Ameaça
~ O receio do desconhecido ~
O salão da grande mansão do Daimyou de Cha no Kuni encontrava-se recheado de convidados, sendo a maioria das famílias que iriam participar no suposto torneio da Kugeka e outros seriam seus convidados de honra. Os empregados preocupavam-se em manter tudo activo e limpo, repondo a comida e bebida sempre que necessário, enquanto os presentes simplesmente conversavam sem preocupações.
Ayame, pouco habituada a ser servida, reagia de uma forma nervosa e atrapalhada sempre que a interpelavam para encher o copo. Aquele não era definitivamente um dos seus dias e só tinha vontade de voltar à sua vida normal. Se apenas pudesse esquecer aquilo e voltar para casa…
Acabou por pousar o copo, sem paciência para mais daqueles momentos. Quem a estivesse a observar, nomeadamente o moreno de olhos de gelo, devia estar a ter um ataque de riso. Tentou esquecer o assunto, que não lhe tinha passado pela cabeça durante uns minutos, visto que acabara por voltar a sentir os olhos dele colados nas suas costas e era extremamente desagradável. Encostou-se a uma mesa, não muito longe do centro do salão, apenas para observar à sua volta.
O rapaz que achara familiar estava novamente de costas para si. O aspecto do cabelo dele não era suficiente para afirmar a sua identidade, pois deveriam haver imensas pessoas com o mesmo estilo. Não conseguira visualizar um único vislumbre da sua cara desde que estava a reparar nele. Apenas sabia que o seu fato era de cor antracite, tinha uma camisa branca e tinha conseguido reparar numa gravata em tons de lilás. Essa cor era usualmente associada a Kumogakure. Se ela estivesse certa, poderia ser o descendente da família de lá. Se bem se lembrava, eram os Fujishima. Mas a cor nada indicava. Ela própria estava de vermelho e não era a cor da sua vila. Suspirou e acabou por desistir de tentar perceber quem era.
Hikaru fora reconhecido por alguns dos convidados, pelo que ela entendera. Ele era, de facto, um ninja médico de valor, ao ponto de saberem quem ele era até mesmo fora da sua vila. Quem diria que ele era tão famoso assim. Ele era o melhor amigo de Kazuma desde que se lembrava e nunca, por um momento que fosse, pensou tal coisa dele. Não costumavam comentar muito sobre ele, o que era outro dado garantido. Pelo que entendera, ele também não gostava muito de falar dele ou do passado dele. Ser médico era o mundo dele.
Kazuma falava agora com os conselheiros anciões de Suna, os Himawari, que definitivamente eram bastante tradicionais e adoravam o seu país. Já falara com eles e ficara com muito boa impressão da sua energia. Os seus netos, Yuji e Misa, iriam ser os seus representantes no torneio. Yuji tinha 20 anos e era jounin, enquanto que Misa, a sua irmã, tinha 14 anos e era ainda gennin. Os dois irmãos trocavam olhares bastante cúmplices, algo que aqueceu o coração de Ayame.
“Nem todos os nobres têm que ser completos idiotas”, concluiu ela. Tirara a mesma conclusão da família de Yugakure, os Yurioka, e da de Yukigakure, os Ibara. Tinha já cumprimentado ambas as famílias, que, curiosamente, ocupavam os lugares de Daimyou nos seus países e os Yurioka tinham inclusive um parente conselheiro. Apesar do poder, pareciam ter ainda um coração honesto.
Ia aproximar-se do seu irmão para o avisar que ia retirar-se por uns momentos para respirar ar puro quando sentiu o seu vestido preso a algo. Quando se voltou, viu uma menina agarrada a ela. Era Akemi, a irmã mais nova de Naomi, dos Yurioka. Apesar de ela não estar presente quando os cumprimentara, era tão parecida com a irmã que não havia sombra de dúvidas. Cabelos de um castanho rico, mais curto que o da irmã e preso com um laço azul pastel, olhos cinzentos, pele clara. Fora informada que ela tinha 13 anos e que era gennin, mas o comportamento dela naquele momento revelava mais do que poderiam querer revelar. Estava nervosa, amedrontada. Mas era apenas uma miúda; não a podia censurar.
- Akemi… - chamou uma outra rapariga. Os seus olhos hipnotizantes, de um tom arroxeado, não conseguiam igualmente esconder o nervosismo dela. A konohanin tinha também conhecido o irmão mais velho dela, Riku, ambos filhos da família dos Ibara.
- Ah, Satomi – murmurou Akemi, ao ver a sua interpeladora. Rapidamente soltou a mão do vestido de Ayame, sentindo-se demasiado observada, e assumiu uma postura ainda mais reservada.
