Convites
~ O início da caçada ~
Um jovem alto, de longos cabelos brancos, vestido num fato cinzento, aproximou-se deles e fê-la calar-se. Tinha um porte altivo e orgulhoso, um pouco intimidatório.
- A confraternizar com o inimigo, Rina?
- Noboru.
Noboru era o representante de Iwa. Era também dos mais velhos a participar no torneio e, pelo que dera a entender, não parecia muito satisfeito com isso. Era já um shinobi experiente, reconhecido como um grande líder dentro da comunidade.
- Não me interpretem mal. Não digo inimigos no sentido bélico – disse ele, bebendo um gole do copo que tinha na mão. Sentiu necessidade de explicar ao ver o rosto da kunoichi mais nova a endurecer. – Só no torneio. E isso não significa muito.
- Estavas a assustar a rapariga – censurou Rina. Já sabia que ele iria fazer aquilo. Conhecia-o bem. Talvez demasiado bem..
- Tu sabes perfeitamente que não sou um amante de violência. Mas levo a sério o torneio. Por isso nada de andar a revelar segredinhos, menina Rina.
- Não estava, Noboru. Estava a dar um conselho.
Ele olhou para o grupo de Konoha, que o observava aquele pequeno arrufo com atenção. Já conhecia Kazuma do torneio anterior, tal como Rina conhecia. O ruivo não lhe era desconhecido, pois vira-o por várias vezes a acompanhar o Sakuragi. A mais nova devia ser a irmã do meio de Kazuma. Apesar do rosto doce e irresistível, ele via uma centelha de justiça e protecção nos olhos dela, algo que achou curioso.
- Mantém esse espírito, miúda. Vais precisar – disse o representante dos Renge, a família da flor de lótus, afastando-se para ir falar com outro casal que passara por ali.
Rina observou-o a afastar-se, mesmo estando ele virado de costas para ela, e o seu olhar moveu-se para o chão. O coração dela estava apertado; doía-lhe. Não conseguiu evitar um pequeno esgar de dor, que provavelmente denunciara os seus sentimentos ao grupo de Konoha, se eles tivessem reparado. De qualquer das formas, não estava com disposição para explicar naquele momento e despediu-se rapidamente.
Ayame considerou aquelas despedidas um pouco apressadas e, por acaso, reparara no comportamento da jovem, bem como no ambiente que se instalara. Começou a falar:
- Ela… - e não teve coragem para continuar.
- Ama-o. Mas não podem estar juntos – disse Kazuma. – Sei disso desde o último torneio. Ela não consegue esconder o que sente em certos momentos. E os membros das famílias da Kugeka estão proibidos de se envolverem. Nenhuma família nobre aceitaria envolver-se com o “inimigo”, como disse o Noboru. Perderiam poder ao ter que partilhar, se me entendes.
- Mas… Se eles se amam…
- O amor é complicado, Ayame. Às vezes, não importa o quanto as pessoas se amam. Às vezes, o destino simplesmente não os deixa estar juntos. Ainda tens muito que crescer – explicou Hikaru.
- Falas como se soubesses.
- E quem disse que eu não sei? – retorquiu ele, colocando um bocadinho da língua de fora.
Ayame manteve-se calada. Não ia questionar o passado dele. Ou presente. Não sabia de nada, era um facto.
- Bem… Vamos despachar-nos daqui? Julgo que só me falta cumprimentar uma família – sugeriu ela. – Estou ansiosa para poder tirar estas roupas pretensiosas e poder relaxar.
- Vai lá. Não és a única a querer sair daqui, acredita – confessou Kazuma, com um leve sorriso.
Só lhe faltava a família Fujishima, a família das glicínias e pertencente a Kumo. Essa era a família cujo descendente a tinha evitado todo o dia. Se fosse a pensar nisso, até chegava à conclusão que ele tinha feito isso de propósito. Seria tão tímido assim? Ou ela tinha-o intimidado? Por muito que tentasse perceber, não conseguia. Olhou em volta à procura dele, mas ele tinha desaparecido. Ele estava definitivamente a tentar não se cruzar com ela, o que a incomodou um bocado.
Acabou por se resignar a cumprimentar os avós dele, um casal de pele morena e já com alguma idade. A senhora não era muito faladora, apesar de parecer até acolhedora. Parecia um pouco desconfortável com a sua presença, embora não o quisesse demonstrar. Já o senhor Fujishima parecia falar pelos cotovelos, sempre bastante entusiasmado com todos os assuntos.
- Pedimos desculpa pela atitude do nosso neto – disse a senhora, tentando ser honesta. – Não sabemos realmente o que lhe passou pela cabeça e ele foi embora.
- Ora, não tem problema, a sério.
- Para remediar a situação, podemos convidá-la para tomar chá em nossa casa, antes de voltarmos para Kumo – ofereceu o senhor Fujishima. - O nosso neto estará lá, quase de certeza. Só mesmo se ele conseguir fugir novamente das obrigações dele.
- Não é preciso incomodarem-se, agradeço – dizia Ayame, até um pouco acanhada com a oferta repentina.
