Filler 4 ~> (Re)Conecção com o passado

Kaede bufou, exasperada, enquanto vertia as poucas gotas de água que restavam no seu cantil para a sua mão esfolada. Agora, as palavras e juras que fizera ao sair de Konoha pareciam-lhe simplesmente patéticas. Crescer? Encarar o futuro com garra e agressividade? Pois, claro…
-Ainda não estás despachada?
-TENHA CALMA, SIM? – Berrou Kaede do todo da rocha escura e gretada, tentando utilizar a pouca quantidade de água que tinha o melhor possível, de modo a conseguir limpar a ferida na sua mão.
-Santo Kami… Só tu para te aleijares numa altura destas.
-Eu não tenho culpa, O.K.? – Rosnou ela, respondendo ao suspiro árido de Kita. – Sabia lá eu que aquela raiz ia estar ali metida no meio do caminho?
Kaede voltou a concentrar-se na sua mão direita, não chegando a ver Kita baixar o rosto, levando as pontas dos dedos à testa, acenando negativamente com a cabeça em seguida. Depois de já ter envolvido todas as feridas resultantes da queda com ligaduras e ter gasto toda a água do seu cantil, Kaede deixou-se ficar na rocha, olhando o céu azul. A quantidade de luz que incidia nos seus olhos fazia com que os mesmos assumissem um tom drasticamente mais claro, envolvido por sombras vermelho-sangue.
Sentia a impaciência de Kita lá em baixo, e talvez por isso mesmo tenha assumido que fosse boa ideia descer. Com todas as delongas a que se podia permitir, voltou a amarrar o cantil no seu cinto. Espreguiçou-se vagamente, mais para se deleitar com o gesto do que para despertar novamente os músculos. Aí, finalmente e sem grandes pressas, saltou para junto do seu professor.
-Estava a ver que nunca mais… - Kaede franziu uma sobrancelha. Por aquilo, era-lhe mais do que óbvio que Kita estava aborrecido. Agora que pensava nisso…
-Kita –sensei? Tem estado muito calado durante a viagem…
-Vamos é continuar. Despacha-te múmia.
Agora foi a vez de Kaede revirar os olhos.
-Sabe, ser um bocadinho mais simpático não lhe ficava muito mal. – Engraçou Kaede, pegando na alça da mochila que Kita segurava nas mãos.
-Vá, agora também não posso fazer piadas? – Kita largou a alça que tinha entre o punho, largando todo o peso da mochila na mão de Kaede. Quando a rapariga já tinha a mochila nas costas, e em jeito de simpatia, Kita pegou na foice que se encontrava encostada à pedra, pronto para a passar à sua aluna. – Rapariga… Isto com a mochila em cima não te aleija as costas?
-Erm… Ya, mas não tenho outro modo de a transportar. Andar com ela na mão o tempo todo é um bocado cansativo.
Kaede estendeu a mão para a foice, esperando que Kita lha entregasse. Em vez disso ele revirou-a nas suas mãos, olhando atentamente para o cabo. Parecia estar à procura de alguma coisa. Examinou a foice durante uns bons cinco minutos, ao fim dos quais a entregou à sua legítima proprietária.
-Para que foi isso?
-Para nada. – Respondeu Kita secamente, puxando o carapuço que sempre lhe cobria a cabeça um pouco para trás e encolhendo os ombros despreocupadamente. – Apenas acho estranho uma foice desse tamanho não ter nenhuma artimanha aí pelo meio.
-Bem… Acho que nunca nenhum dos meus antigos professores se lembrou disso.
-Ah, pois é… Podias falar-me um pouco deles! – Um sorriso algo divertido e interessado brincava, travesso, no rosto de Kita, enquanto os dois recomeçavam a caminhada.
-De quem?
-Dos teus antigos professores, ora…
-Ah… - Por momentos, os olhos de Kaede tornaram-se ausentes e nostálgicos. Mas nada no seu rosto indicava se tal assunto lhe agradava ou desagradava. – Não sei se já terá ouvido falar deles.