- Desculpe, ela não faz por mal. É… - iniciou Satomi, a rapariga dos longos cabelos negros, desviando o olhar. – É complicado…
Ayame sentiu-se incapaz de lhes voltar as costas. Algum instinto maternal tinha despertado dentro de si ao ver a reacção amedrontada da mais nova.
- Posso ajudar? – perguntou ela, colocando as mãos sob os ombros de Akemi, que se assustou.
Satomi olhou para ela, surpreendida, mas rapidamente se recompôs. Estava um pouco nervosa, o que se reflectiu na sua fala:
- Apenas… Esta situação toda… Sermos forçadas a lutar… Nós não queremos… A Akemi tem 13 anos, eu tenho 15. Eu apenas passei para chuunin recentemente, senão eramos duas gennins aqui… Como é que é suposto…?
A Midori apenas queria abraçar as miúdas para as confortar. Entendia bem aquela preocupação. Quem olhava para os descendentes, via jounins, em geral, todos na casa dos vinte e poucos anos. Poucos eram aqueles que não se enquadravam nisso. Quem não se enquadrava, era geralmente de uma vila mais pequena, o que era praticamente ditar o destino delas. Submeterem-se às vontades das vilas maiores.
Deteve-se por um pouco mais a falar com as pequenas, com quem sentira uma ligação diferente. Eram genuínas e humanas. E não poderia apreciar mais aquilo naquele momento em que estava rodeada pelo mais puro egocentrismo e indiferença em relação aos outros.
Quando Riku apareceu para buscar a irmã mais nova (levando também Akemi consigo para a deixar com a família), despediu-se deles. Ainda tinha mais famílias para conhecer. Queria evitar a todo o custo o homem que olhava para ela como se a quisesse matar com os olhos, mas começava a tornar-se inevitável. Começou a ficar nervosa quando o viu a dirigir-se para ela e deu por si a ter que se controlar para não sacar da pequena wakizashi que escondera nas meias, debaixo do seu belo vestido vermelho bordeaux.
- Boas tardes, senhorita Ayame – cumprimentou ele, denotando-se algum sarcasmo na sua voz e ironia no seu sorriso.
- Boa tarde – respondeu ela, desconfiada. Ele sabia quem ela era, mas ela não sabia quem ele era. Ficou em silêncio, na esperança que ele revelasse o seu nome.
- Hum, achas que esse jogo funciona comigo? – perguntou ele, apanhando-a de surpresa. – Claro que entendo o que queres. E não te vou negar a esse prazer. O meu nome é Shirou, Shirou Umehara. Decora-o bem. Deixa-o bem gravado na tua memória. Pois esse é o nome daquele que vai acabar contigo, com o teu sangue desprezível.
- Quem é que tu pensas que és para dizer uma coisa dessas? – questionou ela, chocada. Ele era o descendente de Kiri, como dizia no brinco que usava. Ele não tinha sequer motivos para fazer uma ameaça daquelas. Eles nunca se tinham visto antes.
Ele aproximou-se ainda mais dela, agarrando-lhe numa madeixa de cabelo. Passou os dedos nela e baixou a cara para a cheirar, colocando Ayame ainda mais desconfortável e com vontade de agarrar a sua faca para o esfaquear se ele não se afastasse. No entanto, ela sabia que fazer isso ali era meio caminho andado para provocar uma guerrilha e tentou controlar-se.
- Eu? Eu sou aquele que vai acabar com o teu sangue imundo e o vai fazer sem ninguém perceber – explicou ele, ainda com a cara no cabelo dela, a cheirá-lo profundamente. - Tal e qual como isto.
Ele apenas moveu uma mão antes de se afastar com um sorriso sarcástico.
Um súbito disparo de dor e calor a afluir ao pescoço de Ayame indiciaram rapidamente o que ele teria feito. Ela levou a sua mão ao pescoço e sentiu um corte não muito profundo nele, que ia desde a carótida até à nuca, com sangue a começar a escorrer. Tinha que sair dali o mais depressa possível para tratar de si própria antes de chamar a atenção.
Caminhou em passos acelerados em direcção ao pátio exterior para se esconder no jardim, não reparando que se cruzara com o sensei a caminho de lá. A sensibilidade dele ao cheiro do sangue, obtida com muitos e muitos anos de trabalho, denunciou-a de imediato. Ele pediu licença a quem o ouvia e seguiu-a. Alguma coisa se teria passado e ninguém se dera conta.
- Spoiler:
Sooooooooooooooooooooooo proud of this one. Dammit. Claro que fiquei empolgada com isto. Finalmente coloquei a cena que queria
Espero que gostem!