As luzes de seu quarto se acenderam para avisar que já era hora de acordar. Um jeito sutil de tirar todos da cama no mesmo horário, já que não podiam ver a luz do sol. Incomodado com a lâmpada amarela, Daisuke abriu os olhos e sua cabeça latejou. Ainda não se acostumara com o ritmo do trabalho naquele reduto, apesar de já estar lá fazia duas semanas. Sentando-se na cama, o jovem esfregou os olhos e viu a bancada ainda cheia de pergaminhos com seus projetos os quais passara até o início da madrugada estudando.
Nada ainda. Infelizmente, apesar de seus esforços, a busca pela solução para o problema com sua prótese se tornara bastante frustrante. Decepcionado com os becos-sem-saída em sua pesquisa, Daisuke enfim apoiou a perna postiça e se levantou, espreguiçando-se para esticar os músculos. -
Hora de comer. - Convenceu-se do pedido de seu estômago que roncou ruidosamente. Arrumando seu uniforme, o jovem juntou rapidamente os pergaminhos jogados na bancada, jogando-os no fundo do baú junto com sua tralha. Estava tudo pronto. A porta de metal então rangeu e o ninja ganhou o corredor com passos rápidos na direção do refeitório como fazia sempre. Era uma rotina tediosa. Desjejum, faxina, trabalho, almoço, entregas, exercício. Aquele local era praticamente um quartel sob o julgo de Nagasaki. O rapaz aprendeu rapidamente que apesar daquela aparência tranquila, existia um homem dissimulado e rancoroso, porém esperto.
Mas afinal, quem viria para este buraco de bom grado? - Pensou enquanto caminhava pelo longo corredor de seu quarto, que estava vazio como sempre, já que ele sempre era o último a acordar. Entrando pelo lado esquerdo de uma bifurcação no final do corredor, Daisuke subiu mais dois lances de degraus para entrar no barulhento refeitório onde algumas dezenas de guardas comiam. Aquele parecia ser o local mais espaçoso da prisão. Cercado pela fria rocha da planície, que era suficiente para manter o lugar numa temperatura agradável, o cômodo tinha forma retangular e em seu teto se podia ver uma dúzia de claraboias gradeadas, de onde a luz do dia iluminava o ambiente de maneira natural. -
Bom dia. - Cumprimentou ao chegar com sua badeja ao cozinheiro. Fazendo careta, o homem nem respondeu e buscou uma concha de um caldo esverdeado e leitoso, jogando-o no prato do rapaz. Parecia que o tratamento com novatos o impedia de fazer amigos. Desconfiados, guardas e funcionários evitavam contato até porque ele acabara de chegar e ainda não fazia parte da "família" de Yokoyama. Segundo o velho do setor de entregas onde trabalhava, este tipo de comportamento duraria por mais algumas semanas até que começassem a confiar nele. Enquanto isso, ele teria que aguentar. Assim, sentando-se separadamente, ele comeu seu caldo de ervilha e se dirigiu à dispensa, quando buscou o esfregão e o balde. Seu dia trabalho acabara de começar.
Subindo mais dois lances de escada, distanciando-se do refeitório, o ex-playboy cerrou olhos para poder se acostumar com toda a luminosidade do deserto a sua volta. Lá do alto do muro exterior, ele podia ver toda planície ao longe e toda sua consequente beleza. Existiam mais guardas lá em cima. Munidos de binóculos, sua chegada chamou a atenção dos vigias que sorriram do novato que agora esfregava o assoalho da paliçada. O trabalho lá em cima era pesado, mas em compensação, só o fato de não estar enjaulado no subterrâneo já melhorava e muito o seu dia. -
Não se esqueça desse canto aqui. - Comentou um dos guardas, chutando o lixo com alguns restos de sanduíches que levaram durante o turno da manhã.
Idiotas. Mas aquilo não conseguiu tirá-lo do sério. O ninja já havia tratado com outros daquele tipo antes. Não mereciam seu esforço. Além disso, já tinha terminado e certamente o velho o aguardava no setor de encomendas. Juntando os restos no saco, Daisuke disparou pelas escadas até depositar o que recolhera na lixeira do refeitório, quando se dirigiu às pressas até o local de sua segunda função num cubículo em que se espremia com o velho entre as dezenas de encomendas que chegavam todos os dias. -
Bom dia mestre Goroshi. - Concluiu ao sentar-se em sua mesa. O velho acenou com a cabeça e retornou à atenção para o pacote que tinha em mãos, abrindo-o cuidadosamente para fazer a habitual revista.
Aquele não era um trabalho tão complicado assim. Logo nas primeiras horas da manhã os falcões chegavam de todos os cantos do País do Vento. Como o velho não tinha mais toda energia necessária para subir as escadarias e buscar os sacos do correio, sobrou para o novato efetuar tal função, além de ajudar na separação e vistoria dos pacotes. As encomendas variavam muito em seu conteúdo. Revistas, mensagens de parentes ou até documentos oficiais passavam pelas mãos dos dois que distribuíam entre os destinatários. -
Eita... A mulher do 7632 enviou outra calcinha. - Comentou o jovem ao chefe, mostrando o conteúdo do pacote quer revistava. O velho nem olhou como se aquilo já fosse rotina. -
Não é dela. É para ele vestir. - Respondeu. Daisuke soltou o objeto com certo nojo no rosto, terminando por selar o pacote novamente.
