Filler 1
Para Miya, o dia havia começado cedo. No exterior o sol estava bem desperto, as árvores dançavam ao sabor de uma leve brisa, e o ligeiro roçar de asas de diversas aves pintava o céu. Mas com 6 filhos, um marido, e milhentas responsabilidades relacionadas com a lida da casa, Miya não tinha tempo para apreciar algo "tão ridículo como um dia bonito".
-Abram caminho para o pequeno-almoço. - Avisou a mulher enquanto pegava numa travessa fumegante e a transportava para a mesa atrás de si. Os 3 filhos mais novos já estavam sentados à mesa, envolvidos numa algazarra enorme enquanto puxavam roupas e cabelos uns aos outros. - Meninos, comportem-se. Onde é que estão os vossos irmãos?
Como se a questão da mãe se tratasse de um chamamento, mais dois rapazes, desta leva mais velhos, surgiram pela porta da cozinha no preciso momento em que a mãe acabara de pousar a comida na mesa. Um deles "atirou-se" logo para cima dela, abraçando-a e plantando-lhe um beijo na face.
-Bom dia mãezinha! - Exclamou ele com uma euforia fora do comum.
-O que é que me vais pedir? - Acabou a mãe por questionar após um tempo, erguendo uma sobrancelha desconfiada. O filho fingia desentendimento e ia começar a falar quando uma mancha cor de cobre tentou passar despercebida e em corrida pelos dois. Sem muitas cerimónias Miya estendeu a mão e agarou a outra única mulher da casa, sua filha, pelo braço. - Nah nah nah, calma contigo. Onde é que pensas que vais com essa pressa toda?
-A vizinha matou ontem um perú, e eu só ia... - A jovem, de nome Naho, interrompeu-se quando notou o olhar ameaçador da mãe. Esta última limitou-se a apontar para a mesa, e Naho dirigiu-se para a mesma antes que a mãe pudesse voltar a dar-lhe o discurso de como "nunca se sai de casa sem o pequeno almoço". O seu irmão ainda estava pendurado na mãe, e Naho espantava-se com o facto de esta continuar firme no mesmo lugar, tendo em conta que tinha em cima o peso de um dos filhos mais velhos
e de uma barriga de grávida com já 7 meses.
-Ias era ver o teu namoradoooo~~. - Gozou Noa, o rapaz de 11 anos que já se encontrava sentado à mesa, cantarolando.
-Pouco barulho. Comam rápido para irem à vossa vida. - Cortou imediatamente Miya antes que Naho pudesse reclamar, aproveitando também para se desenvencilhar do filho que a agarrara há pouco. Em seguida dirigiu-se à única filha e ao filho mais novo. - Naho, Masao, vocês hoje têm o exame para se graduarem certo?
O rapaz de 10 anos anuiu entusiasticamente enquanto comia da sua malga cheia até ao topo com arroz e natto. Naho, de 20 anos, teve vontade de enterrar a cara no pequeno almoço. Mesmo sem se virar na sua cadeira, conseguia sentir os olhos da mãe a queimarem-lhe a nuca.
-Naho... Desta vez é de vez, correcto? - Naho finalmente virou-se, fingindo o melhor sorriso que conseguiu encontrar naquele momento. - 9 anos na academia é demais. Livra-te de voltares a baldar-te para ires caçar.
-Fica descansada, o meu arco partiu-se ontem. - Naho respondeu, não conseguindo disfarçar uma nota de tristeza na sua voz. Não havia contado, nem fazia questão de contar, que tinha levado uma bela de uma cabeçada de um javali. E que no processo ficara com uma senhora pisadura na anca e coxa do lado esquerdo. Como se não bastasse a besta apanhou-lhe também o arco, partindo-o na barriga. Naho não tinha dinheiro para o mandar reparar nem para comprar um novo, e certamente não o iria pedir aos pais.
-Graças a deus. - Exalou Miya numa espécia de suspiro, claramente aliviada por ver a única distração da filha eliminada. - Aproveita agora para te graduares então. Que desconfio que quando arranjares um novo voltas ao mesmo.
Naho mordeu a língua para evitar responder à mãe. Em vez de se envolver numa discussão, achou melhor remexer o seu pequeno-almoço e começar a comer. Não era isto que queria para si. Uma vida de andar sujeita a ordens de outrem e atirar kunaizinhas para cima e para baixo era a última coisa que se imaginava a fazer. Mas "o dinheiro é bom, considerando as alternativas, e os teus irmãos já o fazem" era a resposta prevalente às suas preocupações. E por muito que não gostasse de o ouvir da boca da mãe, sabia que neste caso já não tinha alternativa. Sem arco não conseguia caçar, e sem caça não podia trazer dinheiro para casa, por muito pouco que fosse.