- Não é incómodo nenhum. Venha lá a casa amanhã à tarde e será bem recebida. Ficaremos à sua espera – continuava o senhor.
A Midori agradeceu novamente e, após mais uns minutos de troca de palavras, despediu-se deles. Apesar de não ter falado com o descendente, não ficaria mal vista porque tinha falado com a família. Ele não devia estar preocupado para ter desaparecido.
Os Midori e o Nakayama voltaram para a mansão dos Sakuragi logo depois. Estavam cansados e a precisarem de estar sossegados. Hikaru estava com dores de cabeça e Kazuma só queria dormir uma sesta, apesar de ainda ser de dia. Ayame, por sua vez, queria tomar um banho longo e relaxante. Só a água era capaz de lhe dar o silêncio que ela precisava.
Estavam a entrar na mansão (e Ayame a soltar o cabelo do penteado que tinha feito) quando uma das empregadas se aproximou para entregar uma mensagem à kunoichi, dizendo que tinha chegado umas horas mais cedo.
Ao abrir a mensagem, estava lá escrito:
“Exma. Menina Ayame Midori,
Temos o gosto de a informar que o seu pedido de admissão à profissão de caçadora foi aprovado. A partir do dia em questão, terá o direito de acesso às vantagens reservadas pela profissão (em anexo), as quais esperamos que aprecie.
Com os melhores cumprimentos,
Conselho Administrativo Profissional (CAP)” Em anexo, encontrava-se a listagem de vantagens da profissão. No entanto, Ayame tinha bem a certeza de nunca se ter candidatado a tal coisa.
- O que é isto? – perguntou ela, um pouco irritada, abanando no ar a carta que tinha recebido para que o irmão e o seu sensei vissem. Aquilo tinha que ser obra deles.
Eles olharam para ela, mas mantiveram a compostura, fingindo que não sabiam nada daquilo.
- O que é isso, Aya? – perguntou o irmão, agarrando o papel para o ler.
- Não te faças de desentendido! Tenho a certeza que estás envolvido! – exclamou ela. – Mas isto soa a algo que tu fizesses! – e aproximou-se do ruivo com o dedo em riste.
- Eu? O que é que eu fiz?
- Foste tu que meteste o meu nome para virar caçadora, não foste? Se não me disseres a verdade, vou começar a bater-te!
Ele riu-se. Não que a ideia de ela lhe bater lhe metesse medo. A sua aprendiz estava ainda um pouco longe de ser uma ameaça. Mas não lhe ia esconder aquilo. Ia contar-lhe a verdade que nunca tivera intenção de esconder. Só quiseram divertir-se um pouco.
- Sim, Ayame, fui eu, admito. Com autorização do Kazuma – disse ele.
- Culpado – disse o Midori, levantando a mão. – Mas com uma boa razão.
- Boa razão? Expliquem-se – questionou ela, de sobrancelha levantada.
- Digamos que foi ideia minha – admitiu o ruivo. Coçou a cabeça enquanto pensava como explicar. - A tua personalidade encaixa muito bem para o objectivo dessa profissão. Podes ainda ser médica, claro, e não significa que não tenhas talento para isso. Apenas acho que podes e deves ir mais além. Tu és aquela que quer proteger, que quer estar lá à frente no combate e estar a dar apoio sempre que preciso. Não há nada mais adequado para ti que te tornares caçadora, mantendo a par também as tuas habilidades em medicina, para poderes adaptar-te ao campo de batalha e às necessidades. Para além de que acho que ainda não entraste muito em sincronia com aquela que procura justiça que está dentro de ti – ele fez uma pausa para reparar na cara da rapariga, que estava surpreendida e pensativa. Precisava de a tranquilizar. - Continuo a ensinar-te, atenção, e podes ter a certeza que não vais ficar a falhar em nada. Afinal, sou um shinobi também e já o era antes de escolher ser médico. Nada vai mudar. E podes sempre mudar se achares que não fizemos um bom julgamento.
- Não… - murmurou Ayame, ainda meia perdida em pensamentos. – Acho que não foi mal pensado…
Os dois shinobi sorriram. Ela não tinha pensado no assunto. A única coisa que ela sabia sobre ela mesma era que queria ajudar as pessoas e tinha-se limitado à ajuda médica. Não era, no entanto, a única maneira de ajudar.
- Nós já temos mais uns aninhos disto, miúda. – O ruivo meteu a mão no ombro dela. - E ninguém te conhece melhor que o Kaz. Se ele dá a aprovação dele, é uma decisão certa.
- Isso é verdade – admitiu ela. Respirou fundo e sorriu, enquanto olhava para os dois que a orientavam, cada um à sua maneira. – Obrigada!
O sorriso dela, quente, terno e sincero, era a resposta da kunoichi à surpresa preparada pelos dois shinobis mais influentes na vida dela naquele momento. Era a resposta que ambos precisavam para saber que tudo iria ficar bem. Afinal, era aquele o poder do sorriso dela, ainda que ela não tivesse noção disso.
- Spoiler:
Desculpem lá o abuso de filler e espero que a divisão ajude ._.