-É claro que já. Não te disse há dois dias atrás que tinha falado com eles?
Kaede não respondeu, fitando mais uma vez as finas almofadas de algodão que dançavam lentamente pelo céu azul. Pensar nos seus antigos professores definitivamente não era o que ela queria fazer agora.
-Então… De quem queres falar primeiro, de Temari ou de Baki? – Como quem não queria a coisa, Kita relanceou um olhar a Kaede.
-Hmm… Acho que posso começar por Baki-sensei, visto que ele foi quem me ensinou a usar o vento sem recorrer à foice …
-Então, diz lá… Era muito duro aprender com ele?
-Bem… Não era mau de todo. Apesar de tudo, era um bom professor. Grande parte do que sei hoje aprendi com ele.
-E Temari?
-Ela também era muito boa professora. Mas verdade seja dita, sem as aulas de controlo de chakra de Baki-sensei, não teria sobrevivido às aulas dela.
-Entendo…
Durante grande parte da viagem, Kita e Kaede conversaram sobre Temari, Baki, a antiga vida dela em Suna e como havia sido complicado aprender tudo o que tinha aprendido. Kaede referira tudo o que havia a referir: a sua incapacidade de manter o mesmo nível de concentração durante muito tempo, o quão dura a academia ninja havia sido, as dificuldades que tivera em lidar com o quão fraco o seu clã era, e como isso a fizera perder a motivação durante muito tempo. Ao longo de toda a conversa, Kaede sentia as memórias do seu passado cada vez mais frescas na sua memória: e, mais uma vez, não havia modo de distinguir se estas eram boas ou más.
O ar tornara-se mais pesado, o céu mais escuro e o matagal menos denso. Kaede, cansada e cheia de sede, deixou-se cair pesadamente, encostada ao tronco de uma árvore. Fechou os olhos, procurando alguma calma, e pôde sentir Kita a mover-se ali perto. Mesmo não o vendo, conseguia distinguir perfeitamente os seus movimentos. A falta de concentração de Kaede acabou por atacar, e ela deixou de o conseguir fazer. Nesse momento, reabriu as pálpebras.
-Bem, por hoje ficamos aqui. – Decidiu Kita, atirando o seu cantil a Kaede. Esta nem pensou duas vezes, deixando a sua boca acolher, deleitada, a água fresca por que tanto ansiara até então. – Amanhã quero ver se faço um treininho contigo, só para ver o nível em que ficaste.
Kaede não respondeu imediatamente, limitando-se a descolar o bocal da sua boca. Respirou com vontade, sentindo-se como que livre de um peso.
-De certeza? – Acabou Kaede por inquirir, estendendo o cantil de volta para o seu professor. – Isso não servirá apenas para nos atrasar?
-Nã. – Kita soou confiante, enquanto procurava por alguma coisa no interior da sua mochila. – Estamos a andar a um bom ritmo, chegamos a Suna na altura combinada mesmo perdendo tempo com o treino.
Kaede anuiu, endireitando as suas costas contra o tronco. Observou Kita enquanto ele retirava um fino cobertor da mochila e o estendia na mão. Ao terminar, viu que Kaede nem sequer se mexera.
-Então… Tencionas ficar de vigia?
-Sim, se não se importar. – Kaede esboçou um leve sorriso, como que incentivando/obrigando Kita a aceitar a sua vontade.
-Tch – Kita fez uma careta, virando costas a Kaede. – Depois amanhã não te queixes do sono.
Kaede não respondeu nem protestou, optando por engolir um sorriso ténue. Quando finalmente Kita adormeceu, Kaede sentiu-se extremamente solitária. Não iria adormecer, sabia disso. Não quando o seu maior receio naquele momento era voltar a sonhar. Sonhar com o mesmo que sonhara na noite anterior.