As cortinas fechadas não permitiam a passagem de quase nenhuma luz para dentro do quarto, mas podia se identificar que já era manhã. Em um canto debruçado sobre uma escrivaninha limpando uma flauta transversal havia um garoto trajado com apenas uma bermuda preta. Uma duzia de pequenas peças lançadas sobre um pano, os olhos acinzentados vidrados em cada parte do instrumento enquanto aos mãos cautelosamente manuseavam uma haste flexível deixando o metal perfeitamente limpo. O antebraço percorreu pela testa espantando os cabelos ruivos que haviam se fixado devido ao suor. Logo começou a reorganizar as peças e encaixa-las, os dedos movimentando-se com a naturalidade de alguém que já havia realizado aquilo ao menos uma centena de vezes.
Os lábios já quase encostavam no metal gélido quando o barulho do despertador preencheu o comodo. O ruivo suspirou com a insatisfação de não conseguir realizar seu treinamento matinal antes da academia. Guardou cuidadosamente a flauta em sua case e saltitou para próximo a cama afim interromper o som de trombetas que vinha do pequeno aparelho no móvel ao lado da cama. —
E aqui vou eu. — Os braços esguios alcançaram a toalha pendurada em um cabideiro e seguiu para o banheiro a alguns passos de distância.
Alguns instantes depois lá estava Hibiki na cozinha preparando um belo ovo mexido com uma porção de cereais e algumas frutas picadas em uma especie de salada. Lançou apenas um prato sobre a mesa e logo dispôs a comida sobre o mesmo. Sentou-se e começou a comer enquanto os olhos percorriam um panfleto - o qual havia coletado no dia anterior em suas andanças pela cidade - que demonstrava o anuncio de diversos instrumentos musicais e no topo havia um kanji com a tradução logo abaixo: "Sozo". Seu clã. Mundialmente conhecido por seus excelentes instrumentos produzidos de forma única por luthiers treinados durante anos. Ao menos era assim que eles eram conhecidos nos últimos anos.
Quando já lavava a louça da sua primeira refeição o olhar perspicaz captou uma pequena forma passando pela janela e pousando sobre o balcão ao seu lado, uma pequena borboleta de papel. Um sorriso surgiu desenhou-se na face marcada por sardas e logo recolheu a pequena representação do inseto.
"Oi meu pequerrucho.
Mamãe e papai estão com saudades. Mas não estaremos em casa essa semana como prometemos, surgiu um imprevisto e teremos que emendar com a nova apresentação em Suna, só retornaremos na próxima semana. Já falei com sua Tia Ilda e ela vai ficar com você este fim de semana. Se quiser pode ir para casa do seu avô.
Nós te amamos.
Com carinho,
Mamãe."
A musculatura facial relaxou e os olhos contemplaram o vazio durante alguns instantes. O jovem lançou o bilhete a um canto da cozinha junto a uma pequena pilha de outros papeis similares. —
Eles nem sequer lembraram. — Hibiki lançou a mochila sobre os ombros e atravessou a porta de saída. Chacoalhou a cabeça e respirou fundo devolvendo um aspecto vivo ao rosto, com um olhar transmitindo o brilho juvenil e as bochechas ressaltadas .
Pelo caminho cumprimentou uma dezena de pessoas que sempre lhe questionavam quando seria o próximo show de seus pais na vila ou quando seria o próximo grande show dos Sozo. Aquilo não lhe entristecia, porém naquele dia aquilo lhe incomodara de forma estranha. Estava dedicando-se a anos para aquele momento e seria o primeiro de sua turma a conseguir aquele feito, além de o primeiro nas últimas três gerações de seu Clã a realizar um fato além do normal. Mas para todos era apenas um dia normal.
—
Então é hoje que você nos abandona? — Questionou uma voz feminina vinda de trás de Hibiki assim que o mesmo parou diante do portal da academia. Com um largo sorriso estampado na cara uma pequena menina loira se aproximava do garoto, acompanhada por mais um rapaz de cabelos negros e uma clara cara de sono.
—
Bom dia, Akabi. E não dormiu novamente jogando aquele jogo, não é mesmo Seikato? — Falou o ruivo sem retirar os olhos da imensa construção a qual havia frequentado durante os últimos cinco anos e estava prestes a despedir-se dela. Não haveria atividades aquela manhã para o jovem Sozo. Apenas uma ida até uma sala com três avaliadores que julgariam suas capacidades e se realmente estava acima da média para receber sua bandana e a responsabilidade como shinobi da vila de Kirigakure.
Hibiki enterrou a mão nos bolsos da calça e deu seus primeiros passos para dentro do patio da instituição de ensino. Alguns dias atrás aquele momento seria quando ele estaria rindo, implicando com Akabi e reclamando da falta de dedicação de Seikato. Estaria sentado na grama com seu console portátil disputando com seus colegas mais algum pequeno campeonato do jogo da moda ou apenas lendo alguma coisa sobre música, entretanto já fazia quase uma semana que havia recebido a noticia de que havia sido recomendado pelo sensei para uma prova individual e encontrava-se inquieto desde então.
Naquele momento logo antes de colocar o pé no corredor e direcionar-se para a sala de avaliação ele percebeu o que aquilo representava. Não tratava-se de ser um destaque e nem sobre ser superior. Tratava-se de uma noite a cerca de dois anos atrás, uma noite que jamais esqueceria. Sentado na varanda de sua casa sob a luz do luar enquanto secava as lagrimas do rosto e assumia o peso de reerguer o nome Sozo.
—
Não seremos mais fazedores de instrumentos. Seremos novamente os lendários guerreiros do som. — As palavras escorregaram por entre seus lábios como um aviso para si mesmo do que estava em jogo. Os olhos se voltaram para uma pequena porta a menos de dez passos de distância e o peso do mundo pareceu desabar sobre seus ombros.