Escarlate
~ Uma decisão de extremos ~
O seu amigo kumonin fora, no mínimo, misterioso e preocupante. Estaria disposta a ajudá-lo em qualquer situação, não importava o que fosse. Amigos estarão sempre lá. Mas não conseguia evitar aquela inquietação depois de ver Itari. Ele não era assim…
Foi ao lavatório novamente e lavou a cara. Não tinha tempo para estar a pensar naquilo naquele momento. Tinha preocupações à espera dela, naquela arena. Aquela, em particular, ameaçara-a sem qualquer fundamento e acreditava piamente que ele era capaz de o fazer. Talvez não em público e naquele momento. Ou talvez sim… Quando pensava nas pessoas que se importariam com isso, presentes naquele grupo de nobres, o coração dela estremecia. Ela era nada para eles. Só os mais novos é que poderiam sentir carinho e preocupação por ela, mas ainda assim não eram poderosos o suficiente para se sobreporem à vontade das famílias. Se eles quisessem fazê-los desaparecer, destruindo qualquer prova da sua existência, fá-lo-iam. Teve que tentar tirar aquela ideia da cabeça. Ela não iria morrer ali; não iria! Shirou acabara por conseguir mexer com a sua cabeça…
Deveria estar na hora para entrar. Subiu para o corredor que dava para a arena, onde Kazuma a esperava, ansioso para a ver. Ela não precisou de falar para ele ler a disposição dela. Conhecia-a desde que ela nascera, mudara-lhe as fraldas, vira-a tornar-se na mulher que era hoje. Simplesmente abraçou-a, tentando acalmá-la. Nada iria acontecer.
Hikaru aproximou-se deles e também não tardou a reparar no estado da sua aprendiz. Não conseguia compreender porquê. Kazuma já vencera uma vez Shirou, no torneio passado, e estava sozinho. Agora eram dois contra um. Tinham tudo para vencer novamente e sem dificuldades. Ela teria perdido a confiança nela mesma? Algo lhe dizia que sim.
- Ei, Aya – chamou o ruivo, tratando-a pelo nome carinhoso que os mais próximos a ela usavam. Talvez assim a conseguisse acalmar. Quando ela olhou para ele, continuou: - Não te esqueças de quem és, está bem? Eu confio em ti, por isso confia em ti também – colocou a sua mão na cabeça dela e afagou-a, como se ela fosse uma criança pequena. Sabia que ela entenderia que era um gesto carinhoso. - Vai correr bem.
Ela sorriu, agradecida. Os dois homens mais presentes na vida dela confiavam nela e sentia-se protegida pelo carinho que eles tinham por ela. Claro que nada iria correr mal. Ela tinha caído mesmo no plano de Shirou, a manipulação mental. Não poderia deixar-se envolver nisso. Tinha que ser mais forte.
Foi com esse pensamento que entrou na arena, com as mãos dadas para que ambos partilhassem aquela força. Eles, unidos, eram mais fortes.
O sorriso de Shirou era, no entanto, extremamente desconcertante. Nos olhos dele brilhava vingança e desprezo, por entre as sombras do desespero e ameaça. Por ele, matá-los-ia ali mesmo. Pena não poder. Os Sakuragi nunca se calariam com aquilo, por muito que odiassem os netos.
Assim que começou a batalha, o kirinin sabia que tinha que deitar abaixo Kazuma para ficar com a batalha ganha. Por isso partiu de imediato contra ele, manuseando a sua kusanagi para tentar infligir um golpe parado pelo doton do shinobi de Konoha. Usou a sua velocidade contra ele, sendo constantemente parado por Kazuma com os seus jutsus de defesa e a sua katana e interceptado pelos jutsus atacantes da konohanin, que assumira uma posição da retaguarda em relação ao irmão. Sabia que seria um alvo demasiado fácil e, como tal, aquela era a posição para ela.
Apesar da sua velocidade superior a qualquer um dos dois irmãos, o facto de o combate estar desnivelado em número colocava-o em desvantagem. Os seus ataques funcionariam se o outro não estivesse ali. Treinara afincadamente durante anos para aquele dia e não estava para ver o motivo do seu esforço levar a melhor. Quando se irritou, usou o seu kage bunshin para entreter a kunoichi enquanto atacava Kazuma ele mesmo, equilibrando de imediato a batalha.
Mesmo sendo um kage bunshin, Shirou era superior a ela. Apesar das suas tentativas, não conseguiu ser bem-sucedida, o que só contribuiu ainda mais para o entusiasmo do seu adversário. Num momento mais lento da parte dela, iniciou-se o início do fim. A visão de Ayame turvou, enchendo-se em tons de escarlate num dos olhos quando ele lhe acertou com toda a força e a lançou contra uma das paredes da arena. O seu corpo estava dormente com tanta dor, ressentindo-se em especial. Teria algo partido, muito provavelmente alguma costela. E não conseguiu decifrar o que se estava a passar. Não via, não conseguia discernir quanto tempo se passava, se era um compasso lento ou acelerado.
