Partida
~ A viagem em direcção ao desconhecido ~
Seis dias antes, numa manhã que aparentava ser como qualquer outra para a família dos Midori, batera-lhes à porta um par de mensageiros vindos do inferno, como descrevera Nadeshiko tantas vezes. Os seus pais tinham mandado dois empregados para convocar os seus filhos à casa principal dos Sakuragi, ignorando por completo que os tinham deserdado pelos seus motivos mesquinhos. A data da viagem estava marcada para o dia seguinte.
À noitinha, depois do jantar, a família completa tinha-se reunido na sala de estar, tendo convidado Hikaru para estar presente devido à relação dele com a mesma. Nadeshiko estava sentada numa das poltronas, com Seishirou ao seu lado. Yuriko brincava no meio da carpete da sala, alheada às conversas. Kazuma, Ayame e Chou estavam sentados no sofá longo, com Chiharu de pé num dos extremos do mesmo e Hayane e Ren sentados em cadeiras no lado oposto. Hikaru optara por se sentar num dos braços do sofá longo, à direita de Kazuma.
O ambiente estava pesado. Ninguém queria que os dois irmãos fossem para casa dos avós maternos, visto que se iniciaria um novo ciclo com a presença deles.
- E se eles não forem amanhã? – perguntava Hayane, indignada. Achava toda a situação muito injusta. Ren colocou a mão sobre o ombro dela para a acalmar.
- Não vale de nada, Hayane… Se eles não aparecerem, aparecem guardas para os buscar – explicou Chiharu, que era actualmente uma das capitãs da ANBU de Konoha e que estaria mais informada dos procedimentos adoptados pelas famílias abastadas. – Sabes a influência que os Sakuragi têm…
Hayane remeteu-se ao silêncio, pensativa. A cunhada tinha razão. Provavelmente não haveria nada que eles pudessem fazer para evitar a situação. Chou, a avó, nada dizia. Se, por um lado, tinha receio, por outro queria confiar nos netos.
- Nós vamos amanhã. E há de correr tudo bem – disse Kazuma, tentando quebrar o gelo. – O torneio não é agora.
- Eu vou ter convosco assim que possa – disse Hikaru, disponibilizando-se. – Tenho uma cirurgia marcada para a manhã e só poderei ir mais tarde. Devo chegar depois do almoço. Mais vale terem companhia, pelo sim, pelo não.
- Se for preciso, também passo por lá, nem que seja só para verificar que está tudo bem – disse Chiharu, preocupada com os sobrinhos.
- Sabes que eles não gostam que tenhamos uma kekkei genkai. Aos olhos deles, somos uns monstros – advertiu o irmão mais velho daquela geração e pai dos mais novos.
- Eles não iam negar a minha visita, posso garantir-te.
- Espero que não… - murmurou Nadeshiko, apertando a mão do marido. Ter alguém com o status de Chiharu e alguém externo à família como Hikaru a vigiarem os acontecimentos dava-lhe alguma paz de alma.
Na manhã seguinte, a família despertou cedo. A ansiedade quase lhes tirara o sono, à excepção da mais nova, que não entendia os assuntos dos adultos, e ficara a dormir, a aproveitar as últimas horas de sono antes de ir para a academia ninja. Haru, a raposa mais velha das invocações dos Midori, oferecera-se para ficar com ela sempre que necessário para a manter distraída.
Ayame ficara na dúvida se deveria preparar mala ou não, mas acabou por apenas levar uma pequena mala com algumas coisas básicas com ela. Kazuma incentivara-a para que não fosse carregada de coisas e para não levar armas e a irmã ouvira a sua experiência. Aquela manhã, para desgosto da mãe deles, era uma das raras vezes em que tomavam o pequeno-almoço separados, por isso tentaram fazer dela o melhor possível.
Estava a aproximar-se a hora da partida quando bateram à porta. Imediatamente, os quatro ficaram em alerta. Era demasiada coincidência aparecer alguém naquela manhã, precisamente àquela hora. E as suspeitas foram confirmadas quando Ayame abriu a porta. A família Sakuragi tinha mandado um meio de transporte, uma das suas carruagens.
Kazuma bufou, acrescentando para que apenas a sua família o ouvisse:
- Estão com tanto medo que nos recusemos a ir que até fazem questão de nos encostar contra a parede. Querem lá saber da nossa vontade.
Os restantes familiares não se pronunciaram em concordância.
