Um pulo. Agilmente, a minha perna esquerda desenhava um pontapé descendente. O alvo, parado, absorvia calmamente todo o impacto. E então uma palmada canhota o atingia em cheio. Rodopiei, socando com a outra mão da forma mais dura que conseguia, e novamente com a esquerda aplicava uma cotovelada ascendente, pulando ligeiramente para trás para conseguir executar um novo chute. Um tronco mais ao lado parecia perfeito: concentrei uma pequena dose de chakra nos pés e com velocidade, subi-o em poucos segundos, pulando do seu ápice para aterrar naquele boneco com o meu pé. Como ele ainda estava embebido de energia, o impacto mais serviu de apoio para que subisse um pouco mais, girando e aumentando a potência do meu golpe descendente final. A madeira que predia o parvo boneco não era tão resistente, e cedera.
Sorri ao pisar o chão, ao mesmo tempo em que a parte superior separava-se do restante do aparato improvisado para treinar meu taijutsu. Aproximei-me com um shunshin veloz, sacando rapidamente minha katana a fim de executar golpes aleatórios para afiar minha lâmina. O que sobrara daquela madeira agora eram lascas espalhadas por ali perto, enquanto gotas de suor equilibravam-se sobre os meus poros, algumas deixando-se cair pelo rosto. Minha respiração ofegante pedia um tempo de descanso, e assim sendo, fui para a beira do rio lavar-me o rosto e beber água.
Um barulho irrompia do outro lado. Um grito. Um choro. E finalmente o silêncio. Poderia deixar aquilo passar, mas meu instinto impelia-me a buscar o que quer que estivesse acontecendo. Enviei à sola dos pés uma quantidade de chakra suficiente para apoiar-me sobre as águas um tanto revoltas do rio, cruzando-o com rapidez. Iniciei uma caminhada, que sem perceber, virara uma pequena corrida. Principalmente depois de ouvir um som seco e mais um grito incontido. Mais dois sons, e um urro mais baixo. Um gemido. Minhas pernas seguiam com velocidade o que captavam os ouvidos, e logo deti-me, horrorizada: aquele garotinho loiro estava a ser duramente explorado por um desconhecido cruel, que o batia com um chicote enquanto ele tentava equilibrar um pesado pedaço de madeira em suas pequeninas costas:
- Mas que diabos está a acontecer aqui? - gritei, indignada ao ver a cena.
Os olhos azuis, cheios de água, alegraram-se por breves segundos. Mas notei o terror a dominar-lhes pouco a pouco, quando virou-se para uma silhueta alta e forte, que aproximava-se de mim. Realmente a figura era aterradora: tinha facilmente mais de dois metros de altura, e um musculoso corpo que certamente quebraria meus ossos com apenas um soco. Sem abalar-me, pus as mãos nas ancas e repeti a pergunta, fitando diretamente seus olhos - o que obrigava-me a levantar praticamente toda a cabeça:
- Quem és tu, garotinha? Estou ocupado por aqui - sua grossa voz ecoava.
- Não importa quem eu seja, olha o que estás a fazer à criança! Isto figura como maus-tratos, e estás ainda nos limites da vila. Tenho o dever de levar-te às autoridades! - retorquia com firmeza.
- Hahahaha, deixe de petulância, pequenina! Parece que vais-me dar alguns probleminhas, então é melhor trabalhares com ele, se quiseres viver e ajudar este inútil - ele dizia, a chicoteá-lo mais uma vez.
Aquilo enervou-me; um fio de sangue escorria, enquanto ele deixou-se cair, morrendo de dor. Saquei minha katana, correndo e dando um pulo naquele desconhecido, que desviava-se com maestria. Sem me abater, voltava a atacá-lo com um corte transverso, que ele defendia com o cabo de seu chicote, feito de um material tão metálico quanto minha lâmina. Ele parecia surpreso, mas de certa forma parecia divertir-se. Sua língua passeou em seus lábios, e ele chicoteava o garotinho mais uma vez. Covarde. Usei um shunshin para aproximar-me do garoto e tirá-lo de perto daquele monstro. Com minha arma em mãos, pus-me em defesa do pequenino. E ele parecia deliciar-se.
Atacou-me sem prévio aviso. O chicote veio tentar atingir-me pelo flanco direito, obrigando-me a ir para a esquerda, onde ele já esperava-me com sua forte mão. Consegui desviar-me com um rápido agachamento, mas apesar de corpulento, ele era também bastante ágil; já utilizava seu chicote, que enrolava-se com uma serpente na minha lâmina, puxando com rispidez e tomando-a de mim. O sorriso só aumentava. E meu nojo também:
- Ora ora, o escravinho inútil não foi apenas prejuízo. Ele trouxe-me uma escravinha que poderá servir-me para... muitas coisas hahahahahaha!
