Filler 4 - Dia 1: Dúvida?Yuu invadiu a cozinha cautelosamente, sentindo-se algo receosa em relação ao que poderia encontrar lá. Não só era a primeira vez que entrava naquele espaço, como também lhe queria parecer que a sua mãe se encontrava lá: e isso certamente não era um bom sinal. Não de todo.
Assim que entrou na cozinha e jovem viu-se obrigada a desviar-se de um objecto esbranquiçado que voava em direcção à sua cabeça com grande velocidade. Depois de se ter agachado e olhado em frente viu a sua mãe com a frigideira na mão e uma expressão de não-deveria-ter-feito-isto estampada no rosto. Olhou para a parede atrás de si e viu um ovo ainda cru a escorrer pela parede. Mas que…
-Desculpa Yuu. - Apressou-se a mãe da jovem a dizer, pousando a frigideira no fogão como se o objecto estivesse possuído por um qualquer demónio. - Pelos vistos não tenho muito jeito para a cozinha…
Com uma expressão compreensiva no rosto, Yuu pediu à mãe que se sentasse e tomou o lugar dela defronte da frigideira. A sua mãe sempre tivera quem lhe tratasse de tudo, incluindo a cozinha: e naturalmente não estava acostumada a cumprir com tarefas domésticas, fossem elas quais fossem. A própria Yuu não seria capaz de pelo menos estrelar um ovo se, durante vários anos, não se tivesse escapulido para a cozinha e se entretesse a observar as cozinheiras. Uma em particular (de quem Yuu havia esquecido o nome) tinha-lhe ensinado muito. Demasiado, na afectada opinião da jovem.
-Sabes, não cessas de me surpreender. - Declarou Hasu enquanto a filha ia acabando com bastante eficácia aquilo que ela começara. - E eu que sempre pensei que fosses uma inútil.
-Haha… - Ironizou Yuu, sentindo-se parcialmente insultada. - És um pouco suspeita para falar sobre isso.
-Touché. - Disse a mulher mais velha, rendendo-se.
Mal acabou de preparar o que restava do pequeno-almoço, Yuu começou a colocar alguns pratos em cima da mesa. Um para a sua mãe, um para ela própria e outro para…
-Onde é que anda o pai? Ainda não o vi desde que saí do quarto…
-Parece-me que teve de ir tratar de uma papelada relativamente ao teu novo sensei. Não te preocupes, ele deve voltar antes da hora de almoço.
-O problema não é esse… - Começou Yuu, agora a preencher os pratos que colocara no topo da mesa. - Era suposto ele hoje treinar um pouco comigo. Ou pelo menos foi isso que ele me disse ontem a caminho de casa.
-Não esperes demasiado, já sabes como ele é.
-Pois…
A resposta seca de Yuu ao comentário entristecido da mãe apenas fez com que o ambiente entre as duas se tornasse ainda mais pesado. Tanto Yuu como Hasu sabiam muito bem que Hyun não fora preencher papelada nenhuma: ou pelo menos era isso que a experiência lhes dizia.
-Não está mau de todo… - Decarou Hasu, tentando quebrar o peso do ambiente que se desmoronara sobre ela e a filha.
Yuu limitou-se a anuir em agradecimento, enquanto continuava a enfiar pelos lábios pequenas porções da comida que se encontrava no seu prato. A sua expressão, ausente e concentrada, provavelmente denunciaria que ela se encontrava imersa na mais profunda das concentrações. Mas naquele preciso momento nada cruzava a sua mente. Absolutamente nada. Apenas uma corrente translúcida e inexistente de ideias, um vazio que despojava a sua mente de todo e qualquer pensamento ou reflexão. No seu subconsciente provavelmente receava que, se pensasse, uma torrente de lágrimas a pudesse assaltar impiedosamente naquele preciso momento. Eram demasiados anos a fingir que não sabia o que se passava, que não fazia a mais pequena ideia de tudo o que as acções discretas do pai causavam. E se ela se sentia assim, não queria nem imaginar como se sentiria a sua mãe...
Um baque produzido pelo copo de Hasu a tocar a superfície rígida da mesa acordou Yuu do seu transe vazio. A jovem fixou a mãe por momentos, tentando perceber como seria estar no lugar dela. Os longos fios dourados do cabelo da mulher caíam-lhe graciosamente sobre os ombros, revolteando-se numa quantidade infindável de curvas dançantes e hipnotizantes. Os olhos claros e de tonalidade amendoada, que Yuu herdara dela e que geralmente apresentavam um brilho vivo, expressavam-se de modo vazio e ausente; o seu rosto, leve e equilibrado, apresentava um ar pouco comum, quase ocidental. Sempre que olhava para a sua mãe, a única coisa que Yuu conseguia pensar era que nunca havia visto criatura mais bela em toda a sua vida. E isso tornava ainda mais difícil de explicar a atitude
dele…
-Quando acabares de comer podes sair, eu trato da loiça.
-Hmm… - Yuu mal conseguiu responder. Encontrava-se demasiado concentrada a observar Hasu para se aperceber de que ela acabara de falar. - Tens a certeza?
-Absoluta. - Assegurou-lhe a mãe, enquanto um sorriso forçado abraçava os seus lábios carnudos. - Precisas de apanhar um bocado de ar, estás muito pálida. E para além disso precisas de conhecer melhor a vila, não é?
Yuu apenas anuiu. Não estava convencida pelos argumentos da mãe, mas achou que insistir com ela num momento daqueles seria a pior coisa a fazer. Assim, e de modo quase silencioso, pousou o seu prato na banca e abandonou a cozinha, dirigindo-se para o seu quarto. Quando se encontrou novamente no interior da divisão, as suas costas mornas encostadas à rígida madeira da porta, lutou por esvaziar novamente a sua mente à medida que novos pensamentos desagradáveis voltavam a tentar abalá-la. Há já muito tempo que não se via confrontada pelas escapadelas do pai, e presenciar uma delas numa altura como esta não era, de todo, uma experiência agradável.
Respirou profundamente, começando aos poucos a limpar a sua mente. Fora provavelmente a coisa mais útil que aprendera com o seu pai: não pensar em nada, deixar a sua mente tão vazia e estável como a de uma pedra. Sabia que estava simplesmente a fugir à realidade, e que nada disto ajudaria a resolver os problemas que tinha em mãos: mas de momento era a única solução que tinha, ainda que momentânea. Expirou profundamente, sentindo-se muito mais serena que antes. Sem grandes detenças colocou-se de joelhos no chão, olhando para o espaço que se encontrava por baixo da sua cama. Tinha a certeza que deixara uma mochila ali algures…
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- Spoiler:
Tcha~ran, mais chacha
Meio ‘blhecas’, mas enfim x) [Isto sim é um autêntico ‘filler’, literalmente 8D]