[OST]
A jovem temia cruzar-se com alguém na rua que lhe perguntasse sobre o livro, mas para sua sorte o exterior do vilarejo Eleison estava acolhedoramente vazio sob as brumas. Dirigiu-se a um celeiro cujo interior era um amplo armazém de aspecto envelhecido. Outrora servira como refúgio para falcões, agora não era utilizado e continha apenas palha. Ao fundo do edifício havia uma escadaria vertical construída em madeira sobre a parede, a kunoichi trepou-a para alcançar um escritório numa plataforma refugiada.
Pousou o livro sobre uma escrivaninha castanha e admirou-o, estava desprovido de título, autor ou qualquer outra identificação, tinha apenas um relevo com o símbolo Eleison que ela sentiu ao massajar a capa negra com a sua mão suave. Desconhecia por completo o tema do livro, de facto, ainda nem tinha passado meia hora desde que tinha descoberto a sua existência. A única constante era que tinha na sua posse um dos segredos do clã.
Abriu o livro, a primeira página era branca, algo comum por ser uma das partes mais vulneráveis. Folheou-a para se deparar com outra página em branco, a sua curiosidade já estava a ferver, avançou outra folha e novamente, estava tudo em branco.
— Nada, não há nada! — Exclamou indignada, teria caído em mais um dos truques do seu próprio clã que o torna tão confidencial?
Verificou múltiplas páginas desde o centro ao fim até estar certa de que o livro tinha sido uma total perda de tempo.
Fitou o tecto e produziu um longo suspiro numa tentativa de libertar os nervos gerados pela situação.
O pior disto tudo é que tenho de arranjar maneira de devolver o livro antes que notem a sua falta, uma autêntica ratoeira para curiosos.Num movimento semelhante a bater palmas fechou o livro. Deparou-se com um brilho que incidia na sua mão esquerda, cuja fonte era o emblema do clã que estava estampado na capa e tornava-se gradualmente mais ofuscante, até que todo aquele perímetro estava iluminado.
Sikira piscou os olhos e o brilho desapareceu por completo.
— Porque é que haveria algo invés de nada? — Perguntou uma voz profunda e masculina atrás de si.
O medo manifestou-se numa sensação de picada na sua coluna em sintonia com um arrepio, quando conseguiu reagir virou-se. Na parede de madeira do sótão estavam desenhadas três figuras humanas.
— Que merda são vocês? — Vociferou ela incrédula, segundos antes de se arrepender da sua escolha de palavras.
— Quem és tu? — Perguntou uma voz feminina e adulta. Um momento de silêncio instalou-se e a jovem questionava-se se devia permanecer calada ou não, manteve-se tão concentrada nos seus pensamentos e a observar as visitas que acabou por não se pronunciar.
Tratava-se de um casal adulto com uma filha, o homem tinha pele escura e tinha apenas uma toalha a cobrir o genital, tinha cabeça de Íbis (ave pernalta, de pescoço e bico longo) verde e nas suas mãos um cajado e Ankh. A mulher tinha pele bronzeada, lembrando uma cenoura, a sua roupa era um vestido laranja e na cabeça tinha uma bela branca de beleza encantadora, presa por uma fita. Nas suas mãos portava as mesmas relíquias que o marido. Por fim a filha deles tinha pele mulata, vestido com padrão tigresa e ao contrário dos parentes carregava uma caneta e longo pergaminho. Uma folha de palmeira repousava na sua cabeça.
A mulher apropriou-se do lento raciocínio da kunoichi para repetir o seu turno no diálogo. — Informação é um recurso valioso e todos nós temos vontade de poder. Estou disposta a trocar o teu nome pelos nossos.
— Vocês são demasiado directos. — Declarou a pintura adolescente com uma voz doce. — Diz-me jovem, como é que sentiste quando nos conheceste?
Algo naquela voz inspirava-lhe confiança e quando deu por si a ninja estava a falar. — Assustada e alarmada, mas parece que não me querem fazer mal.
— Alguém assustado e alarmado iria fugir a sete pés, mas não foi isso que fizeste, mostraste-te forte e serena. — Exclamou novamente o homem cabeça de Íbis. — Uma máscara que se revelou eficiente, mas claramente não o será em certas situações.
Ao aperceber-se que eles só podiam falar e não representavam perigo, a Kunoichi aliviada sentiu-se pronta a revelar a sua identidade.
— Eu sou Sikira Eleison.
Uma gargalhada breve masculina ecoou múltiplas vezes pelo celeiro. — Desculpa, pareces estar tão certa do teu nome.
— Porque é o meu nome! — Guinchou ela meio irritada. — Cumpram a vossa promessa, quem são vocês?
— O que ele quer dizer é que Sikira é apenas um nome que os teus pais te deram e Eleison foi herdado. — A mulher alta tomou a liderança da conversa. — Esses nomes foram te atribuídos por outros humanos a tentar agir como se fossem Deuses, no entanto cada ser tem um nome verdadeiro, e esse nome veio do nada.
Ou eles não fazem qualquer sentido ou eu sou muito burra. Instintivamente a Eleison mordeu a unha do seu polegar e imediatamente baixou a mão, apercebendo-se da faceta insegura que essa acção transmitia.
— Eu sou Maat. — Apresentou-se a mulher. — Ele é Thoth e a nossa filha é Seshat.
— Juntos formamos o trio Anamnesis. Mas se nem sabes o teu verdadeiro nome somos apenas uma perda de tempo. Retorna-nos à Estante Negra a não ser que queiras sarilhos. — Pediu Thoth.
— Com a tua idade julgo que nunca tiveste um sarilho a sério, e por isso ainda não aprendeste o desconforto que isso trás. — Observou a figura adolescente.
Sikira suspirou, as suas ideias coziam na sua mente e quando achou que estavam prontas serviu-as. — Chega, chega de conversas sem sentido. Cheguei até vocês ao procurar pelas Relíquias Celestiais. Sabem alguma coisa sobre elas?
— Interessante, o teu sonho é ser intrometida? — Interrogou Thoth num tom cínico.
A jovem fitou os desenhos perplexa, não sabia se devia ficar chateada ou fascinada com aquela suposição. — O meu sonho é ser reconhecida como uma excelente detective, mas vim até aqui para ajudar o meu irmão.
— Isso comprova a minha teoria, o comportamento não é influenciado apenas pelo passado, os sonhos e aspirações também têm um papel importante. — O homem com cabeça de Íbis parecia bastante orgulhoso.
— Diga-me jovem, quem é o teu irmão? — Perguntou a adolescente mostrando-se curiosa.
— Ketzal.
A família misteriosa soltou um "oh" em uníssono que terminou quando Maat elogiou o rapaz.
— Ketzal achou uma falha no sistema? É uma pena a situação ter chegado a este ponto, mas ele nunca vai parar de me impressionar.