Contra o sol poente, uma fileira de camelos carregados de mercadorias caminhava calmamente pela crista das dunas em direção de Yokoyama. O deserto se tornara uma imensidão dourada que agora tomava um tom em vermelho graças à luz teimosa do astro-rei que insistia em iluminar o horizonte. -
Ainda bem. - Agradecia o tokubetsu, enjoado com os solavancos do animal que o transportava, aliviado ao ver que o líder do comboio comandou que fizessem um círculo naquele local. Os camelos gemeram adivinhando que seria a hora do descanso, inclinando suas patas para deitar-se sobre a areia. Espreguiçando-se, Daisuke desceu do seu camelo e se espreguiçou, buscando sua mochila cheia de tubos com seus projetos que levava amarrada na lateral do bicho. Puxando para fora seu saco de dormir, ele começou a montar sua tenda antes que a noite enfim trouxesse o frio congelante. Enquanto isso, os beduínos reuniam madeira e cavavam um buraco no centro da formação para acenderem a fogueira, enquanto os outros amassavam a farinha para preparar o tradicional pão dos nômades que, por sinal, o ninja achava o gosto terrível. "Não vou comer essa merda de novo." - Pensou consigo, arrependido por ter comido aquilo antes. Ele já estava há dois dias naquela procissão forçada. Daisuke se lembrou do momento em que pesquisou sobre Yokoyama, momentos depois que recebeu a notícia. -
Prisão de Segurança Máxima. - Comentou indignado, quando retornou à mochila e retirava sua ração noturna. Realmente aquele complexo ficava no local mais inóspito que conhecia e em seu subconsciente temia que aquela indicação tivesse vindo de seus inimigos. Porém, tentou afastar essa ideia de conspiração para não terminar enlouquecendo.
Então, quando o primeiro grupo de beduínos terminou de acender a fogueira, um deles, o que parecia ser o líder, olhou fixamente para o jovem através do lenço que cobria quase todo seu rosto. -
Bela peça você tem aí. - Disse o beduíno, acenando para a perna do garoto que ficara à mostra enquanto ele terminava de arrumar suas coisas. Daisuke não gostou do comentário. Afinal, era por isso que agora usava um uniforme mais longo, justamente para esconder sua deficiência. Por isso, sem mesmo responder, ele concordou com um abano de cabeça, puxando a perna da calça para proteger a prótese. O beduíno ficou sem entender aquele comportamento agressivo, e mesmo sabendo que poderia arranjar uma bela confusão com o jovem resolveu se aproximar. Recostando-se numa pedra na lateral da tenda do garoto, o beduíno puxou seu cachimbo e fitou a fogueira que crepitava com o vento. Daisuke fingiu que não se importou. Desenrolando o saco de dormir, ele pegou a lona da tenda e a jogou na lateral, começando a enterrar as peças de metal que dão sustentação à barraca. Passando o cordame nos espaços indicados, rapidamente o rapaz conseguiu terminar sua tarefa quando se sentou do lado oposto ao beduíno. Cansado da longa viagem, ele enxugou o suor da testa e começou a comer sob a luz da lua que já despontava no horizonte. o frio também começava a incomodá-lo. Principalmente na junção da peça de metal com seus músculos. Um frio agonizante que fazia seu corpo reagir com pequenos espasmos. O beduíno misterioso parecia ter percebido os espasmos, pois este juntou seu cobertor e o jogou contra o rapaz. -
Ei! - Reclamou.
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Proteja-se. Não queremos você doente a atrapalhar a viagem. - Retrucou.
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Não preciso de sua pena. Sou um ninja. Um ninja. - Respondeu o rapaz.
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Você conhece a história do "Garoto Amputado"? - Comentou.
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Vai se fuder, idiota. - Indignou-se, achando que o homem estava a brincar.
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Não entenda dessa forma. Deixe-me contar uma história. - Disse ao se inclinar para frente.