. Ainda bem que já estava na hora da distribuição e recolhimento. O carrinho já estava abarrotado. Assim, carregando o último pacote do dia, o rapaz acenou para Goroshi que autorizou sua partida com um balançar da mão esquerda. Ainda com a energia da juventude, o ninja empurrou o objeto que rangeu alto através do corredor até o pequeno elevador vigiado por dois fiscais sentados à mesa. Olhando seriamente para o rapaz, eles verificaram por alto o conteúdo do carrinho e liberaram a sua passagem acionando o botão vermelho preso à parede. A porta de metal se abriu e, após alguns segundos de empurrões, Daisuke conseguiu entrar no cubículo que os levaria até o complexo de celas.
Ansioso para terminar enfim seu trabalho, ele usava a breve solidão da descida para se lembra de Yuka, a noviça da ilha.
Como ela deve estar? A saudade o acompanhava com frequência nestes dias de enfrentamento. Seus pensamentos se afundaram mais e mais no sorriso imaginário da moça até que um estalo mais forte fez o carrinho balançar e chamar a sua atenção para a porta automática que acabara de abrir. Daisuke foi recebido por uma fria lufada de vento que vinha do sistema de ventilação, trazendo os murmúrios das centenas de prisioneiros que ansiavam por notícias de seus entes queridos. Essa era uma das únicas regalias que os criminosos tinham. Suspirando o jovem enfim empurrou o carrinho para fora do elevador, aproximando-se da plataforma metálica que como um esqueleto percorria as paredes rochosas por três andares até as profundezas da segurança máxima. De olhos atentos, os guardas que zanzavam pelas passarelas viram o rapaz começar seu trabalho, parando de cela em cela para entregar as correspondências previamente abertas. Cela após cela, ele preferia sequer olhar para o interior com receio da possível reprimenda que receberia de algum dos seguranças do local.
Sem conversa. Era o que aprendeu a duras penas após uma semana naquele serviço. Contudo, quando chegou à cela específica, Daisuke não se conteve. -
Encomenda especial para você, 7632. - Sussurrou para o homem que saltou de sua cama com grande ansiedade.
Bizarro. - Pensou ao entregar a encomenda íntima ao prisioneiro.
-
Termina logo isso rapaz! - Esbravejou o fiscal. Não foi surpresa para ele levar um puxão de orelha. Acenando para o repressor, Daisuke empurrou mais uma vez o carrinho na direção das últimas celas. Eram cubículos reservados e com muito mais segurança que os corredores dos demais. Aquela segregação chamou a atenção dele e num desses dias de tédio acabou por perguntar ao velho porque que só existia um homem naquele setor. -
Kazuki é o mais perigoso. - Respondeu o velho, sem conseguir esconder a apreensão em sua voz.
Kazuki. O que esse cara tinha feito? Então, passando pela última cancela como fazia sempre estes últimos dias, o Tokubetsu empurrou seu fardo praticamente vazio, restando apenas uma ou duas revistas de conteúdo idiota de hípica e vegetação. Ele preferia nem se perguntar do porque aquele prisioneiro gostava de ler aquilo, mas como havia entregado uma calcinha para um dos detentos, nada que pudesse entregar poderia assustá-lo. Já entediado, ele atravessou o corredor até a cela onde Kazuki estava. Deitado com as mãos na nuca, o criminoso se levantou lentamente, como se quisesse saborear a ansiedade do novato, até que sorriu e buscou a revista que lhe fora entregue na semana passada. Ainda procurando não fitá-lo nos olhos, Daisuke buscou as revistas e as entregou pelo espaço entre as barras quando o homem saltou de seu repouso e agarrou sua mão. O coração de Daisuke bateu mais forte e o impeliu para puxar sua mão de volta, mas como estava desatento, não teve tempo. As revistas caíram ao chão, e antes que pudesse reclamar, um pedaço do papel da revista lhe foi entregue.
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Leia. - Sussurrou Kazuki, inclinando-se para buscar as revistas no chão e se afastar com um leve sorriso no rosto. Mais uma vez o jovem sentiu a adrenalina percorrer seu corpo e agora ele temia por seus atos, já que o segurança do corredor começava a se aproximar estranhando a movimentação. Daisuke não sabia o que fazer. Entregaria o papel ao guarda? Derrubava o papel ali mesmo? Estas perguntas açoitavam sua consciência quando finalmente sentiu a mão pesada do fiscal em seu ombro. -
Algum problema aí? - Inquiriu seriamente. O ninja tentou engolir saliva, mas sua garganta estava seca demais, e quando se virou, levou sua mão ao bolso da parte de trás de seu uniforme. -
Tudo bem. Nenhum problema. - Concluiu de forma desajeitada. Mais tranquilo, o guarda acenou e acompanhou o jovem para fora do local, fechando a cancela nas suas costas.
O que era aquilo? A ansiedade era tremenda. O rapaz ainda parecia não entender porque havia escondido aquele papel. Talvez alguma consequência de sua vida de criminoso. Ou mesmo pela sede por aventura. Sentir seu sangue fluir mais uma vez. Sentir-se vivo, talvez? Assim, retornando ao setor de encomendas o mais rápido que podia, ele largou o carrinho e se despediu do velho que nem o viu sair do recinto. Correndo pelo recinto, logo alcançou seu quarto onde se trancou com receio de que descobrissem o que ele possuía. Sentando-se à cama, Daisuke levou a mão no bolso mais uma vez e viu um recorte de revista. Neste recorte, ele logo percebeu algumas marcações sob algumas letras específicas que por fim formavam uma mensagem:
"TEMOS INTERESSES EM COMUM, SARU. RECONHECI VOCÊ.
AJUDE-ME E AMBOS CONQUISTAREMOS NOSSO OBJETIVO."
CONTINUA...