Dividida
~ Pedido de resgate ~
Ayame ouvia vozes ensurdecedoras vindas de vários pontos da arena, seguidas de inúmeros passos que pareciam ficar cada vez mais audíveis. Não conseguia entender porquê. Estava mais preocupada em entender a situação do que em perceber o que significava tudo aquilo.
Olhou para a frente e viu-se agarrada a Shirou, que estava inconsciente e sangrava em vários pontos do seu corpo. Felizmente, a estratégia dela tinha resultado. Os pontos vitais dele tinham sido poupados, mesmo que a custo da segurança dela. Sabia que o Soutei e o Gaihi amorteceriam muito do dano nela, não se tornando fatal para ela mesma. Ferimentos como aqueles… Esses curavam-se sem problemas. Só a morte não tinha cura.
Kazuma! Queria ver como ele estava, verificar se ainda o conseguiria salvar, mas não se conseguia mexer. As costas dela estavam em carne viva devido à violência da chuvada de setas de vento e estava a ressentir-se do poderoso golpe do kirinin. Esforçou-se para se levantar, mas em vão.
E sentiu-se a deslizar, a abraçar o doce torpor da inconsciência, e tudo virou nada…
Acordou bem confortável numa cama que demorou uns segundos para reconhecer como sua, no seu quarto em casa dos avós. Doía-lhe o corpo todo e estava enfaixada com ligaduras na zona do peito para imobilizar ainda mais os seus movimentos. Partira mesmo alguma costela. Suspirou, desanimada, e olhou em volta enquanto se sentava com algumas almofadas atrás de si. A presença de um ruivo quase ao seu lado que ela não reparara de imediato assustou-a, fazendo para conter o grito com as mãos.
Ele era-lhe familiar. Ayame não conhecia muitos ruivos pessoalmente, apesar de o cabelo dele estar mais longo do que ela se lembrava. Azura, um kirinin que conhecera. Apesar de estar com um capuz e voltado para a janela, via-se algumas das feições dele. Nunca o tinha visto sem máscara. Ele nunca a tinha tirado, em nenhuma circunstância, e já tinha feito algumas missões com ele. Estava cada vez mais confusa… Como não o sentira antes?! Estava tão cansada que até os seus sentidos estavam entorpecidos? O que estava ele a fazer ali, logo no quarto dela? Não era suposto ninguém saber daquele “mundo”…
- Azura? – chamou ela para que ele olhasse para ela.
Quando ele o fez, baixou finalmente o capaz, revelando assim a sua identidade e aproximou-se em silêncio. Pele clara, olhos verdes. Dois elementos que a máscara escondera. Ayame baixou a guarda. Continuava surpreendida, mas sabia que ele não lhe faria mal. Ele teria as suas razões.
- O q-que estás a fazer aqui? – perguntou a kunoichi, ainda com o coração aos saltos pelo susto.
O ruivo remexeu no bolso da capa de viagem à procura de algo e estendeu-lhe o seu hitaite com o emblema de Konoha.
- Deixaste cair isto – respondeu ele de forma indiferente.
A kunoichi foi novamente apanhada de surpresa. A sério que ele estava ali só por aquilo? Que motivo mais… Simplório. E, ao mesmo tempo, humilde. Era algo novo vindo dele. Foi aí que se apercebeu que, realmente, mal o conhecia.
- Oh… Obrigada… - e fez silêncio. Sentia-se embaraçada. Por tudo. Quanto mais pensava no que acontecera, mais confusa ficava. Só se lembrava de flashes. Azura provavelmente vira a luta ou não estaria ali. Não queria falar daquilo. Queria fechar-se para o mundo e fazer que nada tinha acontecido. Mas precisava de confirmá-lo. – O que aconteceu ali, Azura?
Apesar de Ayame estar a olhar para as mãos no momento, ele procurou os olhos dela como jeito de confirmar a pergunta. Ela estava perdida em pensamentos, num nevoeiro de dúvidas. Iria ser conciso e falar precisamente do que ela poderia não se recordar.
- Desmaiaste depois de vencer a luta.
- Eu... – hesitou. Ia desabafar com ele, apesar de saber que ele não seria a melhor pessoa para dar apoio. Pelo menos, ouviria. Aquilo estava a pressioná-la demais. - Eu não sei o que aconteceu… - confessou ela. – Não sei o que aconteceu depois de ver o Kazuma … Senti-me a quebrar em duas e uma delas não era eu!
- Eras tu, sim – corrigiu o kirinin. Ela sentia-se dividida por não conhecer aquele lado dela. Ou não aceitar. – É uma parte tua. Não há como negar.
Ela enfrentou-lhe o olhar, furiosa com ela mesma.
- Eu pensei realmente em ceifar uma vida? Eu… Aquela não sou eu… Eu-eu perdi o controlo – a kunoichi divagava em voz alta. Na verdade, não procurava uma resposta. Estava a admiti-lo. - Sou fraca… O meu irmão foi atacado por minha causa…
Azura suspirou e sentou-se na cama dela. Ela realmente não conseguia aceitar o seu lado negro, aquele descontrolo que não conhecia. Não que ele não compreendesse…
- Estás viva. Não é isso que importa? – acabou ele por dizer.
- Nada justifica matar alguém, Azura! Eu sinto um monstro dentro de mim. E eu não o quero… Eu… Não o quero…
Lágrimas começaram a brotar dos olhos da konohanin. A Ayame negra continuava à espreita, ainda que estivesse calma. Ela conseguia sentir aquilo dentro dela, a vaguear. Podia ser algo diminuto em comparação ao que sentia que era ela, mas… A presença daquilo perturbava-a e as lágrimas faziam aquele ser rir-se dela. Ele não iria dizer nada sobre o que ela dissera. O silêncio dele era suficiente para ela como resposta.
- Sou uma fraca… - comentou novamente entre soluços.
Azura levantou-se. Iria deixá-la em paz. Ela estava claramente transtornada e ele não estava a ajudar. Antes de partir, disse-lhe apenas:
- Isso é simples. Torna-te forte então...
E voltou-lhe as costas.
Por impulso, Ayame agarrou na mão dele naquele preciso momento. Tivera a sensação que ele compreendia. O que era irónico. Aquele que era considerado um bloco de gelo poderia compreender a situação dela? Porque entenderia? Era apenas algo que o seu coração dizia… E ela sempre confiara nesse instinto.
- Ajuda-me a entender isto...
O ruivo virou-se lentamente para ela e encarou os seus olhos verdes, húmidos das gotas que tinham rolado. Ela estava a pedir-lhe para compreender o monstro dela quando ele mesmo não conseguia compreender o dele? Talvez… Talvez ele aprendesse algo com isso. Os livros diziam muitas vezes que as pessoas conseguiam resolver os seus próprios problemas ao ajudarem outros com problemas semelhantes. Ela não tinha morto ninguém como ele fizera, mas… Tinha um lado negro e descontrolado. Ele também.
- Sim… - aceitou ele. E saiu do quarto, deixando-a sozinha no seu interior, entregue aos seus pensamentos. Ela precisava de algum silêncio para voltar a reencontrar-se.
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