Uma nova chicotada. Desta vez em meu tornozelo. Um puxão desequilibrou-me, e ele arrastou-me para perto de si. Seu rosto repulsivo aproximou-se demais do meu quando ele levantou-me com apenas uma mão, e por reflexo, bati em sua face. Não parece ter doído muito, mas sua raiva foi tanta que empurrou-me com violência de volta ao chão, magoando-me duramente as costas. Senti o chicote afrouxar, e balancei o pé para livrar-me daquilo, afastando-se o mais rapidamente possível:
- És bem rebelde... Mas não te preocupas, vou domar-te! - ele dizia, aproximando-se novamente de mim.
Estava longe demais para pegar minha katana, e por isso focalizei uma grande quantidade de chakra nos pulmões, executando os devidos selos para expelir uma grande quantidade de água com o Mizurappa, afastando-o ainda mais de mim e do garoto. Não causara grandes efeitos físicos nele, mas era o suficiente para sacar meu soprador, focalizar mais um pouco de energia e expelir pequenas bolhas de sabão, que flutuavam na direção dele. O desavisado pensava que era alguma distração inútil, e as estourou, libertando um pó vermelho urticante, causando-lhe uma grande irritação. Era o tempo que precisava para pôr o menino às minhas costas e correr com ele até a beira do rio. Coloquei-o num lugar relativamente seguro, e pedi que esperasse por mim. Ele tentou argumentar, que aquele homem era perigoso e tal, mas não importava: ele ia pagar de qualquer forma.
Eu não tinha a menor chance com ele num combate corpo-a-corpo. Por isso, teria que apostar no meu hijutsu e nos genjutsus que sabia. Não tinha afastado-me muito, e ele já por lá estava. Aproveitando-me que ainda não havia me visto, concentrei meu chakra suiton para expelir junto com meu ar um nevoeiro. O homem visivelmente não sabia de onde ele vinha, e segundos depois ficara aterrado. Podia ouví-lo gritar "é um genjutsu, é um genjutsu!", mas não parecia sair. Até que ouvi um som surdo e o nevoeiro sumir: ele havia chicoteado-se para sair de minha ilusão.
Não importava, ainda tinha a minha localização indefinida como vantagem. Meu soprador mostrava-se novamente um companheiro para todas as horas, quando tive uma idéia: foquei chakra para expelir bolhas que foram aglomerando-se, tomando a mesma forma que eu. Ordenei-o sem palavras que corresse pelo rio a fim de ser vista pelo meu alvo. Minhas reservas de chakra estavam começando a ficar rasas, e eu precisava dar um fim logo naquilo. Minha cópia obedecia-me, passeando calmamente por sobre o rio. Não tardara a ser vista pelo homem; bingo. Ele estava tão absorto na figura à sua frente, que não percebera as bolhas que vinham por trás. Vindas do meu soprador. Calmamente pousaram nele, e quando apercebeu-se, já era tarde: elas rebentavam, lançando flashs amarelos e brancos, além de várias explosões que fizeram um significativo estrago nele, arremessando- violentamente em troncos grossos e maciços.
O clone desfazia-se em bolhas, que ordenei que rebentassem ali perto dele, soltando uma substância pegajosa que limitava seus movimentos. Para prendê-lo de vez, apanhei seu chicote e concentrei em meus olhos mais uma dose de chakra. A última, pois já estava bastante cansada. Lancei-lhe o Shikumi no jutsu, deixando-lhe ali, aterrado, tal qual o garoto estava quando ele o fez de escravo. Ah, o garoto, que ódio daquele homem por ter feito o que fez com ele! Voltei onde tinha deixado minha katana; o sol fazia-a brilhar, convidando-me a usá-la; ia combinar com o escarlate. E foi exatamente o que fiz: voltei aonde o deixara, e ele lá continuava, com os olhos vidrados e totalmente paralisado de terror. Minha lâmina executou um corte vertical bem na sua jugular, dando-lhe o descanso eterno. Acho que até fui muito boazinha em seu julgamento, dada todas as atrocidades que ele cometera. Fiquei a admirar minha katana, com aquele tom de vermelho. Ignorei o corpo, e fui lavá-la ali no rio.
E então o garotinho novamente aparecia: podia ver várias marcas em seu corpo franzino, que não deixavam qualquer resquício de culpa abater-me. Disse a ele que estava tudo bem, que aquele homem mau nunca mais ia incomodá-lo. Aproximei-me e perguntei novamente onde estava sua família e sua casa, e ele mais uma vez apenas balançou a cabeça em sinal de negação. Perguntei se aquele homem era seu parente, e obtive mais uma resposta negativa. Ele começou a estremecer, e percebi que seu corpo iria tombar, já que sua consciência repentinamente esvaiu-se. Amparei-o em meus braços, e o levei para o hospital da vila.