Um, dois, um, dois. Meu abdômen doía com o esforço, afinal já estava há uns bons minutos a controlar com calma o chakra na sola de meus pés de forma que eu ficasse de ponta-cabeça e resolvera agora fazer abdominais naquela posição. O esforço era tanto que os músculos da barriga ardiam a cada vez em que eu, contrariando a gravidade com o Kinobiri, tocava meus pés naquela incômoda posição. Finalmente consegui concluir a meta que havia imposto no início do exercício, e satisfeita, pulei no galho onde há pouco eu pendia, como um morcego, para agora apreciar a visão da fria floresta de Kiri. Uns poucos pássaros piavam e estavam a recolher-se, já que o tempo aparentava instabilidade.
Já eu, gostava quando o dia ficava assim: silencioso. Era muito mais fácil conseguir concentrar-me e sentir o meu próprio chakra, distribuindo-o melhor na hora de utilizar os jutsus. Não tinha um objetivo claro que motivasse-me a treinar, mas gostava de saber se minhas habilidades ainda estavam em dia. Então antes dos ninjutsus, decidi sacar minha katana, assumindo uma postura hostil para ninguém em especial. Mirei num grosso tronco tomado por cupins, e com velocidade, parti para ele, desenhando um corte lateral; mais uns poucos golpes e a madeira cedia.
"Fácil", pensei. Então dirigi-me a uma zona da floresta que era de difícil acesso, e iniciei cortes nos galhos das árvores, movendo-me agilmente por entre eles antes que chegassem ao solo, para simular ataques inimigos. Cortei o primeiro, descendo com velocidade maior e partindo ao meio mais abaixo, pouco antes do encontro dele com o solo. Quando este tocava o chão, eu já havia usado meu shunshin e estava na copa de uma outra árvore, a usar um corte ascendente num galho mais grosso. Lá em cima eu partira-o rapidamente em quatro partes e corria ligeiro para um ramo mais abaixo, cortando outro galho, e desviando-me dos que vinham de cima. O exercício era cansativo, mas atiçava meus reflexos, o que era ótimo. Claro que logo estava exausa, tanto de manusear a katana quanto de desviar, e encostei-me a um tronco para descansar um pouco.
Estava quase a fechar minhas pálpebras quando um vento mais forte soprou e um círculo de folhas formou-se brevemente. Abri os olhos à procura de uma corrente de ar, mas o vento estava parado naquele momento. Segundos se passaram antes de eu vê-la: cabelos verdes, um pouco curtos; sorriso gentil, mas aparentando dor. Quem quer que estivesse fazendo aquilo, estava a fazer mal: fiz o devido selo, paralisando meu fluxo de chakra e libertando-o de uma vez, realizando o Genjutsu Kai:
- Uh, apesar de seres uma gennin iniciante, tens bastante habilidades - uma voz ecoava, mas não consegui identificar de que direção vinha. - Menos mal que tenha que preocupar-me menos em pegar leve.
- Quem és e o que queres de mim? - fiquei em posição ofensiva, a sacar minha katana.
- Não te preocupes, Harima-chan. Quero-te tão ou mais forte do que tu mesma desejas, e vou-te auxiliar. Toma bastante cuidado, não quero ter que levar-te a um hospital. Deves ir com tuas próprias pernas, não quero arriscar-me tanto.
- Hã?! - fiquei confusa com aquelas palavras. Mal ouvi uma shuriken vindo em minha direção, ao qual consegui defender-me com minha lâmina.
- Let's go, garota!
Ouvi uns rosnados ali perto. Pude distinguir uma matilha de lobos, dos quais enxergava quatro. Engoli seco, afinal meus músculos ainda doíam. Um silvo longo fazia-se ouvir e os animais partiram em minha direção; instintivamente subi o mais depressa possível, mas eles eram tão ou mesmo mais ágeis que eu. Um lobo cinza, que parecia um jovem macho, mirou minha perna esquerda para abocanhar; encolhi-a a tempo, e chutei seu focinho com toda a força que tinha, fazendo-o cair de uma considerável altura. Um outro pegou impulso para morder meu braço que segurava a katana, e defendi-me com ela, decapitando-o sem grandes dificuldades. O sangue jorrava com velocidade, sujando-me e tirando segundos preciosos de atenção, suficientes para que os outros conseguissem atacar-me.
