Filler 1 ~> Anunciação
-Kaede, rapariga! Onde tens andado?
-Kita-sensei?!? - Kaede esboçou um embaraçado, enrascado sorriso, não sabendo o que responder. Depois de ter falhado a última missão, havia evitado o seu professor a todo o custo.
-Kaede, Kaede... Quando é que aprendes? - Kita olhava para ela como que desesperado. Será que aquela rapariga não tinha remédio? - Achavas mesmo que ao evitar-me conseguias esconder que tinhas falhado a missão?
-Peço perdão. - Quase que implorou Kaede, baixando o rosto num gesto de respeito. - Não volta a acontecer.
-Podes apostar que não. - Com isto, Kita virou costas a Kaede. - Por favor, segue-me.
Confusa pela atitude caricata e pouco usual do seu professor, Kaede fez exactamente aquilo que lhe foi dito. Enquanto andava, não conseguia impedir-se de olhar para o intrigante homem que tanto lhe tinha ensinado durante o tempo que ela permanecera em Konoha. Não parecia ter envelhecido muito naquele período de 3 anos: o leve cabelo esbranquiçado ainda despontava tímida e desordenadamente por baixo do capuz alaranjado, extensão da camisola de mangas compridas que lhe cobria o corpo tatuado. Os seus jovens olhos esverdeados continuavam tão baços como sempre, quase como que ausentes e indiferentes ao mundo que o rodeava. A sua figura continuava alta, imponente e autoritária. Mas ainda assim, emanava dele a aura de juventude que sempre levara Kaede a confiar mais nele. Uma aura demasiado familiar, aura essa que Kaede tinha a sensação de conhecer desde sempre...
-Chegámos.
Kaede foi acordada do seu transe pela morna e serena voz do seu professor, e por um cheiro quente e algo incómodo. Apenas agora havia reparado que estavam em frente a um restaurante, e Kita segurava os curtos panos que cobriam a entrada, á espera que Kaede se decidisse a ultrapassá-los. Agradecendo vagamente a cortesia, Kaede, com os olhos pregados à poeira do solo, sentou-se imediatamente ao balcão.
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-De certeza que não se passa nada? Pareces-me muito ausente.
-Hmm? Como assim, ausente?
-Bem... - Kita observou Kaede a enrolar com ambos os pauzinhos meia dúzia dos finos masseiros húmidos da tigela à sua frente. - Acho estranho não estares a comer. Pensei que gostavas de noodles.
-E gosto... - Kaede pousou os pauzinhos na borda da tigela, aparentemente farta de brincar com a comida. Sem grandes constrangimentos, pousou os cotovelos no balcão e fez uma careta. - Mas não do que usam no Ramen. Demasiado fino, faz-me impressão na boca.
Kita suspirou. Porque é que o raio da rapariga tinha de ser tão complicada?
-Eh, Kita-sensei... Ouvi por aí uns rumores estranhos.
-Hmm? - Ainda sem interesse, o jovem limitou-se a levar os seus pauzinhos à boca, mastigando um pedaço de ovo preguiçosamente. – Ah, isso. Foi por isso que te trouxe aqui.
-Eh?!? Que é que isso tem a ver com…
-Calma, já te explico. – Kita levantou a sua tigela com ambas as mãos, esvaziando o que restava na mesma para a sua boca. Deixou-se ficar a mastigar por momentos. – Bem… Sabes bem a minha opinião quanto às tuas capacidades, certo?
-Como se me pudesse esquecer dela…
-Sim, também gosto das tuas indirectas. Como eu ia a dizer… - Kita interrompeu-se por momentos, procurando algo no bolso lateral esquerdo das suas calças. – Não te posso ensinar muito mais. Sabes que o Futton não faz parte da minha área, e por muito que me custe, vou ter de te entregar aos cuidados de um outro professor.
-QUÊ?!?!?! – Kaede levantou-se repentinamente, olhos esbugalhados e incrédulos.
-Acalma-te… - Sussurrou Kita nervosamente, agarrando-lhe o braço e arrastando-a para fora do restaurante, atirando com a sua mão livre meia dúzia de moedas para cima do balcão.
