Shikuzo tinha o coração oprimido, no entanto, a imagem da irmã trocou, no tormento mais fundo, o gemido da alma por um grito de ódio interior.
O ódio sempre vence o medo. Pensou, crendo ter descoberto a chave para a libertação do seus grilhões. Atentou-se, doravante, ao que Miura disse.
— Escutem bem, pois falarei somente uma vez. — Subentendeu que essa era a primeira lição: quando uma ordem é dada em campo de batalha, ou você a compreende imediatamente, ou você põe em risco a vida de todo o mundo e a sua própria. — Será um teste de sobrevivência. Vocês terão de passar dois dias isolados, em equipe, na floresta de pedra. Uma hora para a preparação, peguem o que acharem necessário. Encontrar-vos-ei à entrada, darei mais detalhes lá, usaremos o obelisco como referência. Até lá... — E nisso desapareceu, liquefazendo o próprio corpo como se aquilo fosse corriqueiro deveras. Miura possuía, além do físico, um potencial de intimidação psicológica incomum, cada trejeito, cada olhar seu parecia mascarar uma intenção velada, um objetivo escuso. Nenhum dos três, no entanto, compreendia exatamente o que aquilo significava, somente absorviam muito difusamente os propósitos do homem, como se uma aura de obscuridade o envolvesse.
Isso é ser um ninja? Pensaram, em uníssono; o primeiro instinto grupal completamente inconsciente.
— Isto é um clichê, percebem? — Alertou a garota, levantando-se na direção da poça de água, mas direcionando a voz claramente aos dois rapazes. — Vai ser bem fácil, o orfanato era muito pior que uma floresta.
— Não é uma floresta comum, quer dizer, não sei bem dizer se a parte mais próxima da vila é uma floresta. — Falou Shikuzo, um pouco mais tranquilo com o desaparecimento do Sensei, sua voz, todavia, carregando migalhas de apreensão.
— Realmente, aquilo parece um monte de estalactites gigantescas no solo, são árvores feitas de calcário... só que não são árvores. Você é nova na vila, não escutou o suficiente sobre o lugar.
— Vejam bem, o primeiro requisito para o funcionamento de uma equipe é...? — E cessou, olhando-os, sem reposta. — Trabalho em equipe, evidentemente. Mesmo que fosse o inferno na terra, ele só vai testar isto, não se preocupem. Eu já entendi esse cara, ele tá tentando amedrontar a gente.
Ambos, Mokusei e Shikuzo, olharam-se em dúvida. A tese de Shiori parecia ressoar com alguma autenticidade, não obstante, um pensamento soturno percorria a mente de Mokusei.
Será que ela está tentando nos enganar também? Não tinha o hábito de duvidar do caráter dos outros, mas a experiência que teve com a garota durante a academia instigava o pensamento. Shiori era uma pessoa que se aproveitava inescrupulosamente das situações, uma habilidade formidável para certas ocasiões, em verdade, mas aquilo pareceu a Kaneko uma brecha para a sua debacle.
Ela pode ferrar com tudo. Não alimentou nenhuma impressão de bondade na sua figura, e, à primeira vista, não se sentiu culpado em absoluto. Despediram-se e partiram, uma estranha ansiedade se apoderando de seus corações.
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Mokusei preparou-se com velocidade surpreendente, era uma pessoa extremamente organizada e tinha certos transtornos de obsessão quanto a isto. Se via uma coisa fora do lugar, metia-se logo a organizá-la, sempre prezando por um ambiente em que houvesse uma disposição espacial racional e que tornasse sua vida mais objetiva. Não raro deleitava-se com a consciência da própria praticidade, embora soubesse que não passava de uma herança genética do pai.
Quando ganhou a rua, depois de um quarto de hora, notou a presença de uma leve chuva. Embora fosse um entusiasta, pensou que caminhar por um terreno desconhecido e escorregadio não seria uma desvantagem pequena; "Bem, o máximo que me pode acontecer é voltar às aulas da academia. Dane-se a garota e essa chuva." Pensara, tentando livrar-se da angústia que representava Shiori, ao mesmo passo que tencionava diminuir a pressão da reprovação. Isso ajudou um pouco, mas seu peito ainda parecia opresso por algo frio e sem forma, como se uma forte corrente de ar esmagasse o seu tórax em diferentes partes.
[OFF] Curto, pra ver se ainda tenho chances de recuperar o pique.