Daisuke permaneceu calado. Deixando o cobertor de lado, o ninja deixou seu lado curioso aflorar e esperou que o beduíno iniciasse a tal história. O homem, percebendo que ganhara a atenção do inquieto rapaz, tossiu para limpar a garganta e enquanto os outros ainda preparavam a janta, começou a contar a fábula...
"Apaixonado por artes-marciais, um garoto de dez anos de idade decidiu praticar judô, apesar de ter perdido seu braço esquerdo em um terrível acidente. Após muita insistência, os pais do garoto autorizaram sua entrada num dojo perto de casa. O menino ia muito bem, mas, sem entender o porquê, após três meses de treinamento, o mestre tinha ensinado a ele somente um movimento. Ansioso, o garoto então perguntou: -
Mestre, queria aprender outros movimentos? Mas o mestre respondeu calmamente ao menino de que este era o único movimento que ele precisará saber.
Aquilo deixou o garoto curioso, mas em respeito, ele continuou o treinamento. Então, meses mais tarde, o mestre inscreveu o menino em seu primeiro torneio. Mesmo nervoso, o garoto conseguiu ganhar facilmente seus primeiros dois combates com o único movimento que aprendera e enfim foi para a luta final do torneio.
O problema é que o oponente da final era bem maior, mais forte e mais experiente. Acenando, o mestre passou a confiança que tinha no rapaz, que entrou na luta e usou os ensinamentos do mestre mais uma vez, terminando por imobilizar o adversário e assim ganhando o campeonato. O garoto amputado era campeão. Mais tarde, em casa, o menino e o mestre reviam cada movimento em cada luta. Só então, o menino criou coragem para perguntar: -
Mestre, como eu consegui ganhar o torneio com um movimento?-
Você ganhou por duas razões - Respondeu o mestre, continuando: -
Em primeiro lugar, você dominou um dos golpes mais difíceis do judô. E, em segundo lugar, a única defesa conhecida para este movimento é o seu oponente conseguir agarrar seu braço esquerdo. - Concluiu. Era justamente o braço que o garoto havia perdido. “Foi então que soube que sua maior fraqueza agora tinha se transformado em sua maior força.”
Daisuke terminou de ouvir a fábula e se admirou pela lição tirada daquelas palavras. Admirado, o jovem não conseguiu comentar nada, permanecendo parado ao fitar o vazio em pensar que as fraquezas poderiam ser transformadas em força real. Vários pensamentos invadiram sua consciência e o deixaram num torpor que o distraiu do restante do ambiente. Vendo essa reação, o homem então tossiu novamente e se levantou da rocha, caminhando na direção da fogueira onde os beduínos já distribuíam o jantar entre os membros da comitiva. Daisuke ainda estava sem palavras. Nem sequer conseguiu agradecer. Fazia tempo em que não ouvia palavras tão sábias e agora tentava imaginar de onde tirar força daquela pela de madeira que substituía sua perna amputada. Mesmo assim, preferiu continuar comendo sua ração e se afastar um pouco para pensar em tudo aquilo. Ele não sabia o que lhe aguardava no presídio. Muito menos em que trabalharia, mas tinha certeza de que, através daquelas palavras, ele retiraria sua real força. Nesse momento seu coração se encheu de esperança e coragem. Suspirando, Daisuke se agachou e entrou na sua tenda já com a pretensão de não ser incomodado, pois precisava pensar. Sob a areia fofa, seu saco de dormir se tornara bastante confortável e assim, cruzando os antebraços atrás da cabeça, o jovem se deitou e apagou sua lanterna para vislumbrar o teto de lona na penumbra que a fogueira criava, além do barulho do tecido, que oferecia resistência à brisa gelada na noite do deserto. -
Droga. Ainda tenho mais um dia de viagem. Amanhã eu penso nisso. - Cochichou entre bocejos, terminando por cair no sono antes que pudesse perceber.
CONTINUA...