Tudo o que vira fora Kazuma de pé, desesperado por ter falhado em protege-la. Noutro momento, quando voltara a si, ele estava no chão sem hipóteses de se levantar. Quanto tempo se teria passado? O que teria acontecido? Um líquido da mesma cor que lhe escorria para um dos olhos cobria o seu abdómen. O jounin de Kiri tinha um sorriso rasgado na cara, que conseguiria enganar qualquer um que não soubesse das suas intenções. Ele estava satisfeitíssimo por ter derrotado quem o tinha humilhado no torneio passado. E voltou-se para ela, para acabar com ela e com aquele circo.
O coração dela batia desenfreado. O irmão estava no chão porque ela tinha falhado. Ela tinha sido fraca, inútil contra alguém como o kirinin. Estava a milhas de conseguir algo, mas… Fechou os seus olhos novamente, caindo na escuridão. Sentia uma dor dilacerante a corroer o seu interior, o vento seco a bater-lhe levemente na face inundada de lágrimas e sangue. Ouvia o som de uma plateia a explodir em gritos. Eles apoiavam Shirou? Queriam vê-lo a destruí-la? Riu em desgosto, embora temesse aquilo desde o início.
"Eu... Eu não consigo...", falava para si mesma, segurando o pranto ao ouvir os passos insistentes do inimigo que se aproximava.
Era ali. O fim.
A multidão parou de gritar. Subitamente, todos se calaram sem explicação.
“Não. Eu consigo”.
Ela abriu os olhos novamente e, desta vez, com uma expressão que nunca fizera na vida. Gritou mais alto e mais forte que a plateia, desgastando a própria garganta numa declaração de guerra digna de uma deusa. A sua visão toldara-se com o vermelho escarlate. Não importava a dor, os ferimentos. Nada mais importava a não ser a sua força que se tinha reerguido como nunca antes, fazendo-a levantar-se orgulhosamente.
Uma voz agressiva, aguda e poderosa gritava na sua mente. Gritava-lhe para ela se mexer, dar tudo o que lhe restava, matá-lo. Matá-lo. Matá-lo. Matá-lo como ele fizera com Kazuma! Aquilo ressoou na sua cabeça, uma e outra vez. Havia algo que ela podia fazer, mas que ela colocara como um limite para si própria. E esse limite acabara de ser quebrado como nunca pensara que fosse possível.
Com uma velocidade não característica nela, fez uma cópia perfeita sua e usou o seu shunshin até ultrapassar o seu adversário. As duas Ayame, em posições opostas e cuidadosamente escolhidas para o apanharem numa área sem qualquer hipótese de fuga, ergueram um arco de vento para o ar. Shirou seria apanhado numa chuva mortal de flechas de vento, vindas de duas frentes.
“Faz isso de uma vez!”
“NÃO SEJAS LOUCA, ESSA NÃO ÉS TU!”
“É o que ele merece!”
“ELES CONFIARAM EM TI!”
A voz dela na sua própria cabeça lutava contra ela mesma. Estava a sentir-se a quebrar, a descobrir um lado dela que ela não sabia que tinha. E uma última voz ganhou a luta.
Ayame baixou o arco e rapidamente se colocou à frente de Shirou, na rota de colisão directa das setas da sua clone, agarrando o kirinin pelo colarinho e enfrentando-lhe o olhar com o mesmo ódio que ele lhe mostrara. Ele sorriu sarcasticamente. Acordara a besta que ele sabia que ela era. Aquela rapariga tinha um sangue de lama monstruoso e assim mostrá-lo-ia a toda a gente que estivesse a observar. E era louca, suicida. Mas ele não vira o brilho que a rodeava nem a sua pele rígida.
- CONFIA EM TI MESMA E FAZ ISSO! – vociferou Ayame para o ar, na esperança que a sua clone a ouvisse e não hesitasse em atacar. A clone não sabia do conflito que ocorrera e que fizera colapsar o seu momento de insanidade, mas de certeza que confiaria nela mesma.
E as flechas caíram sobre a kunoichi e o descendente dos Umehara, inúmeras, lancinantes, levantando uma nuvem imensa de pó, que não conseguiu encobrir o desfazer da kage bunshin em dezenas de pétalas.
- Spoiler:
Este filler custou... Talvez por ser especial. Fiquei horas e horas nele, a escrever e rever para mostrar o que queria. Obrigada Nosso Senhor Jesus Cristo, pela inspiração para o semelhante! Ahahah