Posso pelo menos tratar da graduação agora e preocupar-me mais tarde com o resto. Talvez fazer um trabalho ou dois, só até ter dinheiro suficiente para voltar ao que fazia antes.Um atrás do outro, os irmãos iam-se levantando e dando as suas despedidas à medida que acabavam a refeição. Masao fez uma careta a Naho antes de sair da cozinha, e a rapariga devolveu-lhe o gesto, conseguindo depois ouvir o pequeno a afastar-se entre risos. Nessa altura não pôde evitar um sorriso.
-Também já te ias despachando, não? - Miya repreendeu a filha quando viu que ela era a única que ainda se encontrava na cozinha com ela. A mulher parou de lavar a louça por momentos, encostando-se ao balcão e olhando directamente para a filha enquanto secava as mãos com um pano roto. Fez-se silêncio por algum tempo enquanto Naho acabava o pequeno-almoço. Quando Miya falou, fê-lo já num tom mais sereno e preocupado. - Desculpa se eu e o pai te pressionamos tanto, mas é para teu bem. Sabes disso, não sabes?
Naho anuiu ao de leve enquanto olhava para a mãe, não sentindo necessidade de verbalizar uma resposta de imediato. Sentia-se grata pela família que tinha. Mas momentos destes a sós com a mãe, tão calmos e silenciosos, eram raros. E era em momentos destes, em que não faziam nada mais do que olhar uma para a outra, que Naho sentia o seu coração apertar com mais força contra o seu peito. Queria ser capaz de falar abertamente com a mãe. Dizer-lhe que nada disto era o que ela queria para a sua própria vida. Queria poder gritar para fora de si toda a frustração que sentia. Mas optava sempre por sorrir e desviar o olhar. Sempre.
-Desta vez é de vez. - Garantiu Naho, com tanta confiança que quase acreditou que as suas palavras fossem facto irrefutável. Despediu-se da mãe com um beijo na testa, após o qual se dobrou para lhe plantar um beijo na barriga, como que a despedir-se do irmão ainda por nascer. - Porta-te bem pequenote.
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Já estava na academia há mais de uma hora. Mal chegara, Naho e os outros - esperançosamente - futuros gennins disposeram-se perto da sala onde seriam avaliados. Alguns sentados em bancos, outros no chão, alguns ainda de pé e encostados a paredes próximas. Aos poucos e poucos, um a um, eram chamados à sala seguinte para realizarem o teste. E o nervosismo da jovem aumentava com cada aluno que era chamado e deixava a sala, até ao momento em que ficou sozinha.
A porta da sala finalmente abriu-se, largos minutos após Naho ter ficado sozinha na sala. A rapariga levantou-se de imediato. Não estava mais ninguém na sala, certamente viriam chama-la. Mas em vez disso, os dois chunnins examinadores sairam da sala enquanto conversavam, cada um a transportar um conjunto de dossiers debaixo do braço. Ambos se detiveram quando viram Naho na sala, e trocaram um olhar confuso.
-Vai andando, eu trato disto. - Acabou um deles por murmurar ao outro, esperando que ele se retirasse da sala para se dirigir à jovem. - Kita, Naho. Correcto?
-Sim. - Confirmou ela, tentanto parecer o mais profissional possível. - O meu nome deve estar na lista, não sei como não fui chamada.
-Tende a acontecer. Não que seja comum, mas 9 anos a chamar para avaliação alguém que nunca aparece... Tu compreendes. - O chunnin rabiscou algo na folha, e neste momento Naho não fazia qualquer esforço para esconder a sua confusão. - Hm... Sim, estás numa situação bastante peculiar. Não sei bem quais os procedimentos para isto, mas duvido que seja justo para os outros alunos receberes a mesma tarefa que eles.
Naho fez os possíveis por acompanhar as palavras do chunnin enquanto este falava, mas o homem vagueava tanto que ela sentia dificuldade em fazê-lo. Ora era a justiça para com os outros, ora eram as faltas, ora era o quase lhe ter custado o emprego, e mais uma lista interminável de queixas e reprimendas. Ela já se perdera completamente quando ele lhe estendeu um papel rasgado do canto de uma folha, com algumas palavras escritas.
-Resumindo, acho que esta é a opção mais sensata. Segue as instruções nesse papel, e se conseguires o que te peço vem aqui ter comigo ao final da tarde. Se fizeres tudo direitinho, eu avalio-te como fiz aos outros. Agora vai-te embora, que eu tenho mais que fazer.