Tinha chegado então a hora das despedidas. Ayame e Kazuma foram buscar as suas malas e colocaram-nas à porta enquanto se despediam dos pais. Deixaram um beijinho para Yuriko, para que lhe fosse entregue. Enquanto isso, um mordomo com um manto castanho, debruado com flores cor-de-rosa, aproximou-se da porta e pegou nas malas para as levar. Quando a filha mais velha se separou do longo abraço à mãe, esta colocou-lhe uma pequena saca de pano e uma caixa tipo obento nas mãos.
- Se tiverem fome na viagem – explicou Nadeshiko, com os olhos marejados das lágrimas que tentava suportar.
- Isso não será necessário, minha senhora – falou uma mulher ao juntar-se a eles, igualmente com o manto. – Se os senhores puderem então acompanhar-me. Os senhores Sakuragi esperam-nos.
A atitude irritou Ayame. Deu mais um beijo à mãe, cumprimentou o pai e saiu disparada pela porta com a caixa nas mãos para mostrar que não a iam impedir. Um mordomo apresentou-se para a ajudar a subir para a carruagem e ela estava tão cega de irritação que o ignorou, sentando-se rapidamente.
Kazuma suspirou. Ayame não teria tanta tolerância quanto ele tinha. Murmurou breves despedidas aos pais, prometendo proteger a irmã acima de tudo. A mulher com o manto seguiu atrás dele quando ele se dirigiu para a carruagem. O mordomo cumprimentou quando o viu, mostrando a sua disponibilidade. Amavelmente, Kazuma agradeceu e sentou-se no branco em frente da irmã, que olhava aborrecida pela janela. As portas fecharam-se e, em segundos, a carruagem iniciou o seu caminho.
Em pouco tempo, entraram na floresta de Konoha em direcção ao desconhecido. Ou assim era para um dos irmãos Midori, que nunca tinha visitado a casa principal dos Sakuragi. A floresta trouxe consigo o silêncio, algo constrangedor entre os dois. Kazuma tomou a iniciativa para o quebrar.
- Sabes… Não interpretes isto como uma crítica, mas como um aviso. Tem um pouco mais de paciência. Para o teu próprio bem. Não ajas tanto de cabeça quente. Nem é típico da tua parte…
A rapariga olhou para ele e revirou os olhos:
- Não ia aceitar que desprezassem o trabalho da mãe.
- Eu sei. Ela acordou mais cedo para nos preparar isto.
Ayame engoliu em seco e olhou para o obento que tinha no colo.
- Isso até me tira a vontade de o comer só para poder apreciar o esforço dela…
Ele sorriu. Entendia o argumento dela.
- Sabes que a melhor maneira de mostrares que aprecias o trabalho dela é comendo. Talvez não agora, mas mais tarde. E não, eu não vou deixar que nos tirem a caixa, prometo. É nossa. É da mãe.
A jovem anuiu e voltou a olhar pela janela, sem nada mais a acrescentar. Confiava no irmão. Sabia que ele faria exactamente o que prometera. Enquanto permanecia alheada nos seus pensamentos e na paisagem repetitiva das árvores, um pormenor chamou-lhe a atenção. Um corvo negro com uma pequena cartola atravessou entre as árvores a voar. Um corvo? Na floresta de Konoha? Com uma cartola? Parecia algo saído de um genjutsu, pois parecia-lhe algo familiar. Acabou por desvalorizar a situação por não se ter desenrolado e retornou novamente aos seus pensamentos.
Kazuma chamou a atenção dela quando estavam a chegar.
- Olha uma coisa… Lembra-te de tentar sempre ser formal. Não fomos mal educados pelos pais, isso te garanto. Afinal, a mãe saiu desta casa e sabe dar o valor à educação. Por isso confia em ti. O teu instinto estará correcto.
Ela acenou.
Começava-se a desenhar uma paisagem mais nivelada, como que a indicar a presença de habitações. Passaram por um imponente portão, rodeado de enormes muros. No entanto, nada preparara a rapariga para o que haveria de ver quando saísse para o exterior. A casa era digna de um rei. Era inspirada nos grandes templos xintoístas, com os seus telhados escuros característicos, com paredes bege que resplandeciam com a luz do sol como se tivessem pó de ouro embutido. A este, via-se um grande lago com cisnes. E toda a área estava relvada, à excepção dos trilhos de pedra, e repleta de cerejeiras.
- Bem-vindos – cumprimentou uma governanta, vestida com um kimono parecido com o manto que usavam os empregados que os tinham acompanhado na viagem.
Estava prestes a começar a aventura dos Midori na mansão de uma família nobre.