-Acalmo-me? ACALMO-ME?!?!? – Um olhar severo e ameaçador por parte de Kita fez com que ela se contivesse um pouco e deixasse de berrar. Mas nem pensar em calar-se agora. – Faz ideia daquilo que me está a fazer? Faz ideia da faca que me está a espetar nas costas?
-Faca nas… Oh Kaede…
-Nem Kaede nem meia Kaede! Sensei… Eu tinha-o como a um pai! Como é que pode ser capaz de me fazer uma coisa destas?
-Kaede… - Desta vez, Kaede não tentou interrompê-lo. A expressão do seu professor, serena e cansada, fez com que ela se acalmasse um pouco mais. Cada vez ficava mais impressionada com o modo como aquele homem era capaz de a controlar com tão pouco esforço. – Estou apenas a pensar no que é melhor para ti. Sempre te disse que as tuas capacidades não eram nem perto de satisfatórias, e o facto de teres falhado a última missão apenas vem reforçar a minha teoria. – Respirando fundo, colocou as suas mãos nos ombros de Kaede, de modo extremamente fraternal. – Sei que já tiveste professores na vila de Suna. Já entrei em contacto com eles, e nenhum deles impôs problemas ao teu regresso como aluna deles.
Kaede desviou o rosto, deixando os seus olhos negros descansar numa parede próxima. Faria ele alguma ideia do significado que um regresso a Suna poderia ter?
-Apenas te faço isto porque não vejo outra opção. – Kita continuou a falar, mesmo depois de ter notado que Kaede não precisava de ouvir mais nada. – Tenho vindo a adiar isto há meses, na esperança de encontrar uma solução melhor, mas não apareceu nada.
-E acha mesmo que voltar a Suna, depois de todos estes anos, é o melhor para mim?
-Acho. - Desta vez, Kaede não foi capaz de desviar o olhar. – Pode não ser um mar de rosas, mas vai-te ajudar a crescer como kunoichi e como pessoa. Está na altura de deixares os teus fantasmas para trás.
Kaede suspirou. Mesmo aquele simples gesto deixava transparecer o quão magoada ela realmente estava. Nunca pensara que, de todas as pessoas que haviam entrado na vida dela durante aqueles 3 longos anos, Kita seria a primeira a desapontá-la.
Mas pensando de modo racional, ela apercebia-se de que ele estava certo. Ali em Konoha, nada do que ela fazia parecia resultar. Nunca conseguira evoluir tanto como evoluíra em Suna. Talvez se lá voltasse pudesse crescer como antes… E se tal não acontecesse, sempre tinha a confirmação de que o problema não estava na sua “nova” vida.
Com uma expressão derrotada e vencida, Kaede decidiu que era altura de ceder à vontade do seu professor.
-Quando é que parto para Suna?
-Dentro de dois dias. – Neste ponto, Kita finalmente largou os ombros de Kaede. – Eu pedi para te escoltar até à entrada da vila. Lá, irás encontrar os teus dois novos colegas de equipa, ambos de Kumogakure. Depois disso, estás por conta de Suna.
-Tão súbito… - Lamentou-se Kaede num tom fingido, mais para indicar a Kita que já não precisava de se preocupar com a decisão dela. – E porquê duas pessoas da Vila da Nuvem? Suna não tem gente suficiente?
-Bem… Eu podia até explicar-te o porquê, mas prefiro que o descubras quando lá chegares.
-Mau… Já me está a cheirar a problemas.
-É… Ainda bem que nunca tiveste muito bom olfacto.
O caminho de regresso ao campo de treino, onde ambos se haviam encontrado inicialmente há poucas horas, e onde haviam deixado a sua artilharia mais pesada, não foi isenta das usuais conversas e brincadeiras a que ambos se haviam habituado naqueles últimos anos em que haviam convivido. Tudo feito na maior das calmas e normalidades, como se a partida de Kaede dentro de dois dias nem sequer existisse. Como se os difíceis tempos que se avizinhavam nunca tivessem dado sinais de vida até ao momento.
Desprevenidos em relação ao que quer que o futuro lhes reservasse, nenhum deles podia sequer imaginar que, dentro de meras semanas, uma simples decisão por parte de Kita poderia pôr em risco a vida de uma vila inteira. Nenhum deles poderia sequer calcular que, dentro de dois anos e meio, a vida de Kaede mudaria tão drasticamente que seria ela a responsável pelo destino de um país inteiro.