Filler 3 ~> Partida
Kaede esfregou os olhos, tentando afastar para longe a réstia de sono que ainda lhe toldava os sentidos. Já dois dias haviam passado desde que Kita lhe anunciara que ela iria ser transferida para Suna, o que queria dizer que, dentro de algumas horas, já estaria a caminho da vila que a iria abrigar e ensinar por uma quantidade de tempo indefinida.
Ainda meia esgazeada, deixou os seus olhos fixarem-se vagamente no espaço para lá das cortinas que cobriam a única janela do seu quarto. No exterior, o céu ainda se encontrava negro, salpicado por ocasionais pontos cintilantes. Kaede suspirou, deixando o seu braço cair sobre a mesinha de cabeceira colada à sua cama, enquanto o seu rosto reencontrava a almofada. Nunca antes na vida estivera tanto tempo sem fazer nada, e no entanto nunca se sentira tão cansada como agora.
Sem grande interesse, olhou para o despertador. Quatro e meia da manhã. Está quase na hora. Não vale a pena tentar adormecer outra vez.
Sem a sua habitual rabugice matinal, Kaede levantou-se da cama. A habitual rotina das manhãs, que já lhe permitia agir de modo automático, deixou um espaço no qual lhe era permitido pensar. E por muito que quisesse ponderar o que aconteceria assim que chegasse a Suna, havia outra coisa a toldar-lhe a mente. Não conseguia afastar dos seus pensamentos aquela rapariga do espelho.
Durante todo o tempo que demorou a arranjar-se, Kaede evitava ao máximo olhar para qualquer superfície reflectora que lhe aparecesse pelo caminho. As memórias daquele estranho sonho eram ainda demasiado frescas, e o receio de ver novamente aquela rapariga caso olhasse para um espelho era enorme.
Já em frente da porta, a colocar a mochila nas suas costas, Kaede deixou os seus olhos admirarem a escura, deserta habitação atrás de si. Perguntava-se quando poderia sentir o cheiro daquele local outra vez, quando voltaria a sentir o sol de Konoha queimar-lhe a pele, quando iria voltar a recordar tudo aquilo que lhe permitira uma segunda oportunidade. Nunca antes pensara muito sobre isso, mas… Iria sentir saudades daquele local.
Num movimento solene, recheado de uma despedida melancólica, apertou o punho em volta do cabo da sua foice, que até então descansara encostada à parede. Acabou por conseguir acomodá-la no mesmo local de sempre, nas suas costas, apesar de a pressão que a mochila exercia contra a foice, pressionando-a dolorosamente contra a carne, lhe causasse algum desconforto.
A maçaneta da porta nunca antes lhe parecera tão fria. Ao abrir a porta para o exterior, sentiu o seu corpo ser abraçado pela leve onda de frio e neblina que, por vezes, encobriam as madrugadas de Konoha. Não deveriam ser mais do que 5 horas naquele momento.
Meia hora mais tarde, depois de ter dado uma volta em jeito de despedida pelos locais da vila que mais a haviam marcado durante aqueles últimos 3 anos, Kaede encontrava-se em frente do portão principal. Kita já lá se encontrava, de mochila às costas e a mastigar um palito. A sua despreocupação era ridiculamente exagerada, deixando muito a desejar quanto à sua autenticidade.
Após uma leve saudação ao seu professor, Kaede e Kita iniciaram o seu rumo para longe da vila. Kaede, após ultrapassar o portão, não pôde evitar virar mais uma vez o rosto para a vida que agora deixava para trás. Konoha parecia mais mágica que nunca, enquanto a fina e suave neblina se dissipava lentamente, entrelaçada nos tímidos raios de sol que já despontavam a nascente. Dali para a frente, tudo o que o futuro lhe reservava eram meras suposições e incertezas.
Encarando o caminho à sua frente, agora com a sua mente mais resoluta e concisa, Kaede puxou ambas as pontas do seu hitai-ate, prendendo-o mais fortemente em torno da testa. Não interessava já o que pudesse vir, o que teria de aguentar ou o que teria de enfrentar: de agora em diante, encararia tudo o que tivesse de encarar com força e agressividade. A partir de agora recusava-se a ser a colega de equipa que, por muito que tentasse, nunca conseguia dar o máximo. Agora, com Suna como destino, iria superar-se a si própria.