Um abocanhou meu calcanhar direito. A dor foi tão lancinante que minha mão vacilou, deixando escorregar minha katana para metros abaixo de mim. A adrenalina subira, e a raiva foi tão grande por aquilo ter acontecido, que não pensei muito no que fizera: dei um soco no focinho do lobo que ainda estava agarrado ao meu pé, fazendo-o soltar. Seus rosnados e afiados dentes sujos com meu sangue não intimidava-me - pelo contrário, aumentava minha ira pelo que acabara de acontecer. Não era lá muito inteligente lutar corpo-a-corpo com um animal selvagem, mas cega de ódio e dor, era o que faria. Se não fosse o quarto lobo...
Ele mirou meu rosto, e antes que eu pudesse socar e pontapear o animal que machucara-me, agachei-me com velocidade para desviar do ataque. O que tinha mordido-me investiu mais um golpe, obrigando-me a pular, enquanto o outro já ataca também por cima. Teria sérios problemas se continuasse daquele jeito, então saquei meu soprador; concentrando uma dose de chakra em meus pulmões, soprei umas pequeninas bolhas que rebentaram bem próximo à cara de um deles, libertando uma nuvem vermelha. O animal estava muito irritado, não conseguia abrir os olhos e parecia sentir bastante dor. Achei ainda pouco, o efeito do Baburu Genwaku não era nada comparado à ferida no meu calcanhar - eu ainda teria que tomar soro anti-rábico! Mas ainda tinha mais um lobo para preocupar-me. Antes que eu pudessepensar no que fazer para livrar-me por completo deles, ouvi um novo silvo. E desta vez, distingui de onde vinha:
- Hey, você aí? O que eu fiz-te para mandares esses teus lobos atacarem-me?! - perguntei indignada, ao ver um garoto loiro não muito mais velho que eu apitando, e os animais voltarem para perto dele.
- És uma má garota... Degolaste um lobo muito querido, e provavelmente aleijaste o outro que ainda não acordou. - ele dizia, sem expressar emoções em sua voz.
- Hã, és louco? Estava descansando aqui quando essas... coisas apareceram do nada e atacaram-me!
- Bad girl, bad girl, Miku-san não vai gostar nada disso...
- Nani?! - perguntei, correndo para pegar-lhe pela camisa. Mas ele era incrivelmente mais ágil que eu, e com maestria, prendia-me com os dois braços para trás.
- Não tens a menor chance contra mim. Mas não preocupa-te, quero-te bem forte - ele sussurava em meu ouvido. Estava tão próximo que mais parecia assédio sexual que uma ameaça.
- Quem... Quem é você? - minha voz tremia, num misto de medo e revolta, mas tentei fazer parecer como se fosse por vergonha.
- Ninguém em especial - ele continuava a sussurrar.
Ele agora virava meu rosto em direção ao seu. Meu ódio só fazia aumentar, mas continuei com o sangue frio, como se estivesse enfeitiçada por ele. Não que ele não fosse atrante - confesso, ele o era -, mas algo dizia-me que eu corria perigo com ele. Ele finalmente olhou em meus olhos, onde previamente já tinha focalizado uma boa dose de chakra. Assim que nossas pupilas encontraram-se, lancei-lhe o Shikumi no jutsu. Os olhos dele arregalaram-se, mas pouco depois ele soltava uma irritante e escandalosa risada:
- Não achavas mesmo que eu cairia num genjutsu de tão baixo nível, certo? - perguntava em tom de afirmação, carregado de ironia. Fiquei calada, mas senti meus olhos dilatarem-se de surpresa e minha boca abrir um pouco involuntariamente. - Não precisa preocupar-te, jamais farei mal a ti. Desde que continues trilhando o caminho que quero.
Ele encostou seus lábios nos meus. Quando pensei em reagir, meu corpo simplesmente começou a ficar dormente, e minhas pálpebras caíram. Não ouvi, senti, vi nada mais, e quando acordei, tudo estava na mais perfeita ordem. Como se tivesse sido um sonho. Mas sei que não fora, afinal, meu calcanhar tem marcas de belos dentes de lobo.