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Singela Dualidade
Despertei durante a madrugada. A vista de minha janela as ruas estavam desertas e a folhagem das árvores movia-se levemente com o soprar do vento. É incrível como um lugar pode se tornar tão diferente dependendo de como o observamos. Konohagakure é cheia de vida durante a manhã, pode-se ouvir o cantarolar de pequenos pássaros que nos sobrevoam, sentir um aconchegante calor de um tempo que nunca deixa de nos agraciar, podemos nos divertir ao fecharmos os olhos e tentarmos ouvir o inextinguível sussurrar das pessoas, que se misturam formando um som uníssono, quase poético. Durante a noite no entanto, a coisa se torna diferente. Essa tão animadora cidade se torna fria e silenciosa, como se toda a alma viva houvesse partido para além dos muros e só resta-se a mim. No entanto ainda consigo ver uma certa beleza nisto.
Se observarmos bem vamos reparar em coisas simples que um olhar superficial não pode pegar em toda sua essência. Consigo ver a Lua emanando sua luz, tingindo de prata tudo o que ela observa. O jeito como ela cai sobre cada árvore, se refletindo no orvalho que fora recém produzido e dando a cada folha desta uma tonalidade única, como se aquela cena tivesse sido pintada com uma técnica rica em contraste entre sombra e luz. Como esta imagem não pode ser bela?
Há quem diga que este brilho da Lua vem do Sol, que é apenas um reflexo, mas eu discordo. Como alguém pode dizer que esta luz que dá riqueza a todo o ambiente sombrio pode ser igual à outra? Tem como ela ser igual a luz da manhã? Ambas são belas mas, para mim, cada uma é única em si, possuem particularidades próprias e pessoais, uma nunca poderá proporcionar a mesma imagem que a outra e isto as torna diferentes.
Após alguns momentos de devaneio acerca da paisagem que me cerca resolvi preparar-me para mais tarde. Peguei uma muda de roupa, uma blusa branca sem mangas, uma calça preta simples e um casaco comprido de malha fina, de uma espessura ideal para me aquecer só o necessário. Após isto caminhei até o banheiro. Deparei-me com aquela costumeira parede branca, com alguns desenhos suaves feitos por todo o cômodo. Não me demorei muito, liguei a água da banheira, tirei meu traje de dormir e então entrei na mesma. Estar ali me relaxava, gosto de sentir a água quente pelo meu corpo, é como se ela fizesse com que eu simplesmente me desligasse. E me desliguei.
Ouvi batidas na porta, abri meus olhos. Reparei que a água transbordava e molhava todo o banheiro. Pude ouvir meu pai me chamar a porta: “Reiko!”. Após alguns segundos sem reação levantei-me, fechei o registro e respondi ao chamado: “Um momento!”. Sequei-me e coloquei minha roupa, olhei-me no espelho, arrumei rapidamente meus cabelos castanhos em uma trança – a qual deixo caída sobre meu ombro direito – e finalmente abri a porta.
– O que houve, minha filha?
– Acho que peguei no sono, pai. – respondi confusa – Que horas são?
– Seis horas.
Duas horas haviam se passado.
– Bem, desculpe por isto. Pode resolver? – perguntei.
– Tudo bem, pequena.
Meu pai então reúne toda água que estava no chão e, com alguns selos a transforma em um pequenino coelho, que ruma ralo abaixo. Logo após ele terminar fomos chamados por minha mãe da cozinha: “Tanaka, Reiko!”.
Chegando a cozinha deparei-me com Maho. Ela não era minha mãe de verdade, mas me criou como cria meu irmão Koji – que eu ainda não vi – e eu sinto amor por ela.
– Bom dia, filha. – disse ela.
– Bom dia, mãe. – respondi – O que temos para comer?
– Comprei a pouco um bolo de chocolate, o seu preferido.
– Oba! E Koji, já acordou? Queria dar um oi a ele antes de sair.
– Irei acorda-lo, daqui a pouco ele desce. – disse Tanaka.
– Obrigada. Pode pegar minhas bolsas e minha bandana também? Estão no meu quarto.
– Pegarei, querida.
Sentei-me a mesa. Maho servira o bolo que eu tanto gostava. Enquanto eu comi, meu pai voltara trazendo minhas coisas e carregando meu irmãozinho nas costas.
– Aqui estão as bolsas e a bandana. – dizia enquanto as colocava sobre a mesa – E aqui está Koji.
– Bom dia, irmã! – disse o pequeno.
– Bom dia! – disse eu enquanto dava um beijo sobre a testa do pequenino – Vou agora até a Academia Ninja, quer me ajudar a pôr a bandana?
– Sim! – disse ele com animação.
Levantei-me. Prendi minhas bolsas pelo cinto em minha cintura e em algumas faixas de minha calça. De forma bem distribuída. Abaixei-me para que Koji colocasse a bandana em mim. Pedi para que ele a amarrasse em meu pescoço – sem aperta-la – não gosto do tradicional uso sobre a testa. Ergui-me novamente e caminhei em direção a porta, pronta para ir. “Até mais, pessoal!”, disse enquanto olhava para todos ao redor da mesa. Todos eles desejaram-me boa sorte. Virei de costas e fui. Agora o tom dourado do Sol transformara toda a paisagem em outra, diferente da manhã anterior, diferente da noite. Única. Fui em direção a Academia sem deixar de observar todo caminho por onde eu passava, percebendo que coisas tão diferentes, diferentes ao ponto de não coexistirem, podem surgir de um mesmo lugar. Será que mais coisas assim me esperam pelo mundo?