arami, tens tempo para descobrires o teu passado, se assim o quiseres. Também podes ajudar o Arami, mas considerando os últimos acontecimentos, não to recomendo. – A inteligência e perspicácia de Gaina não eram apenas rumores. Era impressionante como ela percebera, e com razão, que Katsu guardava rancor a Arami por ter sido abandonado à morte daquela maneira, pelo que realmente não era aconselhável embarcarem em outra missão que poderia resultar na morte de um deles – Agora que te contei isto, a tua contribuição para os ideais da Akatsuki vai apenas ser pejorativa. Vais estar constantemente a desejar saber mais do teu passado, talvez vingar as mortes das pessoas amadas. É normal queres saber tudo…
Mais uma vez ela tinha razão. Era como se ela soubesse tudo sobre a personalidade humana ou como se conseguisse ler os sentimentos da raça que ela dizia ser-lhe inferior. Talvez a sua mentalidade megalomaníaca não fosse tão ilógica como aparentava…
- Sim… Eu quero saber mais sobre o Tsutao… - Estava demasiado instável para continuar na mansão ou tentar ajudar a organização – Vou a Konoha, descobrir tudo o que posso saber do meu passado. Não sei se reavivar as minhas memórias vai ser algo bom, apenas sei que é algo que eu quero.
A líder sorriu docemente, orgulhando-se pela súbita seriedade do Imagawa, que não era assim tão comum dentro do clã que ela tão bem conhecia pelos livros que lia. Levantou-se e rasgou um pequeno pedaço do pergaminho que segurava, entregando-o às mãos do seu subordinado. Este agarrou-o, observando a cara de um adolescente ruivo com um olhar despreocupado e algo perturbado.
- Foi este rapaz, Uchiha Takeshi, que me despertou a atenção para a Shin no San – Explicou a líder, cruzando os braços – Confesso que não sei muito sobre a organização, mas aparentemente é um sítio que transmite muito bem a história deturpada do clã Uchiha, a que tu pertences, e o lado negro do ser humano – Foi uma resposta algo ambígua, mas suficiente para que o Imagawa interpretasse a organização como algo mau – Parece que o rapaz conseguiu explodir um dos muitos esconderijos da organização. Teve de fugir, refugiando-se pelos bosques do País do Fogo. Como é um procurado, não te deve ser muito difícil encontrá-lo.
- Então encontro-o e depois encontro a Shin no San… - Resumiu Katsu, ainda não estando totalmente convicto do que queria fazer – Se a organização tem todas as respostas que preciso, então só preciso de a encontrar!
Levantou-se, superando a líder em altura, que o começou a observar de baixo, sempre sorridente. Fitaram-se por alguns segundos, como se ambos soubessem o quão agradecido Katsu lhe estava pelo que ela estava a fazer. Troca de palavras não foi necessária enquanto o Imagawa se retirava do laboratório da sua